A Nostalgia Era Melhor Antigamente: Homem-Aranha – Herói Local
Seja bem vindo à coluna A Nostalgia era Melhor Antigamente, na qual eu covardemente analiso histórias escritas em outro contexto e aponto incongruências inaceitáveis em gibis sobre um sujeito com poderes de aranha que ganha a vida tirando selfies.
No episódio de hoje veremos que os jornais do Universo Marvel têm menos assunto que portais de fofoca, que o Homem-Aranha não leva suas responsabilidades muito a sério e aprenderemos o impacto que um uniforme ousado pode ter na carreira de um super-herói.
Herói Local
Roteiro: David Michelinie
Desenhos: Geof Ishewood
Arte-Final: Vince Colletta
Publicado no Brasil em O Homem-Aranha #89, editora Abril
Nossa história começa 36 anos no passado, quando Fred Hopkins, morador da pequena cidade de Smithville, desenvolve câncer, digo, superpoderes depois de tocar uma misteriosa rocha brilhante vinda do espaço.
Pouco depois de descobrir que tem superforça, nosso herói presencia um violento espancamento e faz o que qualquer outro faria em seu lugar: vai para casa praticar suas habilidades de corte e costura.
Quando a tinta finalmente seca e presumivelmente depois que os meliantes atacaram mais algumas pessoas, nosso herói finalmente se digna a agir, já adequadamente trajado — afinal, não há nada mais out do que combater o crime sem garbo, elegância e um shortinho gerassamba.
Encerrado o flashback, a história nos leva ao presente, quando podemos verificar que o Universo Marvel é bem carente de bons profissionais do jornalismo e provavelmente está a um passo de publicar histórias instigantes como “Chico Buarque compra baguetes para o lanche da tarde“: Robbie Robertson, editor-chefe do Clarim Diário, alega que não pode usar no jornal as fotos do Homem Aranha que Peter Parker pretende vender porque já tem muitas delas no arquivo.
Olha, eu sei que não sou jornalista, mas creio que não é bem assim que a coisa funciona. Quer dizer, se sai hoje a notícia “Miley Cyrus mostra calcinha ao sair do carro” não acho que o editor diria “ah, usa qualquer uma das fotos antigas nas quais ela pagou calcinha que dá no mesmo“.
Aliás, por que raios Robbie guarda “toneladas” de fotos já reveladas do Homem Aranha em sua sala, ainda mais considerando que seu arquivo só tem quatro gavetas? Tem que ver esse gerenciamento de espaço aí.
Bom, talvez o foco do jornal fosse bem voltado para super-heróis e agora as fotos novas não são mais úteis porque eles decidiram seguir uma linha diferente, cobrir outros assuntos.
…ou talvez não, já que Robbie resolve mandar Peter para Smithville investigar o herói local.
Mas que diabos?! Quer dizer que em um mundo com Hulk, Thor, Capitã Marvel e Garota Esquilo a notícia mais quente do momento é sobre um herói mequetrefe que está na ativa há trinta e seis anos em uma cidadezinha de 2.653 habitantes!? Será que a ideia do shortinho gerassamba por cima da calça é tão revolucionária assim?
De todo modo, nosso intrépido repórter viaja para o interior da Pensilvânia a fim de acompanhar o espantoso furo jornalístico do sujeito que há três décadas é um pouco mais forte e tem uma indumentária com um pouco menos de bom gosto que o ser humano médio.
Por uma notável coincidência, o ônibus chega à cidade no exato instante em que um incêndio está consumindo um prédio convenientemente perto da estação rodoviária.
Enquanto veste seu uniforme de Homem-Aranha, Peter ouve gritos de crianças dentro do prédio em chamas, ao mesmo tempo em que presencia a chegada do herói local, como sempre vestido com sua ousada vestimenta. Diante desse quadro, ele faz o que qualquer super-herói responsável e comprometido faria:
Absolutamente nada.
Ô sinhá misera, tem crianças em perigo! Você vai ficar só olhando simplesmente porque não é sua jurisdição? O sindicato de super-heróis por acaso proíbe que você atue em Smithville?! Vai lá ajudar, o tal Relâmpago claramente não sabe o que está fazendo, basta ver que ele usa shortinho gerassamba por cima da calça!
