Westworld S02E04 – The Riddle of the Sphinx

Westworld S02E04 – The Riddle of the Sphinx

Que criatura tem quatro patas pela manhã, duas ao meio-dia e três ao anoitecer?

Era esse o enigma enunciado pela esfinge. Aqueles que ousavam desafiá-la, tinham que desvendar seu enigma, ou por ela serem devorados. Assim é a vida, também.

[button-red url=”#” target=”_self” position=””]Aviso de SPOILERS[/button-red]

Os comentários a seguir falam sobre acontecimentos encontrados em The Riddle of the Sphinx, o quarto episódio da segunda temporada de Westworld.

Westworld chega a um ponto importante da narrativa da segunda temporada, enfim. A trama parece finalmente se apresentar em seus contornos gerais. Há muito para falar sobre esse quarto episódio da segunda temporada, porém, o que fica bem claro é o mote principal que se pretende abordar: a incontornável finitude do homem, e seu desejo irracional de superar esse limite intransponível.

Dessa forma, se temas como consciência e memória foram explorados na primeira temporada, na sua continuidade se explora os limites da consciência e como a memória e o tempo se inserem nesse esquema. Trata-se, então, de se questionar a possibilidade da imortalidade. Não apenas enquanto algo que a tecnologia é capaz de prover, mas principalmente como algo que a mente humana é capaz de suportar.

A morte, assim, é a única verdadeira constante do universo, pelo menos da perspectiva dos homens. É ela que nos confere certeza e segurança em meio ao amealhado caótico de inconstância e contradição que constitui a humanidade. E é também ela que dá sentido ao tempo, a chave, então para o enigma da esfinge: percorrer o curso da vida e enfim encontrar a morte. É isso que nos dá sentido.

Os Anfitriões, porém, estes não morrem. Não podem desfrutar da certeza libertadora da morte. E assim, também não vivem, como sugere a esfinge. O que sugere que, para ser um indivíduo, algo similar ao ser humano ou que o suceda, mais do que o livre arbítrio que emana da consciência é preciso também conquistar o dom de morrer. De definhar e experimentar o tempo em um processo linear de decadência: infância, idade adulta, velhice. Uma experiência que envolve uma intrincada relação entre corpo e mente. Anfitriões, afinal, também não nascem, não têm infância. São seres definidos em um ponto fixo. O tempo não interfere em suas relações com seus corpos, e isso lhes furta certas perspectivas que nos ajudam a definir o que seria ter uma vida.

Assim eles precisam de alguém que lhes traga a morte. Uma espécie de salvador, de messias, um Portador da Morte. Deathbringer, como a fala da mulher indígena da Ghost Nation para Stubbs prenuncia. O que reforça a hipótese de que o espaço da desse grupo peculiar de Anfitriões na narrativa ainda tem muito o que revelar. Na temporada passada Stubbs foi atacado por eles antes da morte de Ford por Dolores, evento que imaginamos marcar o início da revolta dos anfitriões. Porém, a Ghost Nation exibia um comportamento fora dos padrões dos demais anfitriões muito antes desse mencionado evento, como comprova o aprisionamento de Stubbs. Ele, afinal, tentou utilizar os comandos de paralisar os Anfitriões – o famoso “Freeze all motor functions” – sem sucesso. Um aparente conhecimento profético sobre uma entidade de contornos messiânicos com o sugestivo nome de Deathbringer reforça que eles estão profundamente inseridos em um plano muito maior que vem se desenrolando no parque já há algum tempo.

De quem é esse plano, porém, é outro mistério. A aposta maior é que seja apenas mais uma parte de um engenhoso plano engendrado pela mente do Dr. Ford. O plano para enfim libertar seus filhos. O ato final que concluiria a transformação de Ford na entidade mítica demiúrgica que seu ego sugeria que ele almejava ser. Talvez seja esse, afinal, seu verdadeiro plano: superar o problema do tempo. Ser mais que humano sem deixar de estar vivo. Este, sem dúvida, teria sido o plano de James Delos. Mas sua mente simplesmente não foi capaz de superar o caráter incontornável de sua própria finitude, e isso o condenou a um verdadeiro inferno. Toda a construção das sequências com ele, em todos os seus detalhes, fazem um impressionante trabalho de referências de como a cultura pop, ao longo dos anos, vem representando o lugar de danação final ao longo dos anos. Vale a pena rever diversas vezes. Tudo ao som dos Rolling Stones. Melhor do que The Mamas & the Papas, temos que reconhecer.

Westworld, Bernard e Elsie

Outra forma de inferno, também, é estar à deriva no tempo, e essa danação cabe a ninguém menos que Bernard. O que revela muito sobre a personalidade de Ford, e sua complexa relação com seu falecido parceiro de empreendimento, Arnold. Como aponta Elsie (sim, ela também não estava morta), Bernard não tem, como outros Anfitriões, uma mínima âncora que fixe sua memória linearmente. O que compromete a própria noção de memória reduzindo-a a um mero banco de dados que se manifesta aleatoriamente sem qualquer controle. A própria definição de loucura, talvez. Se alguns, como lembra William em determinado momento desse episódio, não suportam vivenciar a realidade, outros sequer possuem tal privilégio. Tal é o caso de Bernard. Talvez seja essa a punição de Ford, para ele. Ford parece ser o tipo de divindade caprichosa. Bernard não sabe discernir se experimenta ou se relembra. Como deve ser desesperador ter consciência disso é algo difícil de imaginar. Essa consciência, porém, permite a Bernard uma escolha à qual este está disposto a aproveitar. Ele deixa de ser um mero espectador e torna-se agente. Em que medida isso levará a sua liberdade, a seu ser, a sua realidade, é difícil de dizer. Bernard tem pouco de Édipo, mas já se colocou diante da esfinge. Seu desafio agora é não ser devorado por ela, e encontrar sua redenção.

