Review | Arquivo X – O Retorno

Review | Arquivo X – O Retorno

A Verdade ainda está lá fora…

No início da década de 90 uma série surgiu na TV aberta estadunidense e inesperadamente tomou a todos de assalto. Em pouco tempo, numa época em que as produções televisivas em nada se assemelhavam às que temos o prazer e experimentar hoje, Arquivo X se tornou um fenômeno cult e de crítica.

X-Files-011Logo em seguida também se estabeleceu como um fenômeno também de audiência e, por tudo isso e mais um pouco, uma das pedras angulares da cultura Pop. A própria concepção de produção de TV não seria a mesma não fosse a contribuição de Arquivo X. Arquivo X, numa comparação larga, foi o Game of Thrones de seu tempo, numa época na qual a internet ainda engatinhava mal e porcamente. Unir milhares de fãs por todo o mundo acompanhando obcecadamente episódio por episódio e em seguida debater acaloradamente as mais diversas teorias, você pode imaginar, não era para qualquer um.

Após longos anos Arquivo X retornou à TV aberta, no canal Fox, que sempre fora sua casa de origem, para uma décima temporada, 14 anos após sua nona temporada se encerrar. A série retornou no domingo dia 24 de Janeiro na Fox dos EUA e, em mais uma louvável iniciativa do canal no país, já teve o primeiro episódio veiculado pela Fox brasileira com legendas nas últimas horas do dia 25 de Janeiro, com legendas, e dublado no dia seguinte.

O objetivo desse texto não é traçar um review detalhado – tampouco iniciar uma série de reviews sobre essa nova temporada – do primeiro episódio da décima temporada de Arquivo X. Na verdade o que se busca aqui é compartilhar algumas impressões e sensações daquilo que Arquivo X representou no passado e, tendo isso em mente, daquilo que a décima temporada pode vir a representar.

X-Files-012Na primeira parte farei um breve apanhado sobre a série; recurso que é, inclusive, repetido logo nos primeiros segundos desse episódio. É assim, portanto, uma forma de desenvolver um pouco mais os elementos ali expostos, tentando, despretensiosamente, ampliar o escopo daquilo ali apresentado para fãs, tanto antigos quanto novos. Importante para que essa nova incursão no universo criado por Chirs Carter seja melhor aproveitada.

Na segunda parte tratarei das impressões acerca, especificamente, desse primeiro episódio bem como dos caminhos que a a temporada e a série como um todo podem vir a tomar. Assim, caso você já seja fã e conheça aquilo que lhe espera, pode dispensar a primeira parte desse texto e partir logo para a segunda parte.


1. Os segredos de um fenômeno da cultura pop 

A série apresentava a busca obcecada do paranoico e controverso agente do FBI Fox “Spooky” Mulder (David Duchovny). Mulder era um homem com uma cruzada: sua irmã, Samantha, Mulder acreditava, havia sido abduzida por criaturas alienígenas quando eram ainda crianças e ele faria de tudo para encontrá-la e no processo, provar ao mundo que o governo mantinha uma enorme conspiração para ocultar a presença de vida extraterrena inteligente já há muito tempo interferindo com a vida no planeta Terra. Em suma, nada diferente do estereótipo de qualquer louco paranóico crente em conspirações que costumamos encontrar por aí.

X-Files-007Mas Mulder não era um maluquinho qualquer. Obstinado e motivado pela busca pro Samantha, Mulder estudou com seriedade fenômenos paranormais e havia conseguido uma formação em Psicologia, sendo um excelente profiler de assassinos e tendo angariado certa reputação no FBI. Sendo um dos grandes agentes da casa, aparentemente o FBI não poderia simplesmente ignorar sua determinação. Mulder sabia o que queria, e enfim sua obsessão o levou a encontrar os famigerados Arquivos X do FBI, que dão nome à série (The X-Files, no original).