Felizmente, tudo dá certo. Carla Relamperez tira as crianças do tal prédio em chamas e nós temos uma amostra dos lendários reflexos do Homem-Aranha quando ele consegue dizer “eeeiiiii” antes de apanhar de um redneck local, que o confundiu com o Relâmpago de Smithville.
Passado o perigo, o Homem-Aranha lembra que é o protagonista da história e como tal deve fazer alguma coisa. Assim, ele decide ir atrás do tal Relâmpago, que saiu voando depois de ser ovacionado pelos populares.
Investigando o local de onde ele partiu, Peter Parker é abordado por mais uma grande jornalista do universo Marvel, que não acredita em livre concorrência.
De novo, sei que não sou jornalista, mas tenho cá minhas dúvidas se a profissão funciona nesse esquema gangster de “cai fora, esse é o meu território”. Como é isso? Ela fica num determinado bairro esperando a notícia acontecer, mas finge que não viu se algo inacreditável aconteceu no CEP vizinho?
Se bem que não dá para esperar muito profissionalismo de uma pessoa que em cinco minutos já está chamando de “gato” o colega de trabalho que ela quer que lhe ajude a arrumar um emprego.
Isso sem entrar no mérito do plano dela para arrumar o tal emprego. Aparentemente o Relâmpago parou de combater o crime, só aparecendo de vez em quando para ajudar em acidentes, e a matéria resultante daí seria suficiente para ganhar o pulitzer.
Então, recapitulando: em um mundo no qual pessoas voam, alienígenas trabalham para o governo e deuses literalmente andam na Terra, você pode ganhar o prêmio mais importante do jornalismo/literatura se escrever sobre o herói meia-boca de uma cidade do interior que depois de trinta e seis anos ficou meio cansado e diminuiu o ritmo.
Bem, às vezes menos é mais.
Surpreendentemente, Peter rejeita essa proposta tão promissora e decide investigar por conta própria, seguindo o sinal do rastreador que colocara no uniforme do Relâmpago mais cedo e chegando até a casa de Fred Hopkins, sua identidade secreta.
O susto é tão grande que em apenas três quadrinhos Fred aparentemente envelhece quarenta anos e perde 58% do cabelo, subindo pelo menos sete pontos na escala Patrick Stewart de calvície:
E então a verdade vem à tona: Fred Hopkins vem há anos forjando “acidentes” como o incêndio presenciado pelo Aranha mais cedo: na verdade não havia fogo, apenas algumas bombas de fumaça colocadas previamente para que ele pudesse bancar o herói.
A razão para isso é que Fred foi perdendo seus poderes ao longo dos anos, mas não queria largar a vida de herói. Assim, ele decidiu criar um exoesqueleto que simula superforça e botas que imitam voo para continuar sendo o Relâmpago, mas tinha medo de ser ridicularizado se o povo da cidade descobrisse a verdade.
Ou seja, ele é um gênio que consegue criar um exoesqueleto superforte com o orçamento de um funcionário de banco interiorano, mas tinha medo que a cidade dos bombeiros míopes e jornalistas mafiosos fizessem chacota dele por… ter envelhecido.
Então essa é a moral da história de hoje, crianças: se você é mais inteligente que as pessoas à sua volta, elas vão tentar te puxar para baixo e a melhor forma de combater isso é mentindo, forjando crimes e pondo crianças em perigo com bombas de fumaça.
Demorou mais saiu Lionel. O nosso universo quadrinista sempre ensinando que nada é impossível. EHEH.:P
Passei mal de rir com a parte em que ele envelhece 40 anos em 3 quadrinhos hahahah parabéns!
Tem uma da Mulher Maravilha que ela sai de fio dental para fralda em três quadrinhos também, tenho que lembrar qual é.
Fala Lionel, ótimo site e excelentes artigos aqui! Já curti, tô seguindo e já tá nos favoritos! Parabéns!
Valeu, Tibério! Puxa uma cadeira, fica à vontade.
Sou grande admirador do trabalho de vocês, é uma honra tê-lo aqui.
Minha coluna favorita!
:*
Se acharam tudo isso bizarro, precisam ver o desfecho final dessa historia.
Li essa HQ numa biblioteca e gostei muito dela e da mensagem passada.
Parabens pela postagem!!!