Review | Watchmen S01E02 – Martial Feats of Comanche Horsemanship

Review | Watchmen S01E02 – Martial Feats of Comanche Horsemanship

Nos EUA, todo “bom” homem branco, sempre terá seus “esqueletos no armário”.

No segundo episódio da série de TV da HBO, que tem a audaciosa pretensão de adaptar uma das mais importantes obras da literatura contemporânea, a trama de mistério se desenrola de forma envolvente e consistente. Watchmen é um trabalho que deve agradar as mais diversas audiências pois, como sua fonte de inspiração, opera em diversos níveis.

Aqueles interessados em uma boa trama policial de mistério, se sentirão inescapavelmente enredados pela narrativa noir que envolve a (pun intended) Irmã Noite. Aqueles interessados em criação de universos não deixarão de se fascinar pelos detalhes do riquíssimo mundo alternativo desenvolvido por Damon Lindelof a partir da obra original. Aqueles interessados em aspectos técnicos da produção irão se deliciar com mais uma ótima execução da diretora Nicole Kassel, com envolventes montagem, trilha sonora e atuações, particularmente de Regina King e Louis Gossett Jr. (que demonstra que ainda está em plena forma apesar de seus 83 anos). E aqueles interessados em uma boa crítica política e social, também ficarão satisfeitos. Por fim, aos bons e velhos comunistas como eu, fica o raro prazer de ver um personagem assumidamente comunista, integrando uma força policial estadunidense, e tomando para si a deliciosa alcunha de “Red Scare”.

Assim, de uma maneira muito própria a série de TV de Watchmen é mais similar aos quadrinhos de Alan Moore e Dave Gibbons do que se poderia esperar. Lindelof parece estar disposto a reproduzir a estrutura narrativa da obra original: uma trama noir de investigação que começa com um assassinato de uma importante figura, para revelar mais e mais camadas de algo muito mais sinistro do inicialmente poderíamos imaginar. E sob essas camadas de estrutura narrativa que servem ao propósito de conduzir a narrativa mais evidente, inúmeras camadas de subtexto que mobilizam o necessário discurso político e histórico que pretende discutir o contexto da formação dos EUA.

[button-red url=”#” target=”_self” position=””]Aviso de SPOILERS[/button-red]

Os comentários a seguir falam sobre acontecimentos narrados em Martial Feats of Comanche Horsemanship, o segundo episódio da primeira temporada de Watchmen.

#Watchmen (S01E02) – Martial Feats of Comanche Horsemanship

Martial Feats of Comanche Horsemanship” traz ainda novas informações acerca de nosso misterioso personagem interpretado por Jeremy Irons. Aparentemente estamos mesmo diante de Adrian Veidt (vulgo Ozymandias, cavalgando em um corcel de sugestivo nome “Bucéfalo”) que se isolou do mundo e agora vive com sua fortuna cercado apenas de clones criados para satisfazer seus caprichos. Os clones reencenam (ao que tudo indica, quase que diariamente) o acidente que transformou Jon Osterman no Dr. Manhattan, com dolorosas e cruéis consequências para pelo menos um deles. O personagem serve para ampliar o escopo da narrativa e nos preparar para, posteriormente, ao sermos confrontados com a amplitude da conspiração sugerida por Will Reeves, não sermos tomados por um excessivo estranhamento.

Vemos ainda a sutil introdução de outros personagens que, ao que tudo indica, se tornarão instrumentais na trama. O jovem senador Joe Keane (filho do político responsável, na série original, por criar a lei que proibiu os mascarados de agirem), adversário político do presidente Robert Redford e provável pleiteante à novo residente da Casa Branca, é apresentado com laços com Judd Crawford. Mas temos também a sugestão da personagem da atriz Hong Chau (Lady Trieu, numa referência direta a uma personagem histórica do Vietnã) que promete ser tão importante na ampliação do escopo da trama quanto o personagem de Jeremy Irons.

