Crítica | Regra 34

Crítica | Regra 34

Regra 34 é um termo que se refere a uma regra da Internet que afirma “que qualquer objeto, personagem ou franquia de mídia imaginável tem pornografia associada a ele“. O novo filme da diretora Júlia Murat usa esse conceito como título de seu longa-metragem, mas não fala explicitamente sobre ele.

A cineasta faz um estudo de personagem no qual acompanhamos a dualidade da protagonista entre sua vida pessoal e profissional, mostrando a conexão e contradições entre ambas. Murat não está interessada em entregar respostas fáceis para o espectador, mas sim provocar e fazê-lo refletir sobre assuntos referentes à sexualidade de Simone (Sol Miranda) e seu lado profissional ao iniciar carreira como defensora pública. 

Logo no início de “Regra 34” vemos que a protagonista é uma camgirl, onde ela se exibe na Internet realizando práticas sexuais através de uma webcam em troca de pagamento. A jovem agradece aos usuários e tudo indica que ela usou esse dinheiro para financiar seus estudos. No entanto, ao começar a trabalhar como defensora pública, a parte financeira da sua vida está sob controle, então agora ela pode se dedicar a realizar as suas próprias fantasias sexuais.

Por se tratar de um estudo de personagem, o filme de Júlia Murat não segue bem uma narrativa e sim apresenta o cotidiano de Simone, alternando entre cenas do curso de formação de defensora, onde discute com colegas e professores sobre assuntos referentes à direito penal, com momentos de sua vida pessoal.

É importante ressaltar o trabalho de montagem da própria Murat em parceria com Beatriz Pomar e Mair Tavares. Ela estabelece muito bem essa alternância de situações da vida de Simone apresentando contraposições interessantes entre momentos pessoais e profissionais, utilizando cortes abruptos que dão um tom de “naturalismo” à narrativa. Por exemplo, a protagonista se interessa pelo tema de relacionamentos abusivos de homens sobre mulheres, mas ela mesma se impõe de forma abusiva psicológica com uma mulher com a qual se relaciona sexualmente. Isso nos mostra que a jovem tem suas contradições.

Contudo, “Regra 34” não está interessado em fazer juízo de valor sobre as atitudes de Simone e sim apresentá-las ao espectador para que esse tire sua própria conclusão. Inclusive o filme apresenta bons momentos reflexivos durante as discussões entre o pessoal do curso de formação de defensor público. A protagonista e outros dois alunos são as únicas pessoas negras do lugar e isso já fala bastante sobre racismo estrutural e outras questões sociais existentes no Brasil. Alguns desses temas são abordados, mas é na questão da sexualidade que o filme mostra que existe moralismo entre todas as classes.

Um bom exemplo é quando a protagonista discute com uma colega sobre a diferença entre domésticas e garotas de programa, pois a moça acha que as prostitutas devem ser defendidas, enquanto a prostituição deve ser combatida, pois as mulheres que escolhem essa profissão são exploradas e optam por ela por falta de escolha. Então Simone aponta que o mesmo pode ser dito sobre as empregadas domésticas, mas que nem por isso ela defende a extinção desta profissão.

No entanto, é dentro da temática sexual que “Regra 34” explora o seu grande potencial. Talvez o principal tema seja a jornada de Simone em busca dos limites da própria sexualidade, assim ela resolve entrar no mundo do BDSM (Bondage, Disciplina, Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo). Inicialmente a vemos em busca de amor livre, seja através da relação abusiva com uma garota que é sua colega de uma aula de defesa pessoal, ou no relacionamento a três que ela tem com um amigo e uma amiga. Contudo, através da técnica de asfixia ela quer ir além na descoberta do seu próprio prazer sexual. A questão é que o sadomasoquismo é uma relação de troca e confiança, e é justamente no ponto de confiar nos outros que a protagonista tem que evoluir.

Dessa forma, a jornada de Simone em “Regra 34” é muito interessante e a diretora Júlia Murat explora muito bem os temas em torno da personagem onde é impossível para o espectador ficar indiferente em torno das reflexões e provocações apresentadas. O trabalho de entrega de Sol Miranda como a protagonista é impressionante e sem dúvidas um dos grandes destaques do longa-metragem de Murat.


Uma frase: – Simone: “Eu gosto, me excita. Eu sinto muito se meu tesão não é suficientemente político para você.”

Uma cena: Simone e Coyote testando os limites do BDSM.

Uma curiosidade: O filme é o terceiro longa-metragem de Júlia Murat e conquistou o Leopardo de Ouro, prêmio máximo no Festival Internacional de Cinema de Locarno de 2022.


Regra 34

Direção: Júlia Murat
Roteiro: Júlia Murat, Roberto Winter, Rafael Lessa e Gabriela Capello
Elenco: Sol Miranda, Lucas Andrade, Lorena Comparato, Isabela Mariotto, MC Carol e Babú Santana
Gênero: Drama, Suspense
Ano: 2022
Duração: 100 minutos

Ramon Prates

Analista de sistemas nascido em Salvador (BA) em 1980, mas atualmente morando em Brasília (DF). Cinema é sem dúvidas o meu hobby favorito. Assisto a filmes desde pequeno influenciado principalmente por meus pais e meu avô materno. Em seguida vem a música, principalmente rock e pop.

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