Review | Watchmen S01E06 – This Extraordinary Being

Review | Watchmen S01E06 – This Extraordinary Being

Com o sexto episódio de Watchmen, alguns antigos mistérios são resolvidos, e tantos outros são apresentados.

Em “This extraordinary being“, embarcamos, literalmente, em uma jornada pelas sendas da memória. Mais do que a memória de uma pessoa, é também a memória de uma nação. Uma na qual, certos “pecados” são tolerados de um herói, mas jamais um que envolva o tom da sua pele.

[button-red url=”#” target=”_self” position=””]Aviso de SPOILERS[/button-red]

Os comentários a seguir falam sobre acontecimentos narrados em This Extraordinary Being, o sexto episódio da primeira temporada de Watchmen.

S01E06 – This Extraordinary Being

Algumas pessoas (oi, Lionel) precisam perdoar os amigos mais afoitos (como eu) por certos, bem, chamemos de “comentários inoportunos no meio da noite“, mas o último episódio de Watchmen veio cheio de revelações. Mas enfim, o que eu posso dizer: eu estava certo. E é difícil falar desse episódio sem fazer uma espécie de mini-recap (não mini-review!) do mesmo. É algo que evito fazer, normalmente (recaps, não dar spoiler desavisado para os amigos), mas dada a natureza do episódio, vou me dar ao luxo de recorrer a esse expediente. 

No último episódio vimos que Angela Abar, a Irmã Noite (Regina King) engoliu o frasco inteiro das pílulas de Nostalgia de seu recém-descoberto avô, Will Reeves (Louis Gossett Jr.). Nostalgia é uma droga que, literalmente, coloca as memórias de alguém em pílulas e foi criada para auxiliar idosos no tratamento de demência. Feita sob medida para o DNA de cada usuário, os resultados do consumo da mesma por pessoas com DNA diferente podem variar desde intensas alucinações até graves casos de permanente psicose. A proximidade genética entre Angela e Will, porém, talvez seja a única coisa que a impeça de enlouquecer por completo. E assim, através desse recurso narrativo, o roteiro de Lindelof nos coloca em um flashback engenhoso que nos revelará um importante ponto da narrativa da trama e, também, de todo o universo de Watchmen.

Quem estava atento às pistas, já suspeitava de que a verdadeira identidade do Justiça Encapuzada (Hooded Justice) era Will Reeves. Desde o princípio Watchmen se propôs a expor a ferida da situação racial do negro nos EUA, tomando como tópico da discussão, dentre outros, o apagamento (e por vezes branqueamento) da história negra no país. Foi assim com o massacre de Tulsa, mostrado, de forma emblemática, no primeiro episódio da série. É assim, na interpretação de Lindelof do universo de Watchmen, que se deu com Will Reeves. O primeiro grande vigilante mascarado dos EUA, aquele que inspirou todos os demais e deu início a uma era de heróis mascarados no mundo – efetivamente, o Super-Homem desse mundo, como, inclusive, a série referencia nesse episódio e no primeiro -, não poderia assumir sua identidade negra nem mesmo para seus aliados.

This extraordinary being” – uma referência à música da cantora negra Emeli Sandé que serve como um dos temas do episódio – traz um roteiro coeso, que se vale com bastante sucesso de diversos foreshadowings apresentados desde o primeiro episódio da série. Trata-se de uma culminância narrativa que, ao mesmo tempo que funciona como uma reviravolta da trama, não soa estranha ou inverossímil graças a ótima preparação costurada por Lindelof e sua equipe de roteiristas. As críticas recorrentes formuladas pelo Agente Petey acerca da falta de acuidade histórica na série “documental” que promete revelar a verdadeira história dos heróis mascarados, e a informação dada por Laurie Blake de que Will Reeves teria sido policial em Nova York entre as décadas de 40 e 50 – justamente o período de atuação do Justiça Encapuzada – já eram pistas importantes. Mas a primeira cena da série, na qual vemos o pequeno Will Reevea assistindo ao filme do justiceiro Bass Reeves, um xerife negro, que cavalga perseguindo um homem branco, com um capuz negro sobre a cabeça, para em seguida laçar o criminoso pelo pescoço e impedir uma multidão de fazer um linchamento, já serve como a preparação mais adequada. Há algo de deliciosamente sarcástico e atrevido em colocar um homem negro, usando os símbolos dos linchadores que massacraram milhares de negros na história sangrenta do racismo dos EUA, porém se negando a fazer um linchamento contra aqueles que não hesitariam em linchá-lo. Lindelof sabe disso, e faz questão de esfregar isso na cara da audiência estadunidense. Nada mais apropriado e necessário nos dias de hoje.

