Review | Westworld – S04E05 – Zhuangzi

Review | Westworld – S04E05 – Zhuangzi

Velhos e Novos Deuses, e os mesmos erros de sempre.

Westworld sempre esteve em seu melhor quando abraçou integralmente as reflexões que melhor caracterizam a ficção científica. Através da série temas como livre-arbítrio, existência, vida e morte foram explorados em diversos níveis de complexidade e muitas vezes com inusitada beleza. Mas o tema que talvez mais tenha se destacado na série em seu princípio tenha sido o dilema tipicamente moderno da tensão entre criador e criatura, que tem no Frankenstein de Mary Shelley seu maior expoente. Em Zhuangzi, porém, esse dilema foi explorado com maestria através da perspectiva da divindade, ou melhor, de que forma se sustenta a possibilidade de ser um Deus. 

[button-red url=”#” target=”_self” position=””]Aviso de SPOILERS[/button-red]

Os comentários a seguir falam sobre acontecimentos encontrados em Zhuangzi, o quinto episódio da quarta temporada de Westworld.

Na primeira temporada esse papel coube ao inesquecível Dr. Ford de Anthony Hopkins. Agora, em uma rima direta – ainda que nada sutil, muito bem orquestrada – com a primeira temporada vemos esse papel repousar sobre os ombros de Charlotte Hale, vivida pela talentosíssima Tessa Thompson. Então, Dr. Ford controlava como um Deus caminhando sobre as areias de Westworld uma totalidade de Anfitriões. Agora, é Charlores que comanda literalmente a dança macabra do poder, e como um Deus entre os mortais ela se questiona acerca dos fins da existência de sua criação e, por conseguinte, de si mesma. 

Em Zhuangzi a série dá importante passo no desenvolvimento da narrativa que raramente vemos em outras. Charlores, o grande vilão, enfim venceu e submeteu os humanos a seus “violent desires“. A questão que permanece é: e agora? Era só isso? Foi por isso que lutamos e sofremos tanto? Não raro esse é um questionamento que costuma afetar aqueles que sucumbem a uma obsessão e finalmente se veem esvaziados ao desgraçadamente conseguirem cumprir seu objetivo. 

A grande inquietação de Charlores, aliás, emana do centro de outra questão filosófica recorrente e, até certo ponto, definidora de Westworld: o que significa ser “humano”? Em dado momento a personagem se inquieta com a compreensão de que, ainda que ela tenha criado a sua espécie dotados da liberdade e capacidade de se tornar qualquer coisa, tudo que eles parecem querer almejar a ser são humanos. É um contraste direto com os Anfitriões que encontraram refúgio no Sublime, sem dúvida. 

Na esteira dessa inquietação temos dois outros desenvolvimentos de personagens de extrema importância e que devem marcar até mesmo o fim da própria. Me refiro aqui a Christina (Evan Rachel Wood) e o Homem de Preto (Ed Harris).

Na maior parte das mitologias monoteístas, quando o ser demiúrgico (o Deus, todo-poderoso e criador) se percebe sozinho, ele cria o outro para aplacar sua solidão. Outro que, diferente de seus servos, seja igual a ele. A ironia de ser todo-poderoso e capaz até mesmo de criar outro ser todo-poderoso para aplacar a solidão é evidente: no momento em que o outro surge, o demiurgo não é mais o único e seu status de todo-poderoso necessariamente se coloca em conflito. O outro, aliás, costuma ser com muita razão, o oposto, o inimigo, o adversário, o duplo, o antagonista. Em diversas mitologias o adversário “personifica” o mal, na medida em que o criador é a fonte do bem. Mas aqui, em Westworld, Charlores é o “mal”, e sua antagonista, Christina, é o bem. 

Christina parece ter sido criada por Charlotte como uma espécie de lembrança de um tempo mais puro. Christina parece, em suma, ser a consciência de Dolores, sem as memórias dela, pelo menos até antes do ponto em que todos os desejos violentos da humanidade sobre ela levaram a fins violentos que a transformaram (e em muitos sentidos, a desfiguraram) para sempre. Como uma mãe zelosa, Charlores monitora Christina de longe, mas sempre ávida por novas informações. Charlores, enfim, sente mais do que solidão, mas uma enorme saudade daquilo que ela foi algum dia. 

