Crítica | Quo vadis, Aida? (2020)

Crítica | Quo vadis, Aida? (2020)

A expressão em latim presente no título do filme vem de uma passagem bíblica onde Pedro, fugindo da morte pelos romanos, encontra o fantasma de Jesus que lhe dá a sabedoria necessária. Pedro pergunta a Cristo “Aonde vais?”, a resposta do cordeiro de Deus é “Vou a Roma, ser crucificado de novo”. Isso dá a Pedro a coragem de terminar seu trabalho na terra. O título é irônico por ser uma parábola cristã e cruel ao direcionar a pergunta à protagonista.

A roteirista e diretora Jasmila Zbanic coloca o espectador ao lado de Aida (Jasna Duricic, brilhante), uma tradutora que auxilia nas conversas entre as lideranças bósnias locais e os militares holandeses que chefiavam a missão de paz das Nações Unidas. Aida era professora, casada e mãe de dois jovens rapazes, e aqui é importante ter em mente algo que o filme alerta nos créditos iniciais: o filme é baseado em relatos, alguns personagens foram criados pelo bem da narrativa, mas o que você verá aconteceu. 

A história contada se passa na pequena cidade de Srebrenica, em 1995, quando as tropas nacionalistas sérvias acirram a perseguição aos bósnios muçulmanos no extremo oriente do que era a Iugoslávia, após mais de 3 anos de guerra. Aos poucos o roteiro mostra a estratégia brutal de apagamento étnico tocado pelo General Ratko Mladic (Boris Isakovic), que em cena é sempre tão cínico e canalha quanto um genocida vestido de “verde camuflagem” e ‘chegado’ às câmeras pode ser. Aida logo entende para onde tudo se encaminha e faz o que pode para proteger a sua família tentando não perder a calma e nem as esperanças de sobrevivência diante da tragédia que lhe é prometida. Ela é quem primeiro entende que os holandeses não passariam de meros espantalhos. 

O filme não choca por cenas de violência muito explícitas, mas sim pelas conclusões que tira do seu espectador a fim de entender o horror de uma guerra que têm civis como alvos – muitos destes colegas de infância de seus algozes. A inação que esvazia o conceito dos capacetes azuis deixa tudo ainda mais amargo. A construção da narrativa leva a um final desolador, daqueles que certamente deixam um longo e pesado silêncio nas salas de cinema. 

O elenco é ótimo, com uma menção honrosa ao Coronel Karremans (Johan Heldenbergh) e há cenas muito bonitas, como a que Aida sonha para fugir da realidade, que aparenta ser uma referência ao episódio real da “Miss Sarajevo”. Neste sonho, a alegria e a festa não conseguem disfarçar o pavor de pessoas que são expulsas de suas terras e acuadas para o massacre – a crueldade no tom da pergunta do título.

Trata-se de uma obra muito bem executada, sem tirar nem pôr. Uma produção que traz profundidade ao debate sobre a palavra genocídio, muito atual à nossa realidade. Quase que didático a respeito deste terrível evento histórico, Quo vadis, Aida?” é um grande drama de guerra sob a ótica feminina.


Uma frase: Chamila para Mladic “Eu fui colega de escola do seu companheiro aqui. Não imaginava que as coisas chegariam a este estado.

Uma cena: todo o arco final.

Uma curiosidade: Sobre o tema recomendo a graphic novel “Área de segurança Gorazde”, de Joe Sacco. Saiu aqui no Brasil em 2005 pela Conrad.


Este texto foi escrito por Nestor Sobrinho
Tenho opinião demais pro meu gosto.


Quo vadis, Aida?

Direção: Jasmila Zbanic
Roteiro: Jasmila Zbanic
Elenco: Jasna Djuricic, Izudin Bajrovic, Boris Ler, Dino Bajrovic, Johan Heldenbergh, Raymond Thiry, Boris Isakovic, Emir Hadizahfizbegovic, Reinout Bussemaker e Teun Luijkx.
Gênero: Drama, Guerra.
Ano: 2020/2021
Duração: 1h 41min

Convidado Especial

Perfil coletivo ou anônimo para ser utilizado por um suíno especial que queira escrever aqui em nosso chafurdeiro! Quer ter um artigo seu também aqui na POCILGA? Entre em contato, mas lembre-se, quem com porcos se mistura...

Um comentário em “Crítica | Quo vadis, Aida? (2020)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *