Crítica | Boa sorte, Leo Grande

Crítica | Boa sorte, Leo Grande

Sensibilidade e delicadeza retratam o mais novo filme estrelado por Emma Thompson intitulado Boa sorte, Leo Grande (Good luck to you, Leo Grande). Abordando temáticas tidas como tabus sociais como sexo por profissão, orgasmo feminino e pressão estética, o longa releva toda a brandura da roteirista Katy Brand e da direção de Sophie Hyde. Com duas atuações incríveis de Thompson e Daryl MacCormack, o filme dispensa grandes cenários e trilhas sonoras elaboradas, e investe em um roteiro profundo e altamente reflexivo.

Uma professora conservadora de meia idade aposentada. Um jovem e belo profissional do sexo. Um quarto de hotel. Esse é o cenário e estes são os dois únicos personagens de Boa sorte, Leo Grande. O filme aposta em diálogos por vezes perturbadores e incômodos para trazer à luz importantes questões que passaram da hora de serem discutidas e refletidas com profundidade no cinema. Cansada de uma vida tediosa e disposta a se descobrir, a viúva, Nancy Strokes (Emma Thompson), contrata o jovem Leo Grande, um profissional do sexo.

A despretensão do roteiro, a atuação e a química entre os atores transformam o drama em uma peça quase teatral, a qual coloca o espectador em uma posição que não pode ser outra que não a auto-reflexão e autocrítica. Após a morte do marido, Nancy revela que o casamento de mais de 30 anos nunca foi uma aventura amorosa e tampouco com descobertas sexuais prazerosas. Eu nunca senti um orgasmo”, revela Nancy ao afirmar que sempre fica desapontada quando o assunto é sexo.

Apesar de quase ser ofuscado pela interpretação delicada e dramática de Emma Thompson, Daryl McCormack (Leo Grande) surpreende e entrega uma excelente atuação à altura do roteiro e das temáticas levantadas. Leo aparenta autoconfiança e experiência sexual enquanto busca deixar Nancy confortável com ele e consigo mesma. Mas é quando está sozinho que revela sutilmente as incertezas e inseguranças naturais de sua idade, momento em que o espectador entende que Leo é tão humanizado quanto Nancy. Leo e Nancy trazem à tona discussões sobre a maternidade de ambas as perspectivas (mãe e filho), denotando que, apesar de muito diferentes, têm muito em comum.

Durante os diálogos, o casal discute questões éticas e morais que envolvem o sexo como profissão, trazendo à baila o debate sobre a legalização de serviços das e dos trabalhadores do sexo e todo o estigma que acompanha a profissão. O limite social do que é aceitável ou não torna estes profissionais não apenas vulneráveis a violências de toda sorte, como também os torna solitários e com grandes dificuldades de manter laços afetivos. A vulnerabilidade não aparente de Leo, interpretada com sensibilidade e sutileza por McCormack, é revelada gradualmente durante os encontros.

Já Nancy fica cada vez mais confortável consigo mesma, o que se nota não apenas pelas expressões corporais e faciais mais relaxadas, como também pelas roupas e cores que veste. Os diálogos entre os dois flui naturalmente, ainda que permeados, por vezes, de conflitos internos. [SPOILER] Destaque para a cena em que a professora vai às lágrimas quando descreve o sexo mecânico e sem reciprocidade de prazer que fazia com o marido durante 32 anos [FIM DO SPOILER].

Boa sorte, Leo Grande é um filmaço. Emma Thompson quebra tabu atrás de tabu com cenas emocionantes e diálogos afetivos que buscam a profundidade de mentes em desconstrução do machismo e de crenças estruturantes. O longa é uma ode à naturalização do envelhecimento feminino, à necessidade do debate sobre políticas públicas para profissionais do sexo e marca com delicadeza e assertividade a violenta pressão estética feminina. O olhar para a maternidade como um peso e ao mesmo tempo a perspectiva do filho que enxerga a decepção materna também faz parte do excelente arcabouço temático do longa. Vale muito a pena.


Uma frase: “Às vezes meus filhos são como um peso morto em volta do meu pescoço.”

Uma cena: A cena final em que Nancy se olha no espelho.

Uma curiosidade: O filme foi filmado em ordem, para que os atores principais progredissem com seus personagens. E foi filmado em 19 dias, com uma média de 12 páginas do roteiro por dia.


Boa Sorte, Leo Grande (Good Luck to You, Leo Grande)

Direção: Sophie Hyde
Roteiro: Katy Brand
Elenco: Emma Thompson e Daryl McCormack
Gênero: Comédia, Drama
Ano: 2022
Duração: 97 minutos

Elaine Fonseca

Jornalista, servidora pública e nerd.

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