Crítica | Praça Paris
O questionamento “qual é o limite da sua empatia”, presente no cartaz e no trailer de Praça Paris, diz bastante sobre o filme. A diretora Lúcia Murat explora bem a relação entre uma terapeuta e sua paciente, quando a primeira não consegue assimilar bem a realidade violenta da vida da segunda.
Camila (Joana de Verona) trabalha na Universidade Federal do Rio de Janeiro como terapeuta e está escrevendo um trabalho sobre a violência doméstica no Brasil. Ela é portuguesa e veio ao país por influência familiar, já que sua avó também veio no passado morar no Rio de Janeiro. Essa vivência estrangeira é importante para a narrativa, pois ajuda a potencializar o choque com a violência pela qual Glória (Grace Passô), ascensorista da universidade, sofre em seu cotidiano.
Durante a terapia, Glória narra os abusos que sofreu do pai, a relação com o irmão, e sua realidade na favela no Rio de Janeiro. Inicialmente, Camila assimila bem e está sempre disposta a ajudar sua paciente, no entanto a aproximação com essa nova realidade, bem diferente da sua, faz com que a terapeuta queira se afastar e desistir de Glória.
Seria falta de empatia ou excesso de profissionalismo, já que a moça estaria envolvida demais emocionalmente com a paciente e não estaria se sentindo capaz de ajudar? Essa é a premissa do filme e é interessante como o roteiro escrito pela diretora junto com Raphael Montes descreve bem a realidade de cada uma das personagens. Conhecer sobre o cotidiano delas ajuda o espectador a entender suas respectivas motivações, no entanto, apenas Glória parece convincente.
A história de Camila é mais superficial e a ligação dela com o passado da avó serve apenas para justificar o motivo de ambas terem “enlouquecido” no Brasil. Além disso, apesar de ser apenas uma estudante (não fica claro se de graduação ou pós), nada justificaria a forma como ela ignora e trata Glória quando a encontra fora da terapia. Sua função dentro do filme é simbolizar o choque de realidade entre classes diferentes, isto é, os ricos assustados com o “terror” dos pobres.
Porém, a história de Glória é bem melhor desenvolvida e fica fácil entender suas atitudes e comportamento diante uma realidade cruel. Além de ser mulher, ela ainda é negra e pobre, então seus problemas são potencializados. Seu passado diante dos abusos do pai são assustadores e é impossível não se sensibilizar com a moça quando ela fala em vingança, por exemplo. Cada novo detalhe que ela conta é chocante, mas não parecem ser o suficiente para assustar tanto alguém como Camila, que deveria estar preparada para isso.
Enquanto Camila tem pesadelos com a realidade de Glória, Glória sonha em ter a vida de Camila e isso simboliza bem a história do filme. Ou seja, enquanto uma tem que encarar o “terror” todos os dias com sua realidade, a outra sofre e tem medo de imaginar como seria isso, incapaz de demonstrar empatia, respondendo o questionamento do cartaz do filme.
O trabalho das atrizes é bom, mas Grace Passô impressiona como Glória, não deixando muito espaço para Joana de Verona, que é prejudicada pela forma com o roteiro aborda a sua personagem.
O filme é bom tecnicamente e explora bem as paisagens do Rio de Janeiro sem utilizar os clichês dos cartões postais da cidade. A fotografia também explora bem os planos fechados, muitas vezes mostrando o rosto das personagens de perto, ou somente os olhos, para dar uma proximidade maior delas ao público. A montagem é eficiente em dar ritmo à narrativa alternando entre as duas personagens, fazendo com que ambas tenham o mesmo tempo na tela.
Praça Paris desenvolve bem o choque de realidade entre as personagens, mas, infelizmente, não consegue aprofundar adequadamente a vida de uma delas e isso prejudica a imersão do espectador na narrativa. A superficialidade da história de Camila é o principal defeito do longa. O problema é compensado pela ótima atuação de Grace Passô, que é o grande destaque do filme.
Uma frase: – Glória: “A doutora tá com medo é, medo de mim?”
Uma cena: O relato de Glória, para Camila, sobre os abusos do pai.
Uma curiosidade: O filme foi vencedor dos prêmios de Melhor Direção para Lucia Murat e Melhor Atriz para Grace Passô no Festival do Rio 2017.
Praça Paris
Direção: Lúcia Murat
Roteiro: Raphael Montes e Lúcia Murat
Elenco: Grace Passô, Joana de Verona, Marco Antonio Caponi, Alex Brasil e Babu Santana
Gênero: Drama
Ano: 2017
Duração: 110 minutos
Um comentário em “Crítica | Praça Paris”