Crítica | Mãe Só Há Uma (2016)
A diretora e roteirista Anna Muylaert continua com uma temática parecida com a de seu trabalho anterior em “Que Horas Ela Volta?”: a relação entre mães e filhos. Em “Mãe Só Há Uma”, o foco é o personagem Pierre (Naomi Nero). Ele descobre que sua mãe o roubou na maternidade. Já adolescente, ele está em uma fase de descobertas, principalmente no que diz respeito à sexualidade. Pierre gosta de usar peças de roupas femininas, maquiagem e curte tanto meninas quanto meninos. Como se já não bastasse toda essa confusão mental, a descoberta do crime cometido pela mãe bagunça ainda mais a cabeça do rapaz.
Muylaert aborda temas delicados. O principal, claro, é a descoberta do roubo na maternidade. Para ele, a mãe que o criou será sempre sua mãe “verdadeira”. A carga dramática do longa metragem vem da tentativa de adaptação do jovem à família biológica, bem como a tentativa de lidar com a própria sexualidade. Isso seria o suficiente para a criação de um ótimo filme. Entretanto, a diretora não consegue aproveitar todo o potencial da trama.
O longa usa muitos planos fechados com close nos atores. A ideia é criar uma atmosfera intimista, com foco nos detalhes. Esse recurso funciona bem por boa parte do tempo. A apresentação do protagonista é promissora e mostra um pouco da complexidade do personagem. Um bom exemplo é a cena em que Pierre, em frente ao espelho, se admira, passa batom e se fotografa enquanto usa calcinha. Porém, Naomi Nero ainda precisa amadurecer como ator. A atuação irregular e alternada entre silêncio e momentos raivosos nem sempre consegue comover o espectador.
Utilizando câmera na mão, a fotografia dá um tom documental e realista à trama. Os momentos mais constrangedores são muito bem captados, como por exemplo, quando Pierre vai morar com a família biológica e é apresentado aos parentes. Essas cenas são prolongadas para aumentar a sensação de desconforto.
A diretora aposta em algo ousado: utilizar a mesma atriz para interpretar a mulher que roubou o bebê na maternidade e a mãe biológica do personagem. Daniela Nefussi faz um ótimo trabalho, embora o filme não aborde as motivações que levaram a personagem a cometer tal crime. Mas, ao usar esse recurso Muylaert tenta passar a mensagem subliminar de que, talvez, as mães sejam uma mesma pessoa e apenas representem fases diferentes da visão de Pierre em relação à própria mãe. O roubo da maternidade e a mudança para o âmbito da família biológica podem ser, nesse caso, uma metáfora que simboliza toda a mudança que está acontecendo com o protagonista.
O grande problema do filme é o estabelecimento de muitas opções para o desenrolar da história, porém, sem explorar nenhuma delas profundamente. A sexualidade do protagonista torna-se o tema principal da trama e o final decepciona ao deixar muitas “pontas soltas”, sem um desfecho satisfatório. O longa consegue mostrar a situação delicada pela qual Pierre passa e faz isso sem criar melodramas e maniqueísmos. Se os temas abordados tivessem sido melhor explorados, sem dúvidas, o resultado teria sido ótimo, tal qual em “Que horas ela volta”. Ainda assim, o filme conta com bons momentos, convence e comove.
* Texto revisado por Elaine Andrade
Uma frase: Pierre – “Você quer o quê? Que eu seja o que eu não sou, porra?”.
Uma cena: A família indo jogar boliche.
Uma curiosidade: O Filme de Anna Muylaert foi exibido no Festival de Berlim em Fevereiro de 2016.
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Mãe Só Há Uma
Direção: Anna Muylaert
Roteiro: Anna Muylaert
Elenco: Naomi Nero, Daniela Nefussi, Lais Dias, Daniel Botelho, Luciana Paes, Luciano Bortoluzzi, Helena Albergaria e Matheus Nachtergaele
Gênero: Drama
Ano: 2016
Duração: 82 minutos
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