Crítica | Cadê Você, Bernadette?

Crítica | Cadê Você, Bernadette?

Quem nunca sentiu vontade de simplesmente abandonar tudo e desaparecer em busca de se reencontrar, que atire a primeira pedra. No filme Cadê você, Bernadette? esse sentimento de busca e descoberta é apresentado pelo diretor Richard Linklater através da atuação memorável da ganhadora do Oscar Cate Blanchett, de forma leve, divertida e cheia de reflexões.

Cate trás para as telonas uma mulher interessante e excêntrica. A primeira vista já vemos sinais de que essa mulher carrega as responsabilidades de um casamento e de uma maternidade que lhe consome todo o tempo e dedicação possível. Nada diferente da maioria das mulheres hoje em dia. No entanto, o que chama atenção aqui, que se vai revelando ao longo do filme, é que Bernadette tem um passado de enorme sucesso tendo sido uma arquiteta renomada mundialmente, mas o que mudou? E porque então a família vive em uma casa totalmente abandonada estrutural e esteticamente?

Segundo Cate Blanchett em entrevista ao Entertainment Weekly, “Muitas mulheres vão se identificar com a Bernadette, ela é uma pessoa que foi devorada pelo fracasso e acabou abrindo mão da sua identidade para se dedicar à educação dos filhos”. O que fazer então quando atingimos nosso ponto máximo e queremos encontrar sentido em nossas vidas? Fugir!… Essa é a atitude dela que desenrola outras diversas situações durante o filme. Aliás, essa sensação de busca e de contemplação de algo maior e mais significativo também são marcas do diretor, conhecido também pela trilogia de Antes do Amanhecer, e que em “Cadê você, Bernadette” deixa sua marca bem evidente.

A representatividade da personagem no cenário atual é algo muito empático para as mulheres que assistem o filme. A obra tecnicamente é boa e trás bonitas cenas, os planos detalhe e expressões conseguem descrever facilmente o sentimento daquele momento, o que exclui a necessidade de diálogos expositivos. A atuação da maioria dos personagens é agradável, só deixando um pouco a desejar a atuação de Billy Crudup, que não consegue convencer como marido preocupado e altruísta. O papel da filha Bee fica por conta da jovem Emma Nelson (em seu primeiro longa metragem) que encanta e faz seu papel com qualidade e veracidade, e mostra com destreza o tamanho do amor que há nessa relação mãe – filha.

Questões como saúde mental e realização profissional estão intimamente ligadas nos tempos atuais e o filme trás para a trama essa discussão de forma intensa porém delicada e com tons de comédia. A obra não está preocupada em discutir qual o diagnóstico de Bernadette ou como tratá-la, e sim mostrar que essa realidade é muito comum e que o gatilho para esses problemas pode estar em relações afetivas que nos oprimem e não incentivam, a falta de conexão com nós mesmos ou quando anulamos e abdicamos nossa vida pessoal em pró de outras pessoas, ainda (e principalmente) que essas pessoas sejam a própria família.

A busca da protagonista nos faz lembrar rapidamente de “Comer, Rezar, Amar“, porém com transições mais rápidas, sem envolver religião e com um toque de modernidade e comédia no ponto certo. A procura por um segundo grande ato em sua vida é algo bastante perseguido por muitas pessoas. O que faria nossas vidas valerem a pena, além de tudo que já conquistamos? Uma grande personalidade não se pode ser anulada e no filme a transição entre a mãe e a profissional é mostrada de forma positiva, não caricata e sem julgamentos. Ponto positivo, uma vez que ainda hoje mulheres sofrem julgamentos ao buscar canalizar suas energias nas conquistas profissionais.

Em uma vida de obrigações é muito fácil que alguém se esqueça de quem é e acabe vivendo no piloto automático. O filme Cadê você, Bernadette? mostra as dificuldades para uma mulher se reencontrar dentro de mil papéis que hoje em dia tem que exercer. A qualidade técnica é boa, porém o destaque maior fica para as atuações de mãe e filha que garantem a empatia e emoção durante a trama. Mas além disso, pontos à mensagem final que consegue ser eficiente sem apelar para o melodrama comum a tantos filmes do gênero.

E você, qual é seu grande segundo ato?


Uma frase: “Pessoas como você devem criar. Foi para isso que você foi trazido a este mundo, Bernadette. Se não, você se torna uma ameaça para a sociedade.”

Uma cena: A cena entre mãe e filha dentro do carro cantando.

Uma curiosidade: Em um ponto durante as filmagens, a produção iria recorrer à tela verde para algumas cenas do ártico, mas Cate Blanchett insistiu na autenticidade e a produção mudou-se para a Groenlândia.


Cadê Você, Bernadette? (Where’d You Go, Bernadette?)

Direção: Richard Linklater
Roteiro:
Richard Linklater, Holly Gent e Vince Palmo
Elenco: Cate Blanchett, Billy Crudup, Judy Greer , Kristen Wiig, Troian Bellisario, Laurence Fishburne, Kathryn Feeney e Jóhannes Haukur
Gênero: Comédia, Drama
Ano: 2019
Duração: 109 minutos

Tássya Macedo Queiroz

Uma porquinha radioativa mestre em energia nuclear na Rússia, que adora química, Harry Potter e Minions, além de amar escrever, se arriscando como crítica de cinema após um tempo se dedicando como band aid de um certo porcolunista da POCILGA.

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