Crítica | Alien: Covenant
Alien: Covenant leva a franquia em uma outra direção. Falta apenas os fãs entenderem isso para se divertirem mais um pouco.
Devo confessar que, depois do excelente resultado de Perdido em Marte (The Martian, 2016) minhas expectativas para Alien: Covenant estavam acima da média. E devo afirmar que não me desapontei.
Talvez essas mesmas expectativas, porém, tenham levado muitos a receber tão mal esse novo capítulo da franquia inaugurada pelo mesmo Ridley Scott em 1979. Ao que parece, em uma medida ou outra, a sombra da sua criatura ainda atormenta a criação de Ridley Scott. Curiosamente, é exatamente sobre a relação criador e criatura que Alien: Covenant trata. E como essa relação pode ser um tormento.
Afinal, se há uma coisa que atormenta Alien: Covenant, é justamente o filme original. O Alien de 1979 tornou-se um clássico do cinema e a grande referência numa mistura de dois gêneros: o horror e a ficção-científica. Scott é celebrado, no filme original, por conduzir todo o filme original em um clima de terror que recorre mais a sugestão do que à exposição, e que só mostra o seu monstro nos últimos minutos da película, e ainda assim sempre de relance e rapidamente.
Isso mudou com a sequência de James Cameron (Aliens, o Resgate, 1986) que até apresentou uma rainha e um sentido de organização de uma espécie, introduzindo novos elementos na franquia. Os outros filmes também seguiram introduzindo novos elementos, e à medida que outros aspectos da criatura – o xenomorfo saído da imaginação de H.R. Giger – eram explorados, reduzindo progressivamente o mistério em torno dela. Ora, como bem sabe Scott, e é exatamente isso que ele explora no primeiro filme, o tipo de horror de filmes de criaturas é inversamente proporcional ao conhecimento que a audiência tem sobre ela.
Enquanto uma ameaça conhecida, muito do apelo de horror do xenomorfo se reduziu. Como comprovaram os malfadados AvPs, o monstro que instilou pesadelos em toda uma geração tornou-se apenas um obstáculo, um inimigo genérico, em um filme de aventura. Uma fórmula claramente desgastada. Porém, curiosamente, a nostalgia que atormenta fãs e realizadores continuava a exigir que o horror do original, impossivelmente, voltasse a reinar em nossos corações.
A busca por essa nostalgia, talvez, impeça um pouco esses fãs de enxergar o que Scott já parecia ter enxergado desde Prometheus (o filme que antecede a esse): existe um limite para se explorar o horror de criatura em uma franquia sem que a fórmula fique desgastada. Assim, como Prometheus já insinuava, Alien: Covenant se move em outra direção no quesito horror, e se ao fã da franquia for possível se desapegar de suas expectativas e frustrações, talvez consiga enxergar coisas bastante interessantes nesse novo capítulo da franquia.
Contemplem minhas obras, ó poderosos, e desesperai-vos
Afinal, se essa resistência de comparação for superada, o fã da franquia conseguirá perceber que Alien: Covenant é recheado de referências sobre o dilema da relação criador/criatura e, mais indo, sobre a relação do homem com o “divino”. Covenant, não é título do filme apenas pelo fato desse ser o nome da nave de colonos que leva os personagens; trata-se também de uma referência à Arca da Aliança[1] que simboliza o pacto de Deus com os homens que, em troca da devoção, não mais destruiria o mundo com o dilúvio.
As referências não param aí: temos uma cena de funeral que nos remete diretamente aos ritos egípcios e uma citação de Ozymandias[2] do poeta Percy Bysshe Shelley[3] que tem como tema o faraó Ramsés II e a decadência até mesmo daqueles que possuem poderes divinos; temos ainda uma paráfrase de Paraíso Perdido (Paradise Lost), famosa obra de John Milton que narra a rebelião de Lúcifer contra seu criador, Deus.
Mas talvez a referência mais importante, em sons, imagens e sentidos, venha da mitologia nórdica: a nave Covenant possui um sistema de “velas” que se abrem para captar energia solar. A cena das velas se abrindo é uma clara evocação de um navio viking. Não por acaso, a música do compositor alemão Wagner[4] com a peça que anuncia a entrada dos deuses no Valhalla, ocupa espaço especial na narrativa.
Uma narrativa que, desde o início – desde Prometheus – fala da busca do homem por Deus, seu criador, e de todas as desgraças que podem acompanhar essa forma de profanação. Essa busca, que no filme se estabelece como uma tensão prolongada e obsessiva que permeia toda a história, tem relação direta com o amadurecimento e busca da identidade, e está perfeitamente sintetizada na melhor cena do filme, o diálogo entre Guy Pearce e Michael Fassbender logo nos primeiros minutos da projeção.
E por falar em Fassbender, ele mais uma vez se destaca no filme. De longe ele tem as melhores falas, as melhores cenas e os melhores personagens. Fassbender carrega o filem nas costas, ante um elenco de bons atores, mas que são muito mal aproveitados por Ridley Scott. Esse mau aproveitamento se torna bastante evidente quando nos damos conta de que estamos nos relacionando mais com o personagem de Danny McBride do que com a da protagonista Katherine Waterston, que é apresentada como uma Ripley genérica.
