A Nostalgia Era Melhor Antigamente: Superman – O Filme (segunda parte)
Continuação do post da semana passada, no qual comentei a primeira parte de Superman – O Filme (1978).
No post anterior descobrimos que o planeta Krypton não acreditava em processo penal justo, que Clark Kent não gosta de idosos e que o mercado de trabalho de Metrópolis é bem aberto a jornalistas em começo de carreira.
Hoje nós vamos entender por que o Super Homem tem impacto direto na alíquota do IPTU de Metrópolis, descobrir que Lois Lane não acredita em ética jornalística e compreender melhor o movimento de rotação da Terra.
Superman – O Filme (1978)
(segunda parte)
Alheia às maquinações de Lex Luthor e seu maligno plano de compra e venda de ativos imobiliários, Lois Lane está a caminho de uma entrevista com o Presidente dos EUA, embarcando em um daqueles helicópteros que os jornais costumavam ter para dar notícias de trânsito antes de inventarem o Waze.
Mas algo dá errado, o piloto perde o controle e o helicóptero fica pendurado no topo do edifício, preso apenas por um cabo de aço e a ponto de despencar a qualquer momento. Desesperada, Lois grita a plenos pulmões. Lá embaixo, transeuntes se desesperam, uma sirene de polícia dispara e um caminhão de bombeiros aparece com notável rapidez.
Saindo do trabalho, nosso herói com super audição ignora a comoção nas ruas e caminha tranquilamente pela calçada sem se importar com as pessoas berrando e olhando em desespero para o alto do edifício, afinal o expediente já acabou. Somente depois de encontrar o chapéu de Lois no chão ele aceita que não vai rolar happy hour e decide entrar em ação.
Clark rapidamente veste seu uniforme de Super Homem e, depois de agradecer uma pessoa aleatória que elogia sua roupa, pois risco de morte não é desculpa para falta de educação, voa em disparada ao alto do edifício para salvar Lois e o caríssimo helicóptero do Planeta Diário, assim evitando a falência do jornal pelo menos até o advento dos blogs e redes sociais alguns anos mais tarde.
Depois de ter se revelado ao mundo, o Super Homem sai pela cidade fazendo boas ações, e por boas ações eu quero dizer coisas como deixar um barco em frente à delegacia de polícia, atrapalhando o trânsito de toda a cidade…
…e fazer uma pobre menina apanhar da mãe por contar mentiras sobre um homem voador.
Em seguida, ele decide conceder uma entrevista para Lois Lane, não porque sentiu necessidade de usar a imprensa para se apresentar melhor ao mundo, mas sim porque queria um pouco de privacidade para flertar com a jornalista com tranquilidade.
Os dois então se encontram no imenso terraço do apartamento que Lois consegue pagar graças ao seu milionário salário de jornalista, que talvez seja a parte mais inacreditável de um filme sobre um alien voador que tem o conhecimento acumulado de 28 galáxias mas não sabe que se deve usar a cueca por baixo da calça.
Durante a entrevista, nosso herói se recusa a informar a própria idade, pois tem receio de revelar muito a seu respeito, mas não vê nenhum problema em registrar em um jornal de grande circulação que não consegue ver através de objetos de chumbo com a sua visão de raios X. Bem, não é como se divulgar ao mundo uma limitação dos seus poderes pudesse lhe trazer qualquer problema futuro, não é mesmo?
Depois de muito flerte, perguntas indiscretas, vinho e Lois com dúvida se Krypton se escreve com “c” ou com “k”, afinal os alienígenas com certeza usam o alfabeto romano, os dois decidem mandar a ética às favas de uma vez e saem para voar agarradinhos, passando por famosos pontos turísticos da cidade de Metrópolis, como a Estátua da Liberdade.
Graças a essa entrevista apropriadamente intitulada “Passei a noite com o Super Homem”, que poderia muito bem ter saído na revista Contigo, mas foi publicada no Planeta Diário, Lex Luthor consegue precisar a localização do planeta Krypton, a velocidade média da espaçonave alienígena que veio à Terra e a data exata em que ela pousou.
Mais impressionante que isso é que, com base em rigorosamente nada, Lex conclui que os destroços do planeta Krypton são radioativos, que essa radioatividade especificamente é letal para o Super Homem e que um desses destroços caiu no país de Addis Ababa, aproveitando para batizá-los de Kryptonita, afinal, por que não.
Tendo descoberto a fraqueza do herói, Lex põe em prática seu plano de dominação mundial, digo, imobiliária, que consiste em fazer sua namorada, Srta. Teschmacher, fingir um desmaio na frente do comboio militar que está levando uma poderosa arma de destruição em massa, na esperança de que todos os soldados deixarão seus postos para prestar socorro, permitindo que as coordenadas de lançamento do míssil sejam alteradas.
Lamentavelmente o capanga de Lex insere as coordenadas incorretas no míssil, fazendo com que seu destino seja Nova Jérsei, e não a Califórnia. Mas não há problema porque, por uma notável coincidência, um outro braço das forças militares dos EUA também decidiu fazer um teste com um míssil nuclear no mesmo dia e na mesma hora.