Os Arquivos X eram casos que haviam sido encerrados sem solução por não possuírem qualquer explicação aparente. Muitos deles, Mulder acreditava, escondiam evidências de presença de seres alienígenas na Terra. E assim o Spooky (que traduziram algumas vezes como “Assustador”, pelas suas predileções pelo inexplicável) se tornou o principal – e por muito tempo, único – agente de uma divisão especial do FBI chamada de Arquivo X, voltada a explorar soluções para casos aparentemente inexplicáveis.

Mas Mulder não ficou muito tempo sozinho. Para o FBI, evidentemente, ter um agente especial que dizia por aí que caçava alienígenas e afins era motivo, no mínimo, de um grande constrangimento. Assim a agente especial Dana Scully (Gillian Anderson) foi escalada por sua formação científica (Scully é uma médica extremamente inteligente a com uma visão, pelo menos a princípio,estritamente cética, cartesiana e cientificista do mundo) para ser a nova parceira de Fox Mulder. Mas sua missão não era outra senão desacreditar Mulder e provar que ele simplesmente gastava os recursos do FBI caçando fantasmas (nesse caso apenas no sentido figurado mesmo).

X-Files-010Assim formou-se uma das mais bem sucedidas parcerias da história da TV e da cultura Pop. Scully e Mulder, como se tratavam – muito raramente os personagens se tratam em um first name basis a despeito de sua crescente cumplicidade e intimidade – formavam dois lados da mesma moeda. Um cético e um crente, investigando o sobrenatural. Durante muito tempo essa dinâmica foi um dos principais apelos de Arquivo X.

O criador da série, Chris Carter, percebeu que o segredo para uma boa série de suspensa era explicar menos e não dar respostas mastigadas. O clima labiríntico cheio de mistérios e perguntas, e com poucas respostas atraía cada vez mais espectadores ávidos por algo novo na TV que não subestimasse suas inteligências. Nos primeiros episódios da série havia sempre espaço para que tanto a visão de Mulder quanto a de Scully pudesse ser interpretada como aquela mais apta a prover soluções ao mistério da semana, de acordo com a escolha do espectador de se alinhar com um ou outro perfil.

O seriado introduziu toda uma nova forma de narrativa, usando os bons e velhos monstros da semana – comuns nos enlatados estadunidenses da TV – , mas também incorporou a estrutura de uma trama maior desenvolvida, no plano de fundo e esparsamente, utilizando elementos que passaram a ser conhecidos como mitologia da série. A mitologia da série, claro, tratava de alienígenas, conspirações e a busca por Samantha.

X-Files-008Arquivo X teve uma existência bastante longeva. Durou nove temporadas e teve também um longa para o cinema que unia a quinta e a sexta temporada da série. Algo bastante raro para seriados de TV, e mais raro ainda se considerarmos que o longa teve também ótimos resultados de público e crítica. Mas a verdade é que por volta do meio da sexta temporada a história principal meio que se esgotara. Um dos protagonistas, Duchovny, se afastou da série passando a aparecer apenas em alguns pouco episódios e mais a frente no final da série. Enfim, a série se desgastara e se mantivera, como tantas outras, apenas par gerar audiência. Ainda assim Chris Carter, Frank Spotnitz (The Man in the High Castle) e Vince Gilligan (Breaking Bad) conseguiram conduzir a série a um final digno e à sua altura.


2. A Verdade e os Moinhos de Vento

Com tamanho espaço ocupado no mundo da cultura pop, era evidente que o anúncio de um retorno de Arquivo X levantaria muitas ressalvas e ansiedades. Se por um lado qualquer fão gostaria de ver mais histórias de Mulder e Scully – de fato um terceiro longa metragem era planejado e aguardado há algum tempo – era também certo que a sensação de retornar a série e arriscar estragar todo um legado não deixava de se um temor, pairando como um disco voador sobre a cabeça de todos.

A décima temporada de Arquivo X, assim, começa cercada de muita expectativa de todos os lados. Ainda é um pouco cedo para falar, considerando que apenas o primeiro episódio foi ao ar, mas pelo que já foi apresentado é possível tecer algumas conclusões… e porquê não, mais expectativas.