Redenção, afinal, parece ser outro termo chave dessa temporada. Talvez de toda a série; mas particularmente mais evidente nesse episódio graças à arrebatadora performance de atores excelentes. As cenas divididas por Jimmi Simpson e Peter Mulan são um verdadeiro deleite. Cada frase, cada olhar, cada maneirismo e expressão serve a um propósito. Não há exageros. Mas é Ed Harris mesmo quem brilha acima de qualquer outro, entregando talvez a melhor performance da série. A transição entre ele e Simpson, aliás, interpretando o mesmo personagem, de tão suave, é impactante. São atores diferentes. Trata-se de um personagem que mudou – através da relação indicada pela esfinge entre corpo, mente e tempo – mas ainda assim eles são uma coisa só. Simplesmente impressionante. E são os olhos de Ed Harris que revelam mais do que suas palavras. Olhos de um azul tão desconcertante que fariam Paul Newman enrubescer.

O amargor no olhar e na voz de William, em seu diálogo com Jim Delos, após o suicídio de sua esposa, revela que ele não está mais satisfeito em ser quem ele era. Aliás, se lembrarmos bem, toda a busca do Homem de Preto, desde o início, foi declaradamente essa. Contestar o papel que lhe foi dado. É difícil, em uma narrativa tão cheia de tons de cinza como Westworld, falar sobre mocinhos e bandidos, mas, sem dúvida, no que pertine ao personagem de Ed Harris, ele não parece particularmente satisfeito com o papel que lhe foi dado. William, o Homem de Preto, quer desafiar o vaticínio de vilão. E para descobrir aquilo que ele é em sua essência, e desafiar o que determinaram que ele viesse a ser, afinal, que ele entrou no jogo de Ford. E Ford, por sua vez, talvez saiba disso melhor do que qualquer um, por isso mesmo segue ditando as regras do jogo.

Westworld, James Delos

Quem duvida dessa jornada de redenção, basta observar a forma com a qual William resgata a esposa de Lawrence – aquele que ele insiste que não é seu amigo. Talvez seja uma das melhores sequências de Westworld até agora. Sem dúvida a melhor da segunda temporada, digna de um daqueles Westerns que assistimos a cada 10 anos. E a forma com a qual William e Lawrence resolvem a situação deixaria até Quentin Tarantino morto de inveja. Para fechar com chave de ouro, ainda temos direito a um clássica cavalgada em direção ao pôr do sol. Com o arremate de personagem misterioso – não tão misterioso assim, é verdade, mas com uma importante revelação de identidade – surgindo da silhueta no último instante. Grace, afinal, é de fato Emily, a filha de William, e ela também tem um plano e faz parte do jogo.

É sem dúvida, assim, o melhor episódio da segunda temporada. E talvez o melhor de toda a série. Mas nada disso seria possível se não fosse Lisa Joy. A criadora, produtora e roteirista da série é a responsável pela direção desse episódio. Já na estreia dela na direção, Lisa Joy arrasa por completo. É capaz de entregar uma verdadeira pérola da teledramaturgia. Reflexões filosóficas, simbolismo, personagens conflituosos, atuações espetaculares, ação empolgante e de tirar o fôlego e uma Sunset Ride quase perfeita. Sim estamos diante de um verdadeiro Western, e Lisa Joy é a principal responsável por isso.



westworld, cartaz 2ª temporadaWestworld

Temporada: 
Episódio: 04
Título: The Riddle of the Sphinx
Roteiro: Gina Atwater e Jonathan Nolan
Direção: Lisa Joy
Elenco: Evan Rachel Wood, Thandie Newton, Jeffrey Wright, James Marsden, Tessa Thompson, Ingrid Bolsø Berdal, Fares Fares, Luke Hemsworth, Louis Herthum, Simon Quarterman, Talulah Riley, Rodrigo Santoro, Angela Sarafyan, Gustaf Skarsgård, Shannon Woodward, Ed Harris, Ben Barnes, Clifton Collins Jr., Jimmi Simpson, Katja Herbers e Neil Jackson
Exibição original: 13 de maio de 2018 – HBO

Mário Bastos

Quadrinista e escritor frustrado (como vocês bem sabem esses são os "melhores" críticos). Amante de histórias de ficção histórica, ficção científica e fantasia, gostaria de escrever como Neil Gaiman, Grant Morrison, Bernard Cornwell ou Alan Moore, mas tudo que consegue fazer mesmo é mestrar RPG para seus amigos nerds há mais de vinte anos. Nas horas vagas é filósofo e professor.

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