Crítica | Mulher-Maravilha 1984

Crítica | Mulher-Maravilha 1984

É difícil saber por onde começar a falar sobre os problemas existentes em Mulher-Maravilha 1984, novo filme da heroína da DC interpretada por Gal Gadot e mais uma vez dirigida por Patty Jenkins. É uma pena, já que o filme de 2017 foi tão importante para a representatividade feminina, como bem apontou a porcolunista Bianca Nascimento no texto Mulher Maravilha com dois emes maiúsculos.

Na história encontramos Diana em 1984, quase 70 anos após os eventos do 1º filme, combatendo o crime sem tentar chamar a atenção enquanto trabalha em uma instituição cultural. Eis que surge uma nova colega de trabalho chamada Barbara Minerva (Kristen Wiig) para analisar uma misteriosa pedra, cuja lenda afirma ser capaz de atender o desejo de quem a toca. Esse artefato chama a atenção de Maxwell Lord (Pedro Pascal), um empresário que vê a oportunidade de finalmente ser bem sucedido.

A pedra é a força motriz da narrativa: ela concede a Diana o desejo de ter novamente Steve em sua vida, dá para Barbara a chance de ser igual a Diana – apesar dela não contar com a ajuda dos superpoderes, enquanto Maxwell Lord assume o poder do artefato se tornando responsável por conceder desejo para as pessoas. Contudo, Maxwell usa essa nova habilidade para fazer com que façam desejos que o beneficie.

Ao mesmo tempo que a pedra concede desejos para os personagens, ela também cria diversos problemas para o roteiro escrito por Patty Jenkins, Geoff Johns e Dave Callaham. Sem dúvidas o principal deles é a volta de Steve, interpretado por Chris Pine. O personagem retorna dos mortos no lugar de um outro ser humano, mas por comodidade Diana o enxerga como seu grande amor, assim Pine pode magicamente voltar para a continuação. A questão é que isso prejudica muito o desenvolvimento da protagonista, já que após quase 70 anos ela ainda não conseguiu superar a perda do namorado. Essa necessidade de trazer novamente a figura amorosa para que a vida da Mulher-Maravilha volte a fazer sentido é péssima, pois passa a impressão de que a mulher só se sente completa na vida se tiver um homem ao seu lado.

Além disso, entra também a questão moral, tão importante para a heroína, já que ela parece não se importar com o fato de Steve ter assumido o corpo de outra pessoa. Talvez isso pudesse se tornar irrelevante caso o roteiro tivesse construído melhor a narrativa em torno dos outros personagens, só que não é o caso. Então vamos analisar os problemas em torno de Barbara e Maxwell.

Barbara Minerva é bem interpretada por Kristen Wiig, que tenta colocar alguma dimensionalidade à personagem, só que o roteiro não ajuda. A mulher tem uma jornada que lembra a novela “Betty, a feia”, onde ela se sente uma pessoa feia e que todos ao redor ignoram, mas que um dia resolve ir “arrumada” para o trabalho e dessa forma é notada, principalmente pelos homens que agora se interessam por ela romanticamente. A visão por trás disso é extremamente machista, além de bastante caricata. Para piorar, como Barbara tem que se tornar a vilã Mulher-Leopardo, a trama faz essa transformação de maneira sem nenhum sentido no 3º ato do filme.

Mulher-Maravilha 1984 parece perdido em relação às suas personagens femininas. O filme de 2017 foi importante pela representatividade feminina e também pelo simbolismo, mas em 2020 parece que Patty Jenkins quer mostrá-las passando por questões vividas no mundo real pelas mulheres, só que sem nenhum desenvolvimento, tentando torná-las “verossímeis”. É constrangedor, por exemplo, na cena que mostra Diana chegando em uma festa e literalmente todos os homens tentam dar em cima dela. A intenção pode ter sido boa, mas a forma como os problemas são abordados pelo roteiro são bem ruins.