Carter e a Fox optaram por fazer uma micro-temporada de apenas seis episódios, algo nada usual na TV aberta estadunidense mas que, a meu entender, pode ter sido uma decisão extremamente acertada. Quem acompanha meus textos sabe que há algum tempo critico esse modelo de mais de 20 episódios da TV aberta, entendendo que a TV fechada há algum tempo já provou que 10 a 12 episódios são mais do que suficientes para contar uma boa história, como aliás a Netflix vem confirmando. Contar uma história em seis episódios só comprova que Carter não quer perder tempo enrolando o público com encheção de linguiça.

Aliás, não enrolar parece ser a palavra chave desse retorno da série. Algo que é um dos pontos fortes do retorno da série, mas, ironicamente, é ao mesmo tempo um certo ponto fraco.

O primeiro episódio da décima é intitulado “My Struggle” em uma clara referência à história de Mulder é escrito e dirigido pelo criador da série, Chris Carter. Fiel a essa nova dinâmica de contar mais e esclarecer mistérios, começa com uma pequena retrospectiva de quem é Fox Mulder e o que significa a sua cruzada, narrada pela voz do mesmo. Protocolar mas importante para reativar a memória de fãs d elonga data e ambientar um potencial novo público. Em seguida a trama se desenvolve no estilo dos melhores episódios de mitologia da série. Desenvolvendo ao longo de todo episódio apenas aquilo que todo o fã de Arquivo X sempre quis ver, mas que a série, ao longo de suas nove temporadas prévias, sempre resistiu em abordar diretamente.

X-Files-001É claro que o clima de mistério ainda está lá, e a música hipnótica e atemorizante de Mark Snow contribui muito para isso, mantendo ainda o senso de integralidade entre as nove primeiras temporadas e essa décima. O clima de mistério e as perguntas sem solução sempre compuseram um dos aspectos essenciais de Arquivo X. Abrir mão deles, ainda que seja a bem de se trazer enfim respostas, pode não ser a decisão mais acertada.

Há risco, por exemplo, de que uma das melhores características de Fox Mulder seja sacrificada: seu aspecto quixotesco. Sim, Mulder sempre foi um cavaleiro de triste figura lutando contra moinhos de vento, e Scully sempre fora seu carinhoso, singelo e atencioso Sancho Pança, seu verdadeiro protetor. A voz da razão para os delírios de um heróis que acredita ser capaz de vencer algo maior do que si mesmo. A impressão que temos após assistir ao primeiro episódio da décima temporada é que Mulder enfim tomará a a ofensiva e conseguirá ter uma vitória significativa contra aqueles que sempre o manipularam e manipularam o mundo.

X-Files-004Há outros problemas com o ritmo intenso do episódio que a limitada experiência de Chris Carter na direção não consegue dar conta. Como tudo se dá de maneira muito rápido, ainda que nós conheçamos os personagens de longa data, suas motivações pessoais para retirá-los da inércia dos últimos 14 anos não são bem estabelecidas e exploradas. As interpretações dos protagonistas por vezes soam um pouco caricatas em alguns diálogos, que também não contribuem muito. Se Arquivo X não fosse algo tão fortemente estabelecido na cultura Pop talvez certas cenas entre Mulder e Scully nesse episódio fossem consideradas por alguns no limite da canastrice ao ponto de comprometer todo o resultado do retorno. Mas no fim das contas essas falhas não chegam a comprometer e Carter ao menos conhece bem a história que quer contar e sabe conduzi-la com bastante competência.

Como disse, ainda é cedo para afirmar, mas espero que o aspecto quixotesco de Mulder seja preservado. É certo que é interessante contemplar uma possibilidade de mudança em um personagem que amamos tanto, mas flertar com essa possibilidade pode ir de encontro ao próprio cerne do seriado, e ao fim e ao cabo, ser a concretização de um dos grandes temores dos fãs da série quando souberam do anúncio do retorno: a de que talvez tivesse sido melhor que Arquivo X tivesse ficado onde estava.

