Crítica | Festa da Salsicha (Sausage Party)
As animações costumam mostrar nossas emoções sendo projetadas em coisas do nosso cotidiano como brinquedos, carros ou bichos de estimação. Mas como seria se a comida tivesse sentimentos? Pensando nisso que Seth Rogen, Evan Goldberg (que sempre colabora com Rogen nos roteiros) e Jonah Hill tiveram a ideia do filme “Festa da Salsicha”.
Algo assim louco e absurdo só poderia ter vindo deles. Rogen não se contenta com o humor tradicional e está sempre disposto a ir além dos limites. Muitas vezes boas ideias não se sustentam por todo o filme como em “A Entrevista” ou “É o Fim”, para citar exemplos mais recentes. Felizmente a história da animação se sustenta até o final.
O cartaz da animação avisa não se tratar de algo para crianças. O filme é uma versão dark e adulta de um desenho da Disney. Com direito até a uma música, logo no início, explicando as maravilhas que os personagens irão encontrar do lado de fora do supermercado. Dentro do local eles aguardam ansiosamente serem escolhidos pelos deuses, os humanos, para serem levados ao paraíso. O problema é quando uma mostarda volta totalmente assustada após ser devolvida. A salsicha Frank (Rogen) não se conforma e resolve ir atrás da verdade.
A premissa é totalmente absurda. Mas o filme consegue construir uma lógica nonsense que funciona. E o mais interessante é que faz diversas críticas ao conservadorismo e a temas polêmicos como sexo e religião. As piadas envolvendo sexo, inclusive, soam bastante infantis. Mas a ironia combina com o clima de uma animação “bonitinha” voltada ao público adulto.
A própria escolha dos personagens principais já ressalta essa conotação sexual. O protagonista é uma salsicha cujo grande objetivo de vida é entrar no pão de cachorro quente, que é um personagem feminino chamado Brenda. O fato de não serem humanos faz com que a animação não tenha nenhum pudor em fazer diversas piadas envolvendo sexo. As piadas funcionam na maior parte do tempo, mas a repetição próxima da exaustão chegam a cansar um pouco. Mas o melhor ficou guardado para o final, que é sensacional.
O melhor do roteiro, escrito por Kyle Hunter, Ariel Shaffir, Seth Rogen e Evan Goldberg, está na ironia e nas entrelinhas das associações e diálogos dos personagens. A começar pela crítica à religião ao mostrar um grande grupo de personagens que acreditam cegamente na busca do paraíso sem fazer nenhum questionamento. Pega no pé dos conflitos religiosos existentes no mundo até os dias atuais. E como o próprio Frank descobre, não adianta mostrar e descobrir a verdade. Não se pode criticar a crença, mas sim mostrar um caminho melhor. O conflito religioso é personificado na disputa entre um pão sírio e um bagel, ou seja, árabes e judeus.
Voltando a parte relacionada a sexo, o filme também aborda outro tema polêmico: a diversidade sexual. Temos personagens gays, como o taco (um personagem feminino) que sente atração pelo pão de cachorro quente (que também é mulher). E melhor, ainda mistura sexo e religião. Quando Frank e Brenda resolvem experimentar um pouco de sexo; “apenas a pontinha”, a consequência é eles terem problemas em serem escolhidos pelos deuses. Justamente por terem feito sexo antes da hora. É interessante como o filme defende, no final das contas, a liberdade sexual. Não importa a sua orientação sexual.
Ainda temos espaço para o outro ponto polêmico: o uso de drogas. Que se revela fundamental para o desenrolar da história com uma ótima reviravolta. Ou seja, a animação vai a fundo em tocar em temas conservadores com um conteúdo totalmente liberal, que pode soar ofensivo para muita gente.
O elenco de vozes é um dos destaques da animação. Rogen reúne sua turminha de sempre incluindo gente como Jonah Hill, Michael Cera e James Franco. Mas os destaques ficam por conta de nomes inusitados como Edward Norton e Salma Hayek. Norton faz o bagel de maneira brilhante ao fazer uma voz que lembra bastante Woody Allen, que é judeu. Enquanto Hayek, que é mexicana, faz a voz de um taco. Já Kristen Wiig traz um pouco de equilíbrio feminino no humor cheio de comediantes masculinos.
A dupla de diretores Conrad Vernon e Greg Tiernan tem experiência em animações como “Monstros VS Alienígenas”. Aqui eles fogem um pouco da sua zona de conforto e embarcam no humor sem limites de Seth Rogen. Colocam um pouco de pequenas referências pop ao mundo do cinema para equilibrar um pouco o tom cômico, mas mantendo o estilo nonsense. Mas é impressionante como apesar de todo o absurdo e exagero a animação gera uma reflexão e crítica interessante a nossa sociedade que anda tão conservadora. Isso sem deixar de fazer rir bastante, que sem dúvidas é o objetivo principal.
Obs: Geralmente as animações são voltadas para o público infantil, logo a grande maioria das cópias é dublada. Aqui por ser voltado para adultos, com censura 16 anos, o natural seria ter maioria de cópias legendadas. Mas a distribuidora achou melhor lançar cópias dubladas pelo pessoal do Porta dos Fundos. Sendo que um dos principais atrativos é seu elenco original de dubladores. Provavelmente ficaram com receio de Rogen e sua turminha não serem o suficiente para atrair o grande público. Uma pena! Mas pelo menos eu consegui assistir a cópia com áudio original no cinema.
Uma frase: “Não basta criticar a crença deles, precisa mostrar um caminho melhor”.
Uma cena: A cena inicial, com direito a uma música estilo Disney, explicando as maravilhas que os personagens irão encontrar do lado de fora do supermercado.
Uma curiosidade: A animação conta com 5 indicados ao Oscar: Kristen Wiig, Jonah Hill, James Franco, Edward Norton e Salma Hayek.
.
Festa da Salsicha (Sausage Party)
Direção: Conrad Vernon e Greg Tiernan
Roteiro: Kyle Hunter, Ariel Shaffir, Seth Rogen e Evan Goldberg (história de Seth Rogen, Evan Goldberg e Jonah Hill)
Elenco: Seth Rogen, Kristen Wiig, Jonah Hill, Bill Hader, Michael Cera, James Franco, Danny McBride, Craig Robinson, Paul Rudd, Nick Kroll, David Krumholtz, Edward Norton e Salma Hayek
Gênero: Animação, Aventura, Comédia, Fantasia
Ano: 2016
Duração: 88 minutos