Assim, Lex traça um novo plano para alterar as coordenadas da outra arma nuclear, que obviamente dá certo porque o exército americano é incrivelmente incompetente nesse filme — o que não é muito surpreendente, eis que se trata de forças armadas que nem se preocupam em investigar quando uma nave com um bebê alienígena pousa em solo nacional.
Tendo alterado as coordenadas dos dois mísseis, Lex então convoca o Super Homem mandando uma mensagem em uma frequência que ele sabe que somente o herói pode escutar, informação também obtida da simples leitura de uma entrevista focada em altura, cor dos olhos e pratos preferidos.
Nosso herói então dispara em direção ao esconderijo subterrâneo do vilão, abrindo um buraco no meio da calçada que põe em risco os pedestres mais distraídos e gera consideráveis despesas aos cofres da prefeitura de Metrópolis.
Enquanto Lex distrai o Super Homem com os detalhes do seu projeto de investimento em terrenos desérticos, os dois mísseis são lançados — sendo um para a Califórnia, onde Lois está entrevistando indígenas que venderam suas terras para Luthor, e outro para Nova Jérsei, onde reside a mãe da Srta. Teschmacher, o que pode ter sido um equívoco ou uma tentativa deliberada de Lex de se livrar da sogra.
Finalmente usando alguma informação que realmente estava na entrevista, Lex usa a incapacidade do Super Homem de usar a visão de raios X em objetos de chumbo para atraí-lo a uma armadilha: incapacitado pela Kryptonita, o herói é atirado em uma piscina para morrer afogado.
Mas o plano de ficar rico *E* se livrar da sogra sai pela culatra: aproveitando uma distração do namorado, a Srta. Teschmacher liberta o Super Homem da Kryptonita sob a promessa de que ele cuidará primeiro do míssil que se dirige a Nova Jérsei.
Livre da Kryptonita, nosso herói parte em alta velocidade para interceptar o míssil, abrindo um outro buraco na rua e certamente provocando o terceiro aumento na alíquota do IPTU de Metrópolis só nessa semana.
Cumprindo sua promessa, o Super Homem lida primeiro com o míssil de Nova Jérsei, direcionando-o para explodir no espaço, mas chega tarde demais para impedir o segundo míssil, que atinge em cheio a falha tectônica de San Andreas, provocando fortes terremotos na costa oeste estadunidense.
Com isso, desastres se multiplicam. A ponte Golden Gate cede, um trem descarrila, o letreiro de Hollywood despenca, uma imensa represa estoura e inunda uma pequena cidade vizinha.
E Lois morre porque fica tentando fazer um carro sem gasolina pegar no tranco bem embaixo de uma avalanche.
Em defesa do Super Homem, ele até consegue sanar a maior parte dos problemas, salvando um ônibus escolar, devolvendo o trem para os trilhos e até detendo o fluxo de água da represa estourada,
Vale notar também que a parte do fluxo de água do rompimento que ele não conseguiu segurar tem até um reflexo positivo, pois criou um pequeno córrego para uma comunidade indígena que vivia em condições sub humanas no deserto.
Mas, apesar disso tudo, ele chega tarde demais para salvar Lois, conseguindo apenas retirar seu corpo sem vida de dentro do carro soterrado.
Transtornado e sem conseguir lidar com a perda do seu grande amor, nosso herói decide destruir o planeta fazendo com que ele gire ao contrário do próprio eixo, mas ao fazer isso o mundo não é destruído, e sim volta no tempo, porque é assim que funcionam os movimentos de corpos celestes.
Com isso, o rompimento da represa é revertido, fazendo com que todas as suas consequências, como o deslizamento que matou Lois, nunca tenham ocorrido. Claro que isso também significa que os indígenas que agora há pouco estavam comemorando a chegada da água voltaram a ficar em situação de miséria.
Além disso, também não fica claro por que ele parou por aí e não reverteu também o próprio lançamento do míssil, a morte do pai ou a convocação de Valdomiro para a Copa de 74.
De toda forma, depois de salvar Lois e condenar toda uma aldeia indígena a uma vida de sede e privações, só resta ao Super Homem capturar Lex Luthor, presumivelmente fazendo um terceiro buraco nas calçadas de Metrópolis, e levá-lo à Justiça.
É claro que por “levá-lo à Justiça” eu quero dizer “levá-lo diretamente a uma penitenciária, sem julgamento, direito de defesa, advogado, devido processo legal, contraditório ou recursos”.
Jor-El ficaria orgulhoso.
ESSSA PROVAVELMENTE É A MAIOR OBRA PRIMA DE LIONEL! ODIEI 5/5 BACONS
Será que ele aprendeu o negócio da volta do tempo voltando o eixo da Terra nas aulas de Jor-El ?
Mas sem dúvidas o apartamento de Lois Lane é a coisa mais absurda desse filme, pior que o plano de Lex.
O povo indígena não tem sorte nem na ficção
Essa coisa do devido processo legal foi melhorado em Superman Returns, no qual Luthor foi absolvido exatamente porque Superman estava fora visitando os destroços de Krypton.