Review | Watchmen S01E05 – Little fear of Lightning

Review | Watchmen S01E05 – Little fear of Lightning

O medo é a chave. Mas medo sem eventuais confirmações, é fadado ao desgaste.

Em determinado momento do episódio um personagem esclarece a outro a importância de após um trovão, se seguir um raio. Se assim não fosse, o som do trovão de nada significaria. Mas na verdade, é o raio que tememos. Essa pequena passagem, entregue, aliás, de maneira bastante trivial e expositiva, é bastante reveladora daquilo tudo que Watchmen como obra, e Lindelof como autor, querem nos lembrar.

[button-red url=”#” target=”_self” position=””]Aviso de SPOILERS[/button-red]

Os comentários a seguir falam sobre acontecimentos narrados em Little fear of Lightning, o quinto episódio da primeira temporada de Watchmen.

S01E05 – Little fear of Lightning

Quando, lendo previews do quinto episódio da primeira temporada de Watchmen, vi que se tratava da “história de origem” de Looking Glass (Tim Blake Nelson), confesso que fiquei um tanto desanimado. Já estamos, afinal, no meio da temporada e uma história de origem de um personagem que não parece ser protagonista – embora muito interessante – me dava a impressão de ser um filler, em uma série que até então, parecia não ter espaço para esse tipo de expediente.

Looking Glass, porém, mostrou ser um personagem mais importante para a narrativa do que se inicialmente anunciava. Sua história, afinal, se interliga diretamente com a trama principal da obra original de Alan Moore e Dave Gibbons. Através do olhar do jovem, inocente (e religioso) Wade Tillman (o Looking Glass) nós testemunhamos pela primeira vez todo o horror da tragédia da Lula gigante “extradimensional” que vitimou mais de 3 milhões de vidas em Nova York, em 1985. Através do horror de Wade Tillman, a amplitude da força do medo, planejada por Veidt, como única coisa capaz de salvar o mundo do holocausto nuclear, é nitidamente compreendida.

Nunca é demais relembrar que a adaptação de Zack Snyder de 2009 optou por descartar a lula gigante. A série, porém, não só compreende a importância da ameaça extradimensional, em toda sua bizarrice, como um mecanismo quase que lovecraftiano fundamental para criar e propagar o medo, como a incorpora integralmente no desenvolvimento do cenário; particularmente nas repercussões pós-ataque “extradimensional” de 1985 em Nova York. O que aconteceu com Nova York? O que aconteceu com os EUA? O que aconteceu com o mundo? O que aconteceu com Adrian Veidt? E finalmente, e não menos importante, o que aconteceu com o medo? Em Little fear of Lightning temos alguns esboços de respostas para essas perguntas. A partir da obra de Snyder esses questionamentos teriam o mesmo peso, ou o mundo que o sucedeu dificilmente seria tão próximo da mente de Rorschach como esse mundo de Damon Lindelof: bizarro, paranóico, distópico, incompreensível; um mundo de medo. E, mais uma vez, através da encantadora performance de Tim Blake Nelson, sentimos tudo isso através da tela com uma verossimilhança que nos traz amargor à boca.

O título do episódio faz uma clara brincadeira com a questão do medo. Ainda o mais corajoso dos homens não irá deixar de ter, no mínimo, um pouco de cautela diante de um relâmpago. Todo mundo tem, afinal, um pouquinho de medo de relâmpagos. Wade Tillman, afinal, começa o episódio como um fundamentalista religioso que sequer o fim do mundo teme. Ou pelo menos ele assim se apresenta. Mas logo em seguida, ele é deixado nu em meio a um labirinto de espelhos, e o medo mais pueril de um homem se revela, para subsequentemente ser atingido quase que como um raio enviado por Deus para puni-lo pelo pecado da soberba. O raio é a descarga psíquica gerada pela lula gigante que se materializou em plena Times Square. Três milhões morreram, e graças ao ambiente reflexivo no qual estava, Wade sobreviveu. Mas sobreviveu para viver com medo.

O episódio avança para o presente, e somos lembrados da outra força que move Wade Tillman: a busca pela verdade. Um mundo no qual lulas alienígenas surgem, sem qualquer explicação, de outra dimensão, chovendo do céu, de tempos em tempos, evidentemente causa muito mais ansiedade e pavor do que a possibilidade de um guerra nuclear. Afinal, um ataque nuclear pode ser compreendido. Ataques extradimensionais – como nos ensinou Lovecraft – não, e é da impossibilidade de se compreender as coisas e de determinar padrões que é a verdadeira fonte de desespero para qualquer homem. Wade, assim, obcecadamente busca a verdade. Seja em seu “trabalho civil” como consultor de marketing, seja no uso de sensores extradimensionais para prever incursões alienígenas, seja em seu trabalho como o detetive Looking Glass. Looking Glass, aliás, como percebemos, é mais do que uma persona: é a fuga perfeita para uma personalidade traumatizada pelo temor de sofrer, a qualquer momento, um ataque psíquico como aquele que matou milhões ao redor dele.

E quando pensávamos que o episódio seria apenas uma exploração da vida de Wade que nos levasse a compreender melhor a força do medo naquele mundo, no nosso, e na narrativa, eis que entra em cena a maravilhosa Paula Malcomson (se você nunca viu Ray Donovan ou Deadwood há, obviamente, algo de muito errado com sua vida) com uma misteriosa personagem que, obviamente, é mais do que aparenta. Através dela, e de sua manipulação de Wade, a trama dá um salto e avança, recorrendo, na hora certa, e no tom preciso, a diálogos expositivos necessários. Nada que, para um observador atento, seja de fato muito espantoso. Mas que para Wade Tillman, é uma revelação devastadora. Assim como o seria para o mundo. O mundo, afinal, não sabe que o ataque extradimensional da lula alienígena foi apenas uma farsa, um plano audacioso elaborado por Adrian Veidt (Jeremy Irons) para impedir um holocausto nuclear. É o próprio Ozymandias, em um vídeo gravado para o presidente Robert Redford, que revela seu plano. E na expressão de Tim Blake Nelson, um dos melhores atores de sua geração, percebemos um profundo desespero que transita entre a libertação diante da verdade e o terror absoluto, ambos, ironicamente, fonte inesgotável de ansiedade; pois, agora que ele sabe a verdade, o que lhe resta fazer?

Há outros elementos importantes no episódio. A narrativa paralela de Veidt segue se desenvolvendo e confirmamos a localização de seu exílio fora do planeta Terra. Angela e Laurie chegam a um ponto de tensão incontornável na narrativa de ambas, o que levará a Irmã Noite a uma atitude desesperada que deve servir de força motriz dos próximos episódios. Há ainda espaço para um diálogo sutilmente carregado de sarcasmo sobre o 11 de Setembro, com direito a uma deliciosa piada infame proferida por Michael Imperioli que muito poucos teriam coragem de fazer. Mas é sem dúvida a capacidade de tematizar o medo, de forma tão contundente, em um cenário tão complexo, como uma ferramenta de poder, onde reside o sucesso desse episódio. Em um filme da década de 2002 chamado Tiros em Columbine (Bowling for Columbine), o cineasta Michael Moore traz uma surpreendente investigação acerca das relações entre o medo e o poder nos EUA. Em tempos como os que vivemos, nada mais atual.

Cabe registrar, por fim, a forma impressionante como Damon Lindelof se apropriou de Watchmen. Lindelof demonstra não apenas uma compreensão total do conteúdo, mas, sobretudo, daquilo que mais desafia aqueles que ousaram tentar adaptar a obra: sua forma. Watchmen é uma obra que explora como poucas as possibilidades narrativas de sua mídia, a arte sequencial, para contar múltiplas linhas narrativas que funcionam em diversos níveis estruturais. Texto, subtexto, trama, visual, cada elemento é meticulosamente planejado e exposto por Alan Moore e Dave Gibbons para contar mais do que uma história; para entregar uma experiência reveladora que nos proporcione algum tipo de reflexão e mensagem. É isso que a alça ao patamar de obra de arte. Ao entender que arte sequencial e teledramaturgia são linguagens totalmente distintas – coisa que Zack Snyder nunca compreendeu bem – Lindelof consegue transpor essa estrutura quase que com perfeição para a série de TV. Um feito, sem dúvida, digno de nossas reverências. Se ainda havia algum purista preocupado com a adaptação da obra original, creio que agora, definitivamente, pode se despreocupar. Watchmen de Lindelof é uma obra criativa, original e instigante que não deixa nada a desejar a obra original e, mais ainda, faz o uso de uma grande mídia do século XXI quase tão bem como a obra original fez com a grande mídia do século XX.



Série: Watchmen
Temporada:
Episódio: 05
Título: Little Fear of Lightning
Roteiro: Damon Lindelof e Carly Wray
Direção: Steph Green
Elenco: Regina King, Don Johnson, Tim Blake Nelson, Yahya Abdul-Mateen II, Andrew Howard, Jacob Ming-Trent, Tom Mison, Sara Vickers, Dylan Schombing, Louis Gossett Jr., Jeremy Irons, Jean Smart, Adelaide Clemens, Hong Chau e James Wolk

Mário Bastos

Quadrinista e escritor frustrado (como vocês bem sabem esses são os "melhores" críticos). Amante de histórias de ficção histórica, ficção científica e fantasia, gostaria de escrever como Neil Gaiman, Grant Morrison, Bernard Cornwell ou Alan Moore, mas tudo que consegue fazer mesmo é mestrar RPG para seus amigos nerds há mais de vinte anos. Nas horas vagas é filósofo e professor.

2 comentários sobre “Review | Watchmen S01E05 – Little fear of Lightning

  1. Bom texto! Mas só uma pequena correção: na verdade, quando ouvimos o trovão, o raio já caiu – já que a luz é mais rápida do que o som – então, tecnicamente, é o trovão que vem depois do raio. Mas eu entendi o raciocínio.

  2. ‘Lindolof’ está demais e este episódio me lembrou os melhores de Leftovers, vi até aqui o melhor episódio da série. A forma como trabalha com o tema “medo como ferramenta de governo” mas também como trabalha com o que é real e não é, é impressionante.

    Espetacular.

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