Trata-se, assim, de mais um episódio de desenvolvimento. Muito bem desenvolvido, mas que deixa evidente que é preciso aguardar ainda um pouco mais para nos deliciarmos com o que está por vir. Não há dúvidas, porém, que é na simbologia política que reside a maior força da mensagem de Watchmen.

O segundo episódio de Watchmen retira, afinal, seu título de uma famosa pintura de George Catlin, artista estadunidense famoso por ilustrar os povos originários da América do Norte, antes de ser invadida pelos brancos. O quadro decora a casa do falecido chefe Judd Crawford (Don Johnson) e nos lembra, a medida que certos “esqueletos no armário” são revelados, que mesmo a aparente admiração do homem branco pelos povos que oprime não passa de uma cínica máscara paternalista que serve à uma palatável manutenção das relações de dominação e exploração que constituem os EUA, bem como todo o mundo ocidental capitalista.

Em mais uma bela lição de história, graciosamente integrada à narrativa principal, Lindelof reforça esse contraste ao nos contar, no início do episódio, um pouco mais da dinastia de Will Reeves (Louis Gossett Jr.) e, logo descobrimos, também de Angela Abar (Regina King). Em uma daquelas constrangedoras ironias históricas, Lindelof nos lembra de como, durante a I Guerra Mundial, as tropas alemãs divulgavam propaganda direcionada aos soldados negros das tropas estadunidenses que ainda sofriam com o racismo e a segregação, buscando sublinhar a contradição da “democracia” dos EUA pela qual eles se sacrificavam.

Aparentemente o pai do pequeno Will Reeves (que vimos ser massacrado juntamente com sua esposa no massacre de Tulsa, no primeiro episódio) se convenceu da contradição de servir a um país que sempre o tratou como cidadão de segunda categoria e retornou ao país para cuidar de sua família trabalhando pela sua própria prosperidade. Infelizmente, como já sabemos, essa prosperidade logo atrai os olhares intolerantes do racismo. Em um reforço de um já importante elemento simbólico da trama, descobrimos que o bilhete, redigido por seus pais, que Will Reeves (hoje com 105 anos) ainda carrega consigo foi escrito no verso daquele panfleto que seu pai trouxe de volta da I Guerra Mundial. Será essa, aparentemente, sua herança para sua neta, a detetive Irmã Noite: um testamento de despertar para as mais profundas complexidades das relações raciais e de poder nos EUA e no mundo.



Série: Watchmen
Temporada:
Episódio: 02
Título: Martial Feats of Comanche Horsemanship
Roteiro: Damon Lindelof e Nick Cuse
Direção: Nicole Kassell
Elenco: Regina King, Don Johnson, Tim Blake Nelson, Yahya Abdul-Mateen II, Andrew Howard, Jacob Ming-Trent, Tom Mison, Sara Vickers, Dylan Schombing, Louis Gossett Jr., Jeremy Irons, Jean Smart, Adelaide Clemens, Hong Chau e James Wolk

Mário Bastos

Quadrinista e escritor frustrado (como vocês bem sabem esses são os "melhores" críticos). Amante de histórias de ficção histórica, ficção científica e fantasia, gostaria de escrever como Neil Gaiman, Grant Morrison, Bernard Cornwell ou Alan Moore, mas tudo que consegue fazer mesmo é mestrar RPG para seus amigos nerds há mais de vinte anos. Nas horas vagas é filósofo e professor.

Um comentário em “Review | Watchmen S01E02 – Martial Feats of Comanche Horsemanship

  1. Eu também fiquei impressionado com o trabalho realizado na Montagem desse episódio. Vi na sequência do primeiro e acabou que continuei com a euforia inicial e achei este também excelente.

    ‘Lindolof’ on fire, mostrando para todos como se pode adaptar uma obra, atualizando-a, sem tirar o contexto da original

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