O filme, assim, peca nesse ponto, bem como peca em tantos outros. Há grandes incongruências no roteiro, principalmente nas ações e reações dos personagens que compõem a tripulação da Covenant, porém seria exagero afirmar que se trata de uma exclusividade desse filme. A bem da verdade, todos os filmes da série Alien, e mesmo todos os filmes de horror, contam muito com alguma forçada de barra e estupidez dos personagens.
O que Scott poderia, porém, já ter assumido – e parece temer fazer – é que o xenomorfo se tornou apenas um detalhe em sua franquia. A ameaça agora é outra, o tipo de monstro que enfrentamos é de outra espécie, o horror em questão é diferente. Assim, quando a criatura surge, ela o faz sem qualquer impacto. É apenas um adversário, ou melhor, uma espécie de capanga do inimigo.
Isso, sem dúvida, incomodará profundamente os mais nostálgicos. Scott deveria, enfim, assumir por inteiro um outro rumo e expor claramente à sua audiência que a história que ele quer contar – e é bom que assim o seja – segui em outro sentido e que ela não precisa mais do monstro. Ou pelo menos, não daquele tipo de monstro.
[1] É isso mesmo que você está pensando: é aquela mesma de Indiana Jones e os Caçadores da Arca perdida (mas infelizmente não há nazistas nesse filme). Observe inclusive que o símbolo que aparece nos uniformes e computador da nave é muito parecido com o símbolo da Arca da Aliança.
[2] O poema em questão também é usado em Watchmen de Alan Moore, e também dá nome a uma dos personagens daquela história.
[3] Não sei se é uma coincidência, mas Shelley também é sobrenome da esposa de Byron, que é a autora de Frankenstein que, evidentemente, também serve como importante referência da relação criador/criatura.
[4] Pensando bem, os nazistas até que estão bem representados nessa película.
Uma frase: “Contemplem minhas obras, ó poderosos, e desesperai-vos!”
Uma cena: David questiona o seu criador, Peter Weyland.
Uma curiosidade: O filme é recheado de referências à relação entre criador e criatura, homem e Deus. Inicialmente o nome do filme seria Alien: Paradise Lost, em uma clara referência ao famoso poema de John Milton que narra a queda de Lúcifer; uma das mais famosas frases do texto de Milton não deixa de ser citada no filme: melhor reinar no inferno, do que servir no paraíso.
Alien: Covenant
Direção: Ridley Scott
Roteiro: Jack Paglen, Michael Green, John Logan e Dante Harper
Elenco: Michael Fassbender, Katherine Waterston, Billy Crudup, Danny McBride, Carmen Ejogo, James Franco e Guy Pearce.
Gênero: Ficção Cinetífica, Horror, Thriller.
Ano: 2017
Duração: 122 minutos.
Graus de KB: 1²! Michael Fassbender e Kevin Bacon estiveram juntinhos em X: First Class (2011); Katherine Waterston, Billy Crudup e Kevin Bacon atuaram juntos em Sleepers (1996).
Colocar a culpa dos erros deste filme nos outros filmes da franquia e assumir que isso não é um problema é mascarar, em minha opinião fecal, a fragilidade que é esse Alien Covenant. Concordo que Fassbender broca e achei que a expansão da mitologia Alien, mais precisamente as origens e o elo com o filme clássico, é muito interessante, mas ainda assim é (mais) uma trama amarrada por uma tripulação de gente burra, fazendo cagadas inimagináveis para alguém que está numa missão com tamanha complexidade e importância.
E o plot-twist jovem? Pelo amor de Jah, Na primeira cena dos “envolvidos” você já mata o que vai rolar. Achei que ficou devendo ainda que sua classificação esteja próxima a minha
Você está muito amargo.
Nenhum coração amargo relevaria aquelas maluquices no Rei Arthur de Guy Ritchie e se divertiria tanto.
Eu só não tenho paciência pra uma tripulação altamente especializada em ideias erradas e fazer merda no espaço hehee
No futuro eles são menos criteriosos com os astronautas. Me diz se o físico de Danny McBride é lá de alguém que costuma passar nas seleções da NASA. Hehehe.
(Se prepare para o texto de Rei Artur! Vai ser sucesso crítico!)
Acho que não é culpar os erros desse filme e comparar com os dos outros. Os erros estão aí e o problema é que quando são os outros filmes, se fecha os olhos e a veneração cega. Tipo, é um clássico, os erros se justificam. O problema é que essas mesmas pessoas estavam esperando um novo Alien, um novo clássico, algo divisor de águas… não foi. Alien já foi revolucionário suficiente por entrar o hall dos filmes onde – por incrível que pareça – a continuação foi melhor que o primeiro. Isso já coloca ele na mesma lista de O Poderoso Chefão! Então vamos respirar fundo e ter um pouco de amor no coração 🙂
Isso Dani! Me defenda (e a Ridley Scott).
Sério que era pra ser um plot Twist? Achei que estava óbvio.
Este texto me representa!
🙂
Texto muito bem escrito…. discordo do teor mas Você os expôs com muita clareza. Infelizmente detestei ( o filme): avacalhação total do clássico. Não dá pra separar as coisas….
Valeu meu velho! Grato pela contribuição. E pela discordância.