Crítica | Spencer

Crítica | Spencer

Quando soube da produção de um novo filme sobre a princesa Diana experimentei um certo estranhamento. Considerando a qualidade de The Crown e o fato do seriado ter acabado de chegar na época de Diana, fiquei pensando sobre o que de muito diferente essa obra poderia oferecer. Ao terminