A Liga de Cavalheiros Extraordinários
A Liga de Cavalheiros Extraordinários (chamada de Liga Extraordinária em algumas traduções, para remeter à malsinada adaptação para os cinemas — corram dessa praga, ele é tão ruim que fez Sean Connery se aposentar do cinema) é, em muitos aspectos, superior a Watchmen, que é a obra mais conhecida do roteirista Alan Moore.
Aqui, Moore cria um imenso crossover entre vários personagens da literatura Vitoriana (premissa que, vale dizer, já havia sido explorada por Philip J. Farmer no livro O Outro Diário de Phileas Fogg), jogando em uma única trama protagonistas e coadjuvantes de obras clássicas como Drácula, As Minas do Rei Salomão, Vinte Mil Léguas Submarinas, Sherlock Holmes, O Médico e o Monstro e muitos, muitos outros.
Mas o que poderia ser uma salada confusa ou puro exibicionismo de conhecimento literário acaba funcionando, pois a história é muito bem contada e os personagens magistralmente desenvolvidos — sem perder a essência dos trabalhos originais.
Recomendo muito a leitura dos volumes 1 e 2, só — reitero — fuja do filme.
Os Leões de Bagdá
Outra de Brian K. Vaughan, Os Leões de Bagdá conta a história, baseada em fatos reais, de uma… de uma… qual o coletivo de leões mesmo? Manada? Matilha? Enfim, de um grupo de leões que, graças a um bombardeio norte-americano em 2003, consegue fugir do zoológico de Bagdá.
Lembro de ter lido, na época do lançamento, que uma das preocupações do desenhista Niko Henrichon foi evitar um traço cartunesco, para que o clima Rei Leão não comprometesse a seriedade da coisa.
Assim, muito embora role aquele antropomorfismo típico de desenhos Disney, a história é densa, fazendo uma excelente análise sobre o direito à liberdade: deve ele ser conquistado, merecido, ou pode ser obtido sem luta?
Bem notável também é que o autor deixa as conclusões a critério do leitor, evitando impor suas convicções políticas no texto — algo bem impressionante, sobretudo se levarmos em consideração que os personagens principais são uma alegoria da nuclear family americana e a trama se desenrola na capital do Iraque bem no meio da guerra.
Turma da Mônica: Laços
Mais do que uma história em quadrinhos, Laços é uma carta de amor aos personagens que fizeram — e continuam fazendo — parte da infância de inúmeros brasileiros.
Trata-se de uma reimaginação da Turma da Mônica feita pelo traço e roteiro dos irmãos Vitor e Lu Cafaggi, numa coleção que conta com outras pérolas de autoria de grandes quadrinistas brasileiros, como Chico Bento: Pavor Espaciar, Astronauta: Magnetar e Bidu: Caminhos.
Especificamente sobre Laços, é impressionante como os irmãos Cafaggi conseguiram trazer uma história envolvente e moderna, mas respeitando muito o material original e fazendo transpirar pelos olhos a criança dentro de nós.
É o tipo da revista que vale a pena ter e guardar. Não são poucas as gerações de brasileiros que foram praticamente alfabetizadas por Maurício de Sousa, então acho seguro afirmar que meus filhos também vão gostar da Turma da Mônica — e se emocionar com Laços.
O Melhor da Disney: As Obras Completas de Carl Barks
Ok, essa também é para os saudosistas: assim como a Turma da Mônica, os quadrinhos da Disney fizeram parte da infância de muita gente, tendo uma imensa participação no desenvolvimento do gosto pela leitura de incontáveis crianças mundo afora.
Levando isso em conta, muito me admira que algumas pessoas não conheçam o nome de Carl Barks, que é simplesmente um dos mais completos quadrinistas que já puseram letras em um balão — e quem está dizendo não sou eu, mas sim Will Eisner.
O trabalho de Carl Barks é tão fora da curva que ele se destacou em uma época na qual os roteiristas e desenhistas da Disney não eram devidamente creditados nas revistas. O simples fato de nós hoje conhecermos o seu nome atesta o quão genial era a mente que moldou a personalidade e o traço do Pato Donald moderno, além de ter criado personagens emblemáticos como os Irmãos Metralha, Professor Pardal, Maga Patalójika, Gastão e — acreditem — Tio Patinhas. Para falar a verdade, o clássico desenho dos Ducktales era praticamente todo baseado nas histórias dele.
Acha pouco? A influência de Barks na cultura pop é tão grande que uma das cenas mais clássicas do cinema — a bola de pedra rolando atrás de Indiana Jones na abertura de Caçadores da Arca Perdida — é uma homenagem a uma história escrita por ele… em 1954:
As Obras Completas de Carl Barks foram relançadas no Brasil entre 2004 e 2008 e são um pouco difíceis de encontrar hoje, mas com um pouco de sorte você pode achar em um sebo — vale a pena procurar
Valente
Mais uma de Vitor Cafaggi, Valente é simplesmente sensacional — e não estou dizendo isso porque meu cachorro foi batizado em homenagem a essa revista.
É simplesmente impossível não se identificar com esse cachorrinho tímido e simpático, com suas dificuldades amorosas e seu relacionamento com os amigos.
Curioso é que, num primeiro momento, eu acreditei egocentricamente que somente nerds do sexo masculino poderiam se identificar com os dramas do simpático cãozinho. Estava redondamente enganado: a história de Valente é universal o bastante para tocar pessoas de ambos os sexos e com variados históricos de vida. Uma pequena obra de arte que, infelizmente, ainda não é tão conhecida quanto deveria.
Order of the Stick
Peraí, vale webcomic? Meu amigo, aqui vigora a Lei de Gil, lógico que vale.
E, mesmo que não valesse, Order of the Stick merece a exceção. É uma obra que pode parecer simplória à primeira vista, mas você perderá muito se deixar se enganar só pelo traço (deliberadamente) rudimentar.
Order of the Stick é genuinamente engraçada, tem personagens muito bem desenvolvidos e, acima de tudo, é genial ao analisar a cultura pop e as tropes da ficção de um modo geral.
Mas a série é muito mais que isso. Rich Burlew é um roteirista de mão cheia, muitas das sementes plantadas no começo da história são colhidas anos depois, mostrando que ele realmente sabe o que está fazendo e para onde a história está indo (estou olhando para você, Damon Lindelof).
Dê uma chance e seja paciente com a história aparentemente genérica das primeiras páginas. Pode parecer inacreditável, mas bonequinhos-palito vão conseguir lhe emocionar.
Maus
Vamos começar por aquilo que todo mundo comenta quando o assunto é Maus: foi a primeira obra em quadrinhos a ganhar o prestigiado prêmio Pulitzer. Acho que todo mundo já ouviu falar no prêmio Pulitzer, né? Não preciso fazer aquelas comparações tipo “o Oscar de não sei o quê” ou “o Nobel de sei lá que diabo”.
De todo modo, esclareço: o Pulitzer é o Pulitzer do jornalismo, literatura e composições musicais.
Ok, mas por quê? O que faz essa revista ser tão laureada?
Em Maus, o autor Art Spiegelman nos traz a história semi-biográfica do seu pai, Vladek, que lhe conta em flashbacks como sobreviveu ao holocausto judeu na II Guerra Mundial.
São retratados, assim, dois momentos distintos: o passado, quando a obstinação, teimosia e obsessão de Vladek foram determinantes na sua sobrevivência em um dos momentos mais trágicos da história da humanidade, e o presente, no qual essas mesmas características dificultam seu relacionamento com a família.
Assim, Maus nos mostra um evento de imensas proporções para a história humana sob a lente do drama pessoal de um único sobrevivente e dos reflexos da sua experiência pretérita nos eventos do presente.
Mas o grande diferencial de Maus é a habilidade com que Spielgeman consegue usar a mídia dos quadrinhos, que tem lá suas características próprias e diferentes de outros tipos de arte. Assim, por exemplo, cada etnia/povo é retratado como um animal diferente, em uma metáfora que não apenas se presta a criticar o recorrente tema do racismo, como também, ironicamente, humaniza os personagens.
