Medida Provisória, um contraponto à crítica da POCILGA
Olá, eu sou Felipe Gandolfi! Esta análise contém spoilers de Medida Provisória.
Após ler a crítica de Mario Bastos na POCILGA, fui compelido a escrever um contraponto ao ótimo filme Medida Provisória, de Lázaro Ramos. Toda a questão social e política apontada por Mario não tenho nem o que discordar. O Brasil de hoje é extremamente próximo deste Brasil apontado pelo diretor.
No entanto, o que consigo analisar do filme, partindo de uma visão histórica, aponta para caminhos pouco explorados pela leitura de nosso nobre bacharel.
Em sua jornada, Antônio (vivido por Alfred Enoch) começa o filme dentro de uma perspectiva desracializada, vestindo-se e adotando a visão de luta que a sociedade branca impõe a pessoas negras. E com todo o seu desenvolvimento na luta contra a medida provisória 1888 – que sem dúvida alguma remete ao 13/05/1888 – o personagem passa a se vestir, lutar e resistir como um homem negro, sendo então enxergado como um homem negro (combativo, perigoso para o status quo).
Falando agora sobre André, interpretado por Seu Jorge, consigo enxergar paralelos com a figura de Exú, divindade que nas religiões de matriz africana atua como mensageiro/portador dos orixás. Além de desempenhar essa função em razão da profissão de jornalista e das ações que pratica no filme, o personagem tem também toda uma estética associada à entidade, desde suas roupas até a cor vermelha predominante em seu quarto.
Impactante também é a cena com as mortes de André e Santiago, na qual aliás caberia muito bem o inesquecível monólogo sobre racismo oferecido pelo próprio Lázaro Ramos no filme Ó Paí, Ó:
Cá, como lá, homens negros e brancos sangram igual, então por que existe separação e racismo? Observo também toda uma narrativa de libertação da personagem Capitu, estrelada por Thais Araújo, que no começo é retratada sempre com os cabelos presos, mas, ao cabo de sua jornada, termina o filme de cabelos soltos e “livre”. Essa narrativa de Capitu também passa pela discussão do silenciamento e da solidão da mulher negra, ainda mais depois do incrível discurso da personagem durante o julgamento de Santiago dentro do Afro Bunker, nome dos quilombos modernos.
Sobre o Afro Bunker, consigo enxergar toda uma narrativa da fuga dos negros escravizados que acabavam rumando aos quilombos nos séculos de escravidão. A fotografia nas cenas da personagem de Thais e as duas outras personagens dentro da mata atlântica também contribuem para essa visão.
Talvez o único ponto de concordância com a análise de Mario é a atuação de Alfred, que por ser muito mais britânico do que brasileiro, acaba perdendo a “malemolência” do português em alguns momentos. Nada que justifique a perda de mais do que meio ponto, no entanto.
O filme é excelente, daqueles que entrarão nas listas de melhores filmes brasileiros de todos os tempos. Por sinal, merecem comentários as atuações teatrais, como apontado na crítica do jovem Mário Bastos, mas enquanto ele entende isso como um ponto negativo, exagerado, eu vejo como algo que agrega ao filme.
Filme excelente, nota 4,5/5.
Boas observações! Gostei bastante da contribuição. Sobre a fotografia, depois de ler outras críticas percebi que me equivoquei, e que há mais cuidado nessa parte técnica do que me dei conta no primeiro momento. Vacilo meu. A questão da transposição do teatro para o cinema, ainda acho um ponto problemático, porém. Também, acho que é um filme que melhora a cada vez que é revisto. Provalmente em segunda apreciação, ele pode ficar melhor. Mas acho que podemos concordar em 4 Bacons (na POCILGA não tem meio-bacon, hehehehe). Abraços!
Vai mudar a nota na sua postagem dizendo que foi reavaliada depois do recurso?