Crítica | Mães Paralelas
Confesso que não assisti todos os filmes de Almodóvar, mas os poucos que vi, me surpreenderam pela estética e narrativa singulares, que subvertem clichês dramáticos e consegue elevá-los para o panteão das produções que deixam uma marca muito específica na memória de cada espectador. E não podia ser diferente com seu novo longa, Mães Paralelas. Ouso dizer que é quase impossível que o lançamento passe batido, seja esquecido ou ofuscado na extensa e celebrada filmografia do cineasta. Dessa vez, ele revisita a temática da maternidade e do feminino, entrelaçando, contextualizando e posicionando a narrativa com a existência política e histórica de suas personagens.
Para um dos papéis principais, Almodóvar escalou Penélope Cruz, repetindo uma parceria de sucesso. A atriz vive a fotógrafa Janis, uma mulher madura, independente, bem sucedida, que engravida acidentalmente e decide abraçar a maternidade solo. A jornada de Janis, na maternidade, se cruza com a da adolescente Ana, interpretada pela jovem Milena Smit. A personagem também está prestes a parir, porém, sem apoio da família, solitária, desprotegida. As duas mulheres – de gerações diferentes e com perspectivas muito distintas sobre passado e futuro – aguardam o nascimento de suas filhas e, nessa espera, elas se conectam de maneira a impactar, surpreendentemente, a vida de cada uma.
O fio condutor dessa sinopse flerta com o clichê das novelas brasileiras, mas consegue romper com a superficialidade e a expectativa. Tudo isso tangenciado pelo desenrolar de uma narrativa de fundo, que aborda a história da Espanha, lançando olhar sobre o papel dos sujeitos como indivíduos políticos, que não podem se esquivar de suas escolhas, que são também resultado das ações de gerações passadas e agora são responsáveis pela construção do presente e do futuro. Corajosamente, Almodóvar põe em cena o papel político da mulher, da maternidade e da urgente necessidade delas se apropriarem cada vez mais dessa consciência capaz de movimentar as estruturas sociais arcaicas.
Com sua estética peculiar, o cineasta mais uma vez colore cenários com muitos elementos vermelhos e amarelos, coloca foco e dá zoom em objetos específicos para transicionar cenas e usa enquadramentos alinhados com a ambientação emocional dos personagens. Almodóvar coloca o espectador num espaço cômodo ao fazer uso desses recursos conhecidos de seu cinema autoral. É uma estratégia que pode parecer muito batida, porém, na minha opinião, nesse caso funciona bem associada a um roteiro que sai de sua zona de conforto – não que ele esteve em algum momento nela. Acredito que ajuda a transpor barreiras do diálogo entre arte e política, que eventualmente possam surgir na interpretação de sua obra.
Em Mães paralelas, Almodóvar escolhe expor ostensivamente seu lugar na História espanhola e também marca sua oposição clara à ascensão dos movimentos fascistas no mundo hoje, lembrando dos perseguidos políticos e assassinados pela ditadura franquista da década de 1930. Ele faz isso magistralmente partindo de histórias particulares de mães atravessadas por suas tragédias pessoais que espelham uma dura realidade: mulheres não possuem o privilégio de serem “apolíticas” quando, em paz ou em guerra, homens acabam por exercer domínio físico e simbólico sobre os corpos femininos.
Uma frase: – “Está na hora de você saber em que país mora. (…) Vai te fazer bem saber para poder decidir onde quer estar”.
Uma cena: O primeiro jantar de Janis e Ana após se reencontrarem.
Uma curiosidade: A foto em primeiro plano que Penélope Cruz menciona mostrando sua mãe e ela mesma quando bebê, em Ibiza, foi tirada pelo fotógrafo espanhol Oriol Maspons. O registro foi feito em Dalt Vila, Ibiza, no verão de 1976. A coleção de Oriol Maspons está na galeria Blanca Berlin, em Madrid, e na Photography Social Vision Foundation, em Barcelona.
Mães Paralelas (Madres paralelas)
Direção: Pedro Almodóvar
Roteiro: Pedro Almodóvar
Elenco: Penélope Cruz, Milena Smit, Israel Elejalde, Aitana Sánchez-Gijón, Rossy de Palma e Julieta Serrano
Gênero: Drama
Ano: 2021
Duração: 123 minutos
Que filme maravilhoso, Almodóvar é foda!
E excelente texto!