O episódio ainda se supera nos quesitos técnicos e nas atuações. O design de produção, e as transições executadas para reforçar o tom onírico e contínuo imitam uma sutileza quase que hitchcockiana. A trilha sonora inspirada, e a mixagem de som, funcionam como um subtexto. Ao longo da quase uma hora de exibição, nos vemos imersos naquele mundo de memórias com uma clareza quase que hipnótica. Sem dúvida algo digno do status de arte, e que causaria inveja a muito material cinematográfico. Ao lado de Regina King, o jovem e talentoso ator Jovan Adepo (que trabalhou com Lindelof em The Leftovers), carrega a história nas costas, e não há um momento sequer que não embarquemos em sua dolorosa jornada.

Dois últimos pontos: “This extraordinary being” é o primeiro episódio no qual não vemos a narrativa de Ozymandias marcar a transição entre o segundo e o terceiro ato. Considerando a dinâmica do episódio, faz todo o sentido. Por fim, o episódio serve ainda para explicar um pouco melhor a morte e as alianças do chefe Judd Crawford (Don Johnson), aproveitando para ampliar ainda mais o escopo da trama revelando que a Sétima Kavalaria é apenas a ponta de algo muito maior: a Ordem do Ciclope, uma poderosa organização secreta supremacistas branca que na época do Justiça Encapuzada atuou através da Ku Klux Klan e teve homens poderosos, como o senador John Keane Sr. – o responsável por criar a lei que proibiu a ação dos heróis mascarados nos EUA – entre seus nomes mais proeminentes, tendo sido, inclusive, responsável por arregimentar o jovem Judd Crawford para os quadros da ordem, o presenteando com o quadro que dá nome ao segundo episódio da série (gente, não deixem de conferir a Peteypedial!). A medida que certas pontas se amarram, enfim, mais informações são dadas e novos mistérios se estabelecem. Até onde vai o poder e influência da Ordem do Ciclope? E como isso se relaciona com o plano de Reeves e Lady Trieu, em 2019, para salvar a humanidade? 

Trata-se, sem dúvida, de uma das melhores horas de entretenimento dos últimos anos. Watchmen, de Lindelof, era aguardada com muita recursiva l expectativa e apreensão, principalmente pelos fãs da obra original de Alan Moore e Dave Gibbons como eu. Como um bom contador de histórias, Lindelof demonstrou domínio do sentido e estrutura narrativa do texto original e, com esse episódio, confirmou todo seu talento e habilidade. A série de TV de Watchmen, superou todas as expectativas e já se apresenta como uma obra de arte que sustenta em pé de igualdade ao lado do material original. Uma tarefa, com certeza, super-heroica.



Série: Watchmen
Temporada:
Episódio: 06
Título: This extraordinary being
Roteiro: Damon Lindelof e Cord Jeferson
Direção: Stephen Williams
Elenco: Regina King, Don Johnson, Tim Blake Nelson, Yahya Abdul-Mateen II, Andrew Howard, Jacob Ming-Trent, Tom Mison, Sara Vickers, Dylan Schombing, Louis Gossett Jr., Jeremy Irons, Jean Smart, Adelaide Clemens, Hong Chau e James Wolk

Mário Bastos

Quadrinista e escritor frustrado (como vocês bem sabem esses são os "melhores" críticos). Amante de histórias de ficção histórica, ficção científica e fantasia, gostaria de escrever como Neil Gaiman, Grant Morrison, Bernard Cornwell ou Alan Moore, mas tudo que consegue fazer mesmo é mestrar RPG para seus amigos nerds há mais de vinte anos. Nas horas vagas é filósofo e professor.

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