Maus é uma obra de arte na mais pura acepção da palavra, uma indicação que eu não hesito em fazer mesmo para quem não tem muita intimidade com a mídia em quadrinhos.
Walking Dead (Mortos Vivos)
Qualquer dia desses Walking Dead vai me custar uma amizade, porque eu simplesmente não consigo conhecer alguém que acompanha a série de TV sem passar horas enchendo seu saco, falando o quão melhor é a revista em quadrinhos.
Não me entendam mal: todo mundo tem direito de acompanhar e curtir o seriado, mas eu também tenho direito de achar que ele é meio que uma versão diet e sem glúten da HQ.
Na revista nós rapidamente aprendemos que o grande perigo são os seres humanos, capazes de perpetrar verdadeiras monstruosidades contra seu semelhante para garantir a própria sobrevivência. No seriado, parece que há uma cota obrigatória para aparição semanal dos zumbis (o sindicato deles deve ser bem atuante), pois a todo instante o expectador precisa ser lembrado que eles estão ali.
Na revista, Rick é um personagem complexo, cuja personalidade vai lentamente sendo transformada pela realidade pós-apocalíptica em que ele vive, frequentemente sendo obrigado a fazer escolhas moralmente questionáveis. Na série, todo o conflito interno do protagonista foi terceirizado para os coadjuvantes que fazem o papel de verdadeiros anjinhos e diabinhos sobre o ombro dele.
Na revista, há a real e palpável sensação de que ninguém está a salvo. Na série, índices de audiência e contratos com atores são os melhores antídotos contra qualquer morto vivo.
Se você curte o seriado mas nunca leu a revista, dê uma chance. Só alerto desde já que seu bolso vai sofrer, porque o autor Robert Kirkman já anunciou que, no que depender dele, Walking Dead continuará tendo novas edições até o fim dos seus dias.
grande Lionel, sempre com contribuições preciosas para este chiqueiro. sou fã de hqs, mas dedico mais tempo a filmes, livros e seriados. de qualquer forma, conheço algumas que considero obras primas, como a já citada Maus, mas também: Retalhos e Gen Pés Descalços. vou favoritar este post e ir atrás de algumas dessas hqs, pricipalmente Y e Valente.
s
Valeu, Knott. Com certeza vai ser preciso fazer uma continuação para essa lista, porque tem muita coisa boa que ficou de fora.
Não deixe de conferir Y e Valente, são realmente excepcionais.
Valente é coisa linda mesmo Knott. Também estou com Y para ler aqui e me interessei demais nessa Ordem dos Gravetos aí hehehe
Order of the Stick é fora de série — e, o melhor, gratuito.
Dessas já li Y: O Último Homem (facilmente minha favorita), A Liga dos Cavalheiros Extraordinários (uma história de “super”-grupo, sem as fantasias e máscaras), Os Leões de Bagdá (só tem um problema… é curta), Laços (linda mesmo… e tenho a impressão de que todas da Graphic MSP merecem serem lidas), MAUS (obra de arte) e Order of the Stick (que veio em termos de técnica e trama evoluído muito, mas está sofrendo um pouco pelo seu imenso tamanho, o que dá espaço para “fillers” e enrolação).
Recomendaria também
Fábulas (FABLES) da Vertigo e seus derivados,
Lobo Solitário (Lone Wolf and Cub),
300 de Esparta,
Camelot 3000,
Lúcifer (derivado de Sandman),
Ocean,
Pequenos Guardiões (Mouse Guard)
Mega Man da Archie Comics (apenas para fãs do jogo clássico do Nintendinho)
Lúcifer é fantástico. Fácil uma das melhores sagas do gênero de Dark Fantasy. Mas faremos mais listas assim.
Não tem jeito, vou ter que fazer uma parte 2 dessa lista, tem muita coisa boa por aí.
Realmente não conheço algumas que você citou e vou correr atrás, obrigado pelas dicas!