Crítica | Dungeons & Dragons: Honra entre Rebeldes

Crítica | Dungeons & Dragons: Honra entre Rebeldes

O anúncio oficial do filme “Dungeons & Dragons: Honra entre Rebeldes” deixou a comunidade de jogadores de RPG apreensiva, e não foi só pela péssima tradução do título (o correto seria “Honra entre ladrões”, que remeteria a uma expressão da língua inglesa. A inexplicável mudança tirou o sentido e não agregou nada). Os esforços anteriores em explorar o(s) universo(s) do RPG mais popular do mundo resultaram em falhas catastróficas. Por isso, é com algum alívio que venho escrever esse texto para informar aos jogadores que dessa vez a tentativa foi bem sucedida.

Talvez seja confuso para quem está tomando contato agora, mas Dungeons & Dragons (ou D&D para os íntimos) é o nome do sistema de regras (que já está em sua 5a edição e completa 50 anos em 2024) que conta com diversos “cenários de campanha” – universos fictícios em que as histórias acontecem. A ambientação escolhida para Honra entre Rebeldes é a dos Reinos Esquecidos (Forgotten Realms), lançada em 1987 e recordista de vendas desde então. Ou seja: embora tragam no nome a mesma “marca”, o novo filme não tem nenhuma relação com a naufragada trilogia anterior, que se passava em Greyhawk (primeiro cenário de D&D, lançado em 1980, de onde saiu o vilão Vecna, popularizado pela série Stranger Things).

A trama de “Honra entre Rebeldes” não é a coisa mais inovadora do mundo: reviravoltas acontecem reproduzindo o clima de aventura que a gente espera numa campanha de RPG. É engraçado como esse tipo de comentário vem sendo feito sobre diversos filmes recentemente – algumas vezes de forma positiva, outras nem tanto – mas é exatamente o que se espera dessa vez. E tudo funciona porque os personagens têm um atributo nem sempre valorizado nas mesas de jogo: carisma. A gente se importa com Edgin desde a primeira vez que ouve sua história, simpatiza com Holga e seu coração partido, é conquistado pela incompetência de Simon e vibra com os poderes de mudança de forma de Doric. No entanto, meu destaque fica por conta do paladino Xenk. Todo mundo sabe que personagens certinhos e perfeitos demais têm tudo para serem chatos… e ele é maravilhosamente chato! A interação entre o grupo é fluida, leve e divertida, contudo sem ser bobo – como geralmente acontece numa mesa de jogo entre amigos. Em alguns momentos até parecia que eu ouviria os dados sendo rolados.

Talvez o maior acerto do filme foi saber dosar as referências ao cenário de Faêrun. Não se engane, o filme tem praticamente um easter egg por minuto, mas os autores não se preocuparam em fazer o espectador não-jogador absorver 36 anos de novelas, videogames, quadrinhos e caixas de ambientação. O espectador não precisa saber que Nevenunca (Neverwinter) é a cidade que dá nome a um MMORPG, nem que Elminster aparece em dezenas de livros. Aliás, também não existe sequer uma preocupação em criar bases para um novo universo cinematográfico. A história basta em si mesma, e se render continuações, é lucro.

Tá certo, não foi um 20 natural: a produção não tinha tanta grana, o que fez alguns figurinos e personagens de espécies não-humanas ficarem estranhos (os Tabaxi pareciam gatões de pelúcia da Carreta Furacão e cada Draconato me dava um pouco de nervoso pela movimentação de animatrônico), mas em tempos de abuso de computação gráfica de gosto duvidoso, chega a ser ousado não ter vergonha desse tipo de efeitos especiais.

Esse ano completo 30 anos jogando RPG, e Dungeons & Dragons foi minha porta de entrada. É algo tão importante pra mim que trago na pele uma tatuagem relacionada ao jogo. “Dungeons & Dragons: Honra entre Rebeldes” foi um presente pra mim, e acende uma centelha de esperança de ver mais gerações se aventurando usando sua imaginação. 


Uma frase: “…todo mundo pensa que podemos resolver qualquer problema com magia. Existem limites! Este não é um conto de fadas Este é o mundo real!”

Uma cena: Doric e suas múltiplas formas animais fugindo dos vilões.

Uma curiosidade: O desenho animado Caverna do Dragão também é baseado no RPG Dungeons & Dragons (que inclusive é seu título original). Embora nunca tenha ficado claro em qual cenário os pupilos do Mestre dos Magos estão, a presença nos trailers de personagens vestidos como o grupo dá a dica de que eles estão no mesmo universo do filme. No entanto, no jogo eletrônico Baldur´s Gate 2 é dito que os garotos haviam sido mortos e devorados pela Deusa-Dragão Tiamat. Seriam Hank, Sheila, Bobby, Eric, Presto & Diana que estavam na arena ou eram impostores?


Dungeos & Dragons: Honra entre rebeldes (Dungeons & Dragons: Honor among thieves)

Direção: John Francis Daley e Jonathan Goldstein
Roteiro: John Francis Daley, Jonathan Goldstein e Michael Gilio
Elenco: Chris Pine, Michelle Rodriguez, Hugh Grant, Regé-Jean Page, Justice Smith, Sophia Lillis, Chloe Coleman e Daisy Head
Gênero: Fantasia, aventura
Ano: 2023
Duração: 134 minutos

Rafael Saldanha

Um ranzinza leitão especializado em música, mas que também dá pitacos sobre cinema, quadrinhos e literatura.

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