Crítica | Democracia em Vertigem
Com clareza, sensibilidade e coragem, o documentário brasileiro Democracia em Vertigem, disponível na Netflix, descortina a história recente e expõe o profundo desequilíbrio entre os pólos políticos da esquerda e da direita – que sempre tangenciam o jogo das relações de poder no Brasil -, responsável pelo atual cenário de crise institucional.
Petra Costa, diretora, roteirista e produtora do filme, nasceu em 1983, justo no momento em que o país vivenciava o processo de redemocratização, com o povo nas ruas pelas “Diretas Já”. Ela narra essa história de maneira subjetiva, pontuando como os acontecimentos políticos dos últimos 30 anos se conectaram com o seu cotidiano familiar e como eles moldaram sua identidade. O texto é belíssimo, emocionante, por vezes, poético.
O documentário começa e termina com um passeio pelos amplos salões do Palácio da Alvorada. As imagens de arquivo se misturam com as de acervo pessoal da diretora, áudios e vídeos de reportagens descrevem brevemente o período de ditadura militar, o crescimento dos movimentos sindicais, a chegada de Lula à presidência da república, os primeiros escândalos de corrupção, as manifestações de 2013 e, por fim, o acirramento da polarização política da sociedade, a qual ficou mais evidente nas eleições de 2018.
Segundo a própria Petra, a produção começou a ser efetivamente filmada numa das manifestações a favor do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, sucessora de Lula. Mais precisamente quando um mar de pessoas vestidas com a camisa da seleção empunhava panelas e reivindicava até mesmo a volta dos militares ao poder, enquanto expulsaram manifestantes com camisetas vermelhas dos protestos.
A cisão de classes e interesses ficou exposta desde então, dificultando o diálogo, exacerbando a violência e impedindo a formação de consensos necessários para a restauração do equilíbrio democrático. Tudo isso enquanto um político que havia diminuído a miséria e a fome e ainda transformado o país na sétima potência mundial era alvo de investigação, julgado e preso pouco antes das eleições em que liderava as pesquisas de opinião.
O componente desses abalos sísmicos sem precedentes para a história política (e criminal) do Brasil era a operação Lava à Jato, do Ministério Público Federal, capitaneada (spoliers da #vazajato) pelo então juiz federal Sérgio Moro. Com ela, o caldeirão de delações premiadas, arranjos e vazamentos de negociações de bastidores dos três poderes transbordou lama para todos os lados, alcançando velhas raposas da política.
Em meio ao show midiático de prisões e escândalos que colocavam em cheque a ética e a moral de partidos e políticos, sempre estávamos nós, o povo, com nossa inocente crença de que somos capazes de impor mudanças estruturais ao sistema político liderado pelos interesses de antigas forças econômicas. Agora, mais do nunca, a grande massa de cidadãos vive dias de tontura (vertigem), oscilando entre extremos ideológicos.
Dia e noite
A incrível fotografia constrói em imagens a metáfora da trajetória de glória e caos experimentada pelo brasileiro ao longo desses anos. No começo, a capital federal ensolarada e reluzente representa o renascimento do “sol” da democracia, dos anos de progresso econômico e catarse coletiva da classe trabalhadora com a ascensão social proporcionada pelos anos de governo Lula e os primeiros anos de Dilma no poder.
Em seguida, o que se vê são cenários de entardecer, utilizados para descrever a tensão da movimentação política em torno do impeachment da presidenta – com a “morte” das instituições – e, por fim, sobrevoos sobre uma Brasília noturna, envolvida numa escuridão de escândalos de corrupção, crise econômica e reviravoltas políticas que abalaram de vez os fracos alicerces da democracia, cujas consequências impedem a sociedade de hoje vislumbrar um futuro promissor.
Uma frase: “Como lidar com a vertigem de ser lançado num futuro que parece tão sombrio quanto nosso passado mais obscuro?”
Uma cena: Quando Lula sai do palanque carregado por militantes no dia da sua prisão.
Uma curiosidade: É o terceiro documentário lançado sobre o tema do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Democracia em Vertigem
Direção: Petra Costa
Roteiro: Petra Costa
Elenco: Petra Costa, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff, Michel Temer, Jair Bolsonaro, Sergio Moro, Eduardo Cunha, Jean Wyllys
Gênero: Documentário
Ano: 2019
Duração: 113 minutos
3 comentários sobre “Crítica | Democracia em Vertigem”