X-Files-002Por outro lado é interessante perceber que Carter parece recorrer propositadamente a uma certa mudança de perspectiva por parte do protagonista para transportar a série com eficiência para a atualidade. Acima de tudo Arquivo X sempre foi uma série sobre Alienígenas e Conspirações. A forma como esses dois elementos se relacionam e se desenvolvem, bem, sempre foi uma incógnita na série. Claro, houve explicações. Para um lado ou para outro. Mas nenhuma delas pode ter sido definitiva. E essa é uma das grandes belezas de Arquivo X. No jogo da narrativa Carter propõe, de forma bastante interessante, uma nova relação entre esses dois pilares simbólicos que, no fundo no fundo, sempre serviram para contar uma outra história.

Chris Carter, assim, consegue trazer para o centro do palco debates extremamente atuais: o poder de um governo das sombras que se sustenta pela força do dinheiro contra qualquer projeto de humanidade, que inescrupulosamente explora a raça humana como um mero instrumento e recorre à ultra-vigilância – justificada pela cultura do medo mundialmente fomentada e garantida por uma tecnologia que a cultura de consumo, que também embota os sentidos e sepulta qualquer capacidade crítica – e serve, em última instância, aos interesses das grandes corporações que possuem sua representatividade máxima, meios e fim principal na força do petróleo e da sua indústria bem como na indústria bélica.

X-Files-005Na série clássica todos esses elementos, que na verdade são a temática central de Arquivo X, são evocados apenas simbolicamente através de alegorias – como o óleo negro alienígena, por exemplo, que representa o pode corruptor e agressivo do petróleo. Mas que nos tempos atuais, de tamanho desespero e torpor caminhando lado a lado, são expostas com suas cores e formas mais cruas e nuas. É como se Carter quisesse mostrar à humanidade aquilo que efetivamente está em jogo, e quais são nossos maiores inimigos, e para isso fizesse seu protagonista sacrificar sua ludicidade quixotesca em favor de um pragmatismo e um esclarecimento que apenas o colocam, desesperadamente, mais perto do fim.

Se for isso, e estivermos caminhando para um final tragicamente shakesperiano, talvez Carter consiga mesmo encerrar sua grande obra com chave de ouro. A verdade, afinal, ainda está lá fora, e já passou da hora de olharmos diretamente nos seus olhos flamejantes e fazermos algo para, ao menos, remediar ou minimizar os danos de algo que, lamentavelmente, não mais pode ser evitado.

Mário Bastos

Quadrinista e escritor frustrado (como vocês bem sabem esses são os "melhores" críticos). Amante de histórias de ficção histórica, ficção científica e fantasia, gostaria de escrever como Neil Gaiman, Grant Morrison, Bernard Cornwell ou Alan Moore, mas tudo que consegue fazer mesmo é mestrar RPG para seus amigos nerds há mais de vinte anos. Nas horas vagas é filósofo e professor.

5 comentários sobre “Review | Arquivo X – O Retorno

  1. Olha, esse primeiro epi eu não gostei não. O Duchovny (sei lá como se escreve) tava mais pra Hank Moody. Os diálogos com “a verdade esta lá fora”, ” eu ainda quero acreditar” a cada duas frases ficou muito forçado. O motivo que encontraram para reabrir o Arquivo X também foi bem forçado, tudo muito preguiçoso.

    Vale pela nostalgia, e eu gostei que mantiveram o clima série anos 90″. Não atualizaram, seria pior.

    Agora o segundo epi… Aí sim Arquivo X de volta, e cantando a musiquinha de abertura junto!

    1. Concordo. A propósito, você soube que o segundo episódio está fora da cronologia da temporada? Chris Carter comentou isso recentemente. Na ordem “correta” esse segundo seria o quarto ou quinto, parece. Por isso temos a sensação que houve um salto de tempo. Que de fato houve. Segundo ele esse “embaralhamento” dos episódios foi proposital.

        1. Olha eu não tinha me dado conta não. Achei que era uma opção de elisão narrativa mesmo, que fazia sentido pq a série só vai ter 6 episódios nessa temporada, e etc. Mas de fato eles costumavam fazer isso sim. Acho que só ao fim da temporada teremos uma ideia mais clara do que o retorno de X-Files significou.

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