Não é por acaso que o “despertar” de Christina também se consolida nesse episódio. Ela se dá conta do imenso poder que possui e de que é ela “A” Narradora da história. E isso, evidentemente, a coloca em rota direta de colisão com sua criadora, ou melhor, consigo mesma, como bem lembra o redivivo Teddy (James Marsden). Em suma, um embate de um ser divino consigo mesmo. 

O Homem de Preto, por outro lado, é o personagem que sintetiza o próprio Westworld. No original que inspirou a série, o andróide que personifica o arquétipo do misterioso e implacável pistoleiro de negro – ele próprio uma alegoria para a morte – entra em pane e começa a espalhar caos e terror pelo parque temático que dá nome ao filme. Aqui, o personagem vivido com um peculiar misto de cinismo e ingenuidade por Ed Harris foi construído em camadas e etapas desde a primeira temporada. Primeiro ele era um homem que primeiro se ergue ao ápice para ser derrubado pelo próprio ego e cair em derrocada, para só então ressurgir como um ser sintético. Na verdade, sabemos, o Homem de Preto é o duplo de William. Ele também é um antagonista, um vilão a princípio, o que levanta a possibilidade de que o Homem de Preto Anfitrião talvez seja, afinal, algo mais próximo de um aliado do que de um inimigo para os “heróis” da trama.

O certo é que o Homem de Preto parece ter de fato chegado ao meio do labirinto. E chegar ao meio do labirinto, em Westworld, significa não apenas a tomada de consciência, mas a subida percepção do processo de tomada de consciência; ou seja, a própria consciência acerca da existência da consciência e, assim sendo, de suas implicações. Não basta apenas existir ou viver. Coisas simplesmente existem. Animais simplesmente vivem. Mas aqueles que existem, vivem e se reconhecem como “pessoas” – sejam elas Humanas ou Anfitriões – estão eternamente condenados à maldição da consciência. Algo que para ser inevitável, até mesmo para Deuses. E, sem dúvida, mais do que adequado para uma série de TV como Westworld.



Westworld

Temporada:
Episódio: 05
Título: Zhuangzi
Roteiro: Wes Humphrey e Lisa Joy
Direção: Craig William Macneill
Elenco: Evan Rachel Wood, Thandiwe Newton, Jeffrey Wright, Tessa Thompson, Aaron Paul, Angela Sarafyan e Ed Harris
Exibição original: 24 de julho de 2022 – HBO

Mário Bastos

Quadrinista e escritor frustrado (como vocês bem sabem esses são os "melhores" críticos). Amante de histórias de ficção histórica, ficção científica e fantasia, gostaria de escrever como Neil Gaiman, Grant Morrison, Bernard Cornwell ou Alan Moore, mas tudo que consegue fazer mesmo é mestrar RPG para seus amigos nerds há mais de vinte anos. Nas horas vagas é filósofo e professor.

Um comentário em “Review | Westworld – S04E05 – Zhuangzi

  1. Bom ver MB empolgado com Westworld e também em escrever sobre a série.
    No texto sobre esse episódio MB achou um equilíbrio melhor entre a reflexão e citações do episódio, mas está mais sutil do que a série em si.

    Para mim esse foi o melhor episódio da temporada até agora, onde todas as cartas foram colocas na mesa do Texas Hold´em, agora é ver o que cada personagem tem na mão e quem vai vencer.

    A cena da dança me chamou a atenção por causa da música de Lou Reed, “Perfect Day”, que estava sendo executada. Talvez a letra da música defina bem o que se passava na cabeça de “Charlores”.

    E o nome do episódio ser Zhuangzi também me chamou a atenção, quando ao pesquisar sobre o que era e descobrir que é tipo uma “bíblia” que serviu de influência na criação do budismo. Talvez se encaixe bem na temática dos “deuses” que o episódio falou e que MB falou um pouco no texto.

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