Review | Crystal Caves HD

Review | Crystal Caves HD

Houve uma era, muito remota, em que era considerado um absurdo inimaginável comprar um computador exclusivamente jogar games. Eram ferramentas de trabalho feias, caras e complicadas de mexer. Esses trambolhos eram voltados para empresas e escritórios, mas também eram encontradas nos lares de algumas famílias de maior poder aquisitivo. A finalidade era “ajudar nos estudos”, “fazer cartões de aniversário” (impressos em uma barulhenta Epson matricial) ou como forma de ganhar dinheiro por conta própria.

Mas não havia quem resistisse a instalar um ou outro joguinho.

Era o começo dos anos 90, muito antes da intuitividade e facilidade dos ambientes Windows e macOS, uma era de decorar comandos de texto socados em teclados barulhentos e apresentados num monótono prompt de comando preto-e-branco.

Foi também uma época de pioneirismo. Não haviam engines como Unity ou Unreal, placas de vídeo mal conseguiam renderizar imagens 2D em baixa resolução, e o som saía de um alto-falante interno que só sabia se comunicar como o R2-D2. O Super Nintendo e o Mega Drive tinham acabado de sair e computador nenhum conseguia chegar perto daqueles gráficos, sons e poder de processamento.

Algumas poucas empresas pequenas desbravaram esse ambiente hostil. A maneira que muitas delas encontravam para crescer era um modelo de negócios conhecido como “shareware“.

O shareware é basicamente um software livre e gratuito, com algumas limitações. Não é como as “demos” limitadas de hoje em dia. Eram muitas vezes episódios inteiros de um jogo, e geralmente distribuídos em BBS (o avô da internet), em disquetes que acompanhavam revistas ou copiados entre amigos (já que não tinham nenhum tipo de proteção contra cópia). As pessoas que gostavam de determinada versão shareware de um software ou jogo poderiam enviar dinheiro para a empresa (numa era anterior ao PayPal, muitas vezes a solução era botar um cheque nos correios) que em troca mandava uma versão mais completa e com mais recursos ou novos episódios daquele joguinho.

Um das maiores expoentes desse modelo foi uma empresa outrora conhecida como Apogee Software. Dentre alguns de seus maiores clássicos estão títulos seminais, como Wolfenstein 3D, Commander Keen (talvez o primeiro jogo a apresentar scroll de telas na história dos PCs), Terminal Velocity, Duke Nukem (o clássico jogo de plataforma) e Duke Nukem 3D (já sob a alcunha de 3D Realms).

Crystal Caves foi um título um pouco menos importante e conhecido, porém ainda lembrado com saudosismo e nostalgia pelos amantes dessa “era de ouro”. Era um jogo de plataforma em visão lateral, bastante parecido graficamente com seu antecessor, Commander Keen, porém com uma jogabilidade mais próxima de um puzzle plataformer.

Foi realmente uma grata surpresa o anúncio recente de um remaster deste clássico esquecido, através de um trailer publicado num canal de uma Apogee que voltou do mundo dos mortos.

Esse remaster, chamado Crystal Caves HD e lançado em 15 de Outubro na Steam, atualiza levemente os gráficos do jogo – mais colorido (o original foi lançado para placas EGA de 16 cores), com uma resolução maior (mas mantendo o charme pixelado) e formatado para telas widescreen (aqui faço uma pequena crítica – faltou um modo legado, com os gráficos originais, como costuma aparecer em alguns remakes/remasters).

Acrescenta também uma trilha sonora, que não estava presente na versão da década de 90. Os efeitos sonoros porém, continuam os mesmos, emulando os estranhos ruídos do PC speaker – estranhos, porém nostálgicos e essenciais para a experiência legítima.

Além disso estão presentes algumas melhorias de qualidade de vida, como correção de bugs, autosave e modo “easy” e novidades como um editor de mapas e um quarto episódio, inteiramente inédito.

Tirando tudo isso – é o mesmo Crystal Caves dos anos 90. E é surpreendente como envelheceu bem.

O loop do jogo consiste em guiar o mineiro (de profissão, não o gerúndio) Mylo Steamwitz por cavernas para coletar cristais e assim tentar enriquecer (geralmente não dá muito certo para o pobre coitado). Cada episódio contém um set de fases, distribuídas num hub principal com várias portinhas, cada uma representando uma fase, que podem ser realizadas na ordem que o jogador desejar. Essas fases são pequenos mapas contidos em si, e o objetivo é coletar todos os cristais ali espalhados, evitando os perigos mortais – como criaturas ou armadilhas – e depois encontrar a saída.

Administrar esses perigos é a parte mais interessante – e com elementos de puzzle – que o jogo oferece. Mylo dispõe de uma pistola que pode ser usada para eliminar alguns tipos de criatura. Porém, deve ser usada com sabedoria, visto que a munição é escassa. Além disso, é preciso frequentemente acionar interruptores que acionam mecanismos como elevadores, e alavancas que abrem portas. Alguns power-ups podem auxiliar, como um upgrade da arma que permite derruba inimigos outrora indestrutíveis e com isso atingir algumas áreas antes inacessíveis.

Os controles do jogo são bons, o pulo é bem gostoso de controlar, e embora pensado originalmente pra jogar no teclado, é um jogo que se adapta maravilhosamente a um gamepad. As fases são bem construídas, curtinhas e bem diversificadas na estrutura e nos desafios.

Crystal Caves em seu modo “normal” é bastante desafiador, como era comum em jogos da época. A novidade nesse remaster é modo “easy“, mas existe também um modo “hard” para masoquistas. É preciso paciência, pois o jogo tem alguns momentos bem frustrantes, mas é muito recompensador completar uma fase difícil.

Em suma, Crystal Caves HD foi um jogo pensado primariamente para os saudosistas, não só os que jogaram o original, mas todos aqueles que buscam uma experiência autêntica de jogo de PC do começo dos anos 90. Para essas pessoas, recomendo sem pensar duas vezes. Para os demais jogadores, recomendo somente para aqueles que não se importam com um jogo mais simples na estrutura e buscam um bom desafio na jogabilidade.


Classificação:

 


Crystal Caves HD

Plataformas: Microsoft Windows
Produtora: Apogee Software
Desenvolvedora: Emberheart Games
Ano: 2020

Dario Lima

Dario Lima, além de ser faixa branca em todas as artes marciais e modalidades de combate conhecidas pelo homem, é também formado em Cinema. Mas sua verdadeira paixão são os joguinhos eletrônicos, desde que ganhou um Atari de presente do pai em uma época longínqua em que Menudo tocava nas rádios, Chevette era carro de playboy e McGyver passava na TV nas manhãs de domingo. Escreve sobre games na POCILGA e de vez em quando perturba os outros em algum episódio do Varacast.

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