A Nostalgia Era Melhor Antigamente: Batman — Retorno ao Asilo Arkham

A Nostalgia Era Melhor Antigamente: Batman — Retorno ao Asilo Arkham

Seja bem vindo à coluna A Nostalgia era Melhor Antigamente, na qual eu covardemente analiso histórias escritas em outro contexto e aponto incongruências inaceitáveis em um gibi sobre um homem vestido de morcego que invade um hospital de custódia com orçamento de agência espacial.

No episódio de hoje entenderemos como funciona o procedimento sumariíssimo do incidente de insanidade mental em Gotham City, aprenderemos inovadoras técnicas de terapia psiquiátrica e descobriremos que o custo de vida em Gotham é tão alto que morar num manicômio não é mau negócio.

Batman: Retorno ao Asilo Arkham

Roteiro: Alan Grant

Arte: Norm Breyfogle

Cores: Adrienne Roy

Publicado no Brasil pela Editora Abril

Nossa história começa com o Asilo Arkham sendo reformado, porque foram necessárias algumas décadas até alguém perceber que salas escuras com decoração gótica não são exatamente o melhor ambiente para tratar pacientes com transtorno mental.

É quase como se o asilo fosse uma instituição cuidadosamente pensada para manter os pacientes permanentemente desequilibrados, para que eventualmente fujam e cometam novos delitos, assim justificando a existência de um vigilante violento e opressor.

O responsável pela reforma do asilo é o seu novo diretor, Dr. Jeremiah Arkham, que descobriu sua vocação para a psiquiatria aos 16 anos, quando praticou o crime de indução ao suicídio em um sujeito que muito claramente não estava em posse das suas faculdades mentais.

Evidentemente Jeremiah conseguiu o cargo por merecimento, e não por ser da família que dá nome à instituição

Não obstante seja um psiquiatra que expressamente afirma achar a mente humana “um tédio”, a ideia de Jeremiah é válida: ficar internado em um lugar sombrio e opressivo deve ser tenso mesmo que você não tenha como colega de quarto um palhaço homicida, um ventríloquo psicótico ou Supla, então me parece salutar criar um espaço mais propício ao tratamento da saúde mental.

Assim, na intenção de criar um ambiente mais acolhedor, o novo projeto do Arkham é baseado no labirinto clássico e nos círculos do inferno de Dante, porque nada evoca saúde mental como uma referência a lágrimas de condenados e rios de sangue.

As técnicas do Dr. Jeremiah envolvem ainda privação do sono e simulação de ataques por predadores, além da eventual surra – ou seja, tudo dentro do esperado para alguém que se orgulha em dizer que decidiu seguir a carreira médica ao testemunhar uma pessoa explodindo a própria cabeça com uma escopeta.

Mantido na instituição está também o assassino em série Sr. Zsasz, que certamente nem tomou conhecimento das amplas e arejadas novas instalações do asilo, eis que é mantido dentro de um tubo com abertura apenas para a sua boca.

Acima: terapia

O mais inesperado, contudo, é deixado para o final: dentre os internos está ninguém menos que o nosso herói Batman, que declara ter havido algum erro na sua internação, afinal ele não é louco – afirmação que perde um pouco de credibilidade quando é feita aos gritos por um homem vestido de morcego tentando arrancar uma corrente aparafusada na parede.

“Só estou levemente desidratado”

Em um flashback, contudo, nós descobrimos a verdade: em conluio com o Comissário Gordon, o homem morcego forjou o cometimento de um crime para ser internado no asilo, a fim de descobrir se o Sr. Zsasz está fugindo do cárcere para cometer assassinatos em Gotham e, por alguma razão, voluntariamente retornando à sua cela depois.

Pra ser justo, são três refeições ao dia e não tem que pagar aluguel

É claro que o fato de o Cavaleiro das Trevas ter deliberadamente provocado a própria internação não necessariamente significa que ele não seja louco. Aliás, “sanidade” não é a primeira palavra que me vem à mente quando percebo que o plano dele consiste em ficar preso numa cela diferente da pessoa a ser investigada, em vez de, sei lá, procurar falhas na segurança, colocar novas câmeras, interrogar guardas ou entrar sorrateiramente no manicômio sem precisar ser preso.

Se bem que a segurança é intransponível, afinal quem pensaria em subornar dois guardas?

Em todo caso, para conseguir a internação, nosso herói se vale do curioso e sumário processo penal do universo DC, que permite ao Comissário de Polícia declarar o Batman como insano e determinar seu imediato encaminhamento ao asilo, dispensando burocracias inúteis como laudos psiquiátricos, processos, juízes, Ministério Público, essas coisas.

Destaque também para o legista que em algum momento falou “bom, se o comissário disse que tá morto é porque tá morto, né? Vou nem examinar”

Vale notar também que, para evitar vazamentos, o plano envolve apenas o Comissário Gordon e o detetive Kitch, que finge morrer nas mãos do homem morcego. Os outros policiais, que estavam apenas fazendo seu trabalho, portanto, levaram porrada de graça.

Vai ver o Batman só queria dar porrada em uns poliça mesmo

Alheio a todos esses conchavos está o herói Asa Noturna, que decide entrar sorrateiramente no Arkham para encontrar o Batman, assim levantando a questão de que, se era possível entrar no asilo sem ser visto, pra que diabos fazer toda uma armação para ser internado?