Completando a análise dos personagens chegou a vez de Maxwell Lord. Pedro Pascal, assim como Wiig, coloca alguma personalidade em Maxwell. Seu arco dramático é o mais interessante dentro de Mulher-Maravilha 1984, mas o roteiro o transforma em uma figura caricata, onde seu lado humano surge convenientemente apenas no final.

Aqui inclusive é necessário dar um pequeno SPOILER sobre o filme para analisar o seu encerramento, que talvez seja o maior problema da narrativa. O plano de Maxwell envolve conceder a todas as pessoas do planeta Terra a oportunidade de ter um desejo realizado, o que transforma o mundo em um verdadeiro caos. Eis então que a Mulher-Maravilha apela para o lado bom da humanidade e todos desfazem seus pedidos e tudo volta ao normal. Se tem algo que aprendemos em 2020 durante a pandemia de convid-19 é que o ser humano é totalmente individualista e não se preocupa nem um pouco com o coletivo, então fica difícil acreditar nesse desfecho, até mesmo do olhar ingênuo da protagonista, que já deveria ter aprendido mais sobre as pessoas após passar quase 70 anos convivendo com eles.

Apesar de todos esses problemas da narrativa, sendo que provavelmente existem muitos outros que poderiam ser analisados, Mulher-Maravilha 1984 é um filme correto do ponto de vista técnico. Um lado positivo é que apesar de ser passar na década de 1980, a obra de Patty Jenkins evita os exageros nas referências ao período, ainda que apresente algumas piadas irregulares com relação ao figurino na cena onde a protagonista ajuda Steve Trevor a se vestir. A diretora também repete o momento de “choque cultural”, só que agora no lugar de Diana é Steve quem fica chocado com as diferenças, que rende um bom momento bem humorado.

Os efeitos especiais são decentes, mas tem alguns momentos irregulares como na cena da luta entre a Mulher-Maravilha e a Mulher-Leopardo onde a computação gráfica deixa tudo muito artificial. Já nos momentos de aventura o filme acerta quando mostra a protagonista salvando crianças de serem atingidas por um caminhão, ou quando Diana combate criminosos no shopping. Entretanto, o filme poderia ter mais aventura, errando ao apostar mais no lado dramático de maneira ruim. Isso atrapalha até a boa trilha de Hans Zimmer, que apesar de competente (mesmo sem ser muito inspirada) soa genérica por causa da narrativa irregular.

Em síntese, Mulher-Maravilha 1984 é um filme bem intencionado, mas que não é bem realizado. A diretora Patty Jenkins erra bastante em suas escolhas narrativas, apresentando uma narrativa cheia de problemas, que nem mesmo as cenas de ação e aventura da protagonista salvam do desastre completo. Uma pena, já que a heroína da DC merecia mais depois do ótimo filme de 2017.


Uma frase: – Maxwell Lord: “Cidadãos do mundo, estou aqui para mudar a vida de vocês.”

Uma cena: A cena inicial que mostra a jovem Diana em um evento competitivo em Themyscira.

Uma curiosidade: Lilly Aspell (Diana jovem) fez ela mesma aos 12 anos de idade suas próprias cenas que precisariam de dublê, pois constatou-se que ela fez um trabalho melhor que suas próprias dublês.


Mulher-Maravilha 1984 (Wonder Woman 1984)

Direção: Patty Jenkins
Roteiro:
Patty Jenkins, Geoff Johns e Dave Callaham, história de Patty Jenkins e Geoff Johns
Elenco: Gal Gadot, Chris Pine, Kristen Wiig, Pedro Pascal, Robin Wright e Connie Nielsen
Gênero: Ação, Aventura, Fantasia
Ano: 2020
Duração: 151 minutos

Ramon Prates

Analista de sistemas nascido em Salvador (BA) em 1980, mas atualmente morando em Brasília (DF). Cinema é sem dúvidas o meu hobby favorito. Assisto a filmes desde pequeno influenciado principalmente por meus pais e meu avô materno. Em seguida vem a música, principalmente rock e pop.

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