Review | Pacto Brutal – O assassinato de Daniella Perez
Trinta anos depois da morte chocante da jovem e promissora atriz Daniella Perez, a mãe e autora de novelas Glória Perez relembra em detalhes o dia do assassinato, repassa e revive as emoções e questiona as injustiças cometidas contra a memória da vítima à época e que até hoje repercutem e causam revolta e indignação em familiares e amigos. A minissérie documental original da HBO Max investe na atmosfera do crime real para confrontar as consequências das narrativas fictícias e sensacionalistas que dominaram a cobertura do caso, num tempo em que a teledramaturgia era o principal gênero artístico a ditar os comportamentos dos brasileiros.
Glória Perez é uma das figuras centrais ouvidas pelos criadores Tatiana Issa e Guto Barra para reconstruir os fatos, os detalhes da investigação e os bastidores do julgamento dos assassinos. A luta incansável por justiça dela resultou na transformação do homicídio qualificado em crime hediondo no código penal. Além dela, a produção também exibe depoimentos do marido de Daniella, o também ator Raul Gazolla, parentes próximos, promotores, jornalistas, advogados e colegas de elenco da atriz – que era a protagonista da novela De Corpo e Alma, do horário nobre da TV Globo no início dos anos 1990.
É preciso ter “estômago” para não se impressionar com os cinco episódios da minissérie. Os relatos emocionados e as frases marcantes do elenco colocam o espectador cara a cara com o luto não vivido plenamente ou não superado de uma perda tão repentina e violenta. Daniella Perez teve o corpo e a reputação dilacerados pela repercussão do crime. Mesmo sendo o rosto mais famoso de um país, a atriz foi culpabilizada pela própria morte e não foi poupada pelo machismo e pela misoginia da nossa sociedade. Três décadas se passaram e ainda há quem acredite na versão do crime passional.
Ao longo dos cinco episódios de Pacto Brutal, a escolha de mostrar repetidas vezes as imagens que mostram o cadáver de Daniela intrigam em um primeiro momento. Imagens essas muito usadas pela mídia de forma extremamente sensacionalista à época. Apesar de não ser uma surpresa para aqueles que vivenciaram o período do crime, as fotos constrangem pela brutalidade. E esse foi o objetivo de Issa e Barra: incomodar. O incômodo faz parte do processo de humanização da vítima, uma forma de mostrar a grandiosidade da violência deste crime.
Sendo um dos capítulos mais interessantes, o episódio 2 do documentário mostra quem foi Daniela Perez, a Dani, para os amigos e familiares. Por décadas, Daniela foi conhecida como a atriz que foi vítima de um assassinato brutal, onde o assassino confesso explorou todo o machismo estrutural e misoginia para sedimentar uma narrativa absurda de mulher sedutora e provocante que levou os criminosos a apunhalá-la. Para a mídia e todo o Brasil, Daniela era apenas uma mulher, de 22 anos, branca, 1,60 m, encontrada morta em um matagal no Recreio dos Bandeirantes (RJ). Após a estreia de Pacto Brutal, Dani foi finalmente compreendida como um ser humano complexo e profundo. O espectador pôde, enfim, vislumbrar o impacto que sua morte e sua ausência tiveram na vida daqueles que a amaram.
A leitura do documentário sobre o crime para a geração que não o testemunhou é bastante pedagógica. Reflete sobre a personalidade do casal de assassinos e descontrói factóides sobre a natureza das motivações. No entanto, a condução da narrativa tende para defesa de uma perpesctiva punitivista ao insinuar, nas entrelinhas, que a única solução para o justiçamento de crimes tão brutais seja o encarceramento definitivo dos assassinos. Essa escolha discursiva pouco agrega ao debate em torno do sistema carcerário e da falta de políticas efetivas de ressocialização. Sem falar que, em alguns momentos, a série flerta com o pânico satânico e insufla indiretamente o preconceito contra religiões de matriz africana.
Esse texto contou com colaboração de Elaine Fonseca
Pacto Brutal – O assassinato de Daniella Perez
Criado por: Tatiana Issa e Guto Barra
Emissora: HBO Max
Elenco: Glória Perez, Raul Gazolla, Cláudia Raia, Alexandre Frota, Maurício Mattar, Fábio Assunção, Cristiana Oliveira, Wolf Maia, Eri Johnson e Marieta Severo
Ano: 2022