Como o Batman já providenciou a fuga da própria cela, os dois acabam se encontrando em um duto de ar condicionado espaçoso o bastante para um homem adulto passar, algo que me parece pouco condizente com a segurança supostamente intransponível da instituição.

A dupla então invade o escritório do diretor Jeremiah, buscando alguma indicação de que ele estaria facilitando as escapadas do Sr. Zsasz, e acaba se deparando com um curioso sistema de segurança que informa o próprio invasor que ele está invadindo.


Se não ficar enchendo o saco com notificações o tempo todo já é melhor que o Avast

O alerta aciona os enfermeiros, todos fortes e armados com cassetetes, conforme recomenda a OMS, que acabam recapturando o Batman e o enviando de volta para sua cela para sofrer novas torturas terapêuticas.

Já Asa Noturna mais uma vez comprova que não há qualquer dificuldade em entrar e sair do asilo conforme a sua conveniência.

Para não dizer que não falei de flores, devo destacar que, por sugestão do próprio Sr. Zsasz, o tratamento do Dr. Jeremiah não envolve apenas tortura: no que talvez seja algum tipo de reforço positivo, ele proporciona ao homem morcego um de seus passatempos preferidos: espancar doentes mentais.

É tipo um open bar de sadismo

Enquanto isso, nós descobrimos que o Sr. Zsasz está de fato fugindo diariamente do asilo para cometer assassinatos, mais uma vez demonstrando que a segurança do Arkham é tão inexpugnável quanto um saco de papel molhado.

Para conseguir isso, Zsasz subornou o engenheiro responsável pela construção do prédio, para que ele fizesse um túnel escondido ligando a cela ao sistema de esgoto do asilo. 

Como o engenheiro conseguiu descobrir em qual cela especificamente o Sr. Zsasz seria encarcerado e como ele conseguiu fazer o túnel pessoalmente, sem que os demais trabalhadores da obra descobrissem, permanece um mistério.

Vale notar que tudo isso é descoberto por Asa Noturna do lado de fora, mais uma vez nos fazendo perguntar pra que diabos o Cavaleiro das Trevas forçou o próprio recolhimento ao asilo, até porque ele tem mansão própria e não precisa se preocupar com aluguel.

Trama aliás que foi descoberta por Asa Noturna apenas porque o sujeito é engenheiro e não bibliotecário

O homem morcego então volta a fugir da clausura – que a uma altura dessas nem devia estar trancada, já que não faz diferença mesmo – recaptura o criminoso e esclarece para o diretor do asilo que a sua internação não passou de uma farsa elaborada e desnecessária para investigar os crimes.

A *única* maneira de descobrir

Essa revelação faz com que Jeremiah Arkham comece a questionar se não estaria ele mesmo ficando louco, algo que já deveria ter ponderado quando deu ouvidos a um assassino serial sobre a melhor forma de tratar um paciente com transtornos mentais.

Pra ser honesto, é bem possível que ele esteja certo. Distúrbios mentais são mais comuns do que parecem, mesmo para quem não se veste de morcego e invade uma masmorra psiquiátrica: só no Brasil 86% das pessoas têm algum tipo de transtorno — como depressão ou ansiedade — e como o Batman já se declarou mentalmente são, as estatísticas estão contra o doutor.

Não que esse autodiagnóstico seja dos mais confiáveis

Preocupar-se com sua saúde mental é tão importante quanto com a saúde física, sobretudo nesses tempos loucos que vivemos. Ainda vão alguns anos até entendermos completamente todo o desgraçamento mental que a pandemia nos trouxe, e não há vergonha nenhuma em admitir um problema que é mais comum do que muita gente acha.

Você não precisa usar um collant de morcego (mas se quiser pode) ou ser o maior detetive do mundo para perceber quando as coisas não vão bem — às vezes acontece, temos dias ruins e não há nada de errado nisso. Mas, quando ocorrer, você não tem que sofrer sozinho; procure auxílio, fale com amigos, com parentes, com um médico de sua confiança ou com profissionais treinados.

Doenças mentais são tratáveis.

Você não está só.

Centro de Valorização da Vida:

www.cvv.org.br/

ou ligue gratuitamente para 188

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Para Leo.

Fica bem, meu amigo.

Lionel Leal

Canto como Lionel Messi, jogo bola como Lionel Richie.

8 comentários sobre “A Nostalgia Era Melhor Antigamente: Batman — Retorno ao Asilo Arkham

  1. O plano de se fingir maluco para entrar no asilo vindo de uma pessoa que se fantasia de morcego para combater o crime faz bastante “sentido” dentro da lógico desse ser humano. Curioso é que ele nem pensou na questão de revelar a identidade secreta e o pessoal do Arkham manteve ele lá de boas sem nem se incomodar com isso.

    E sim, parabéns mais uma vez pelo texto comprovando mais uma vez o motivo dessa coluna ser a melhor da Internet.

    1. Até tem um momento que Jeremiah fala que não vai desmascarar o Batman, alegando que o próprio herói vai decidir fazê-lo quando for a hora.
      Como Batman adivinhou previamente que isso aconteceria, no entanto, não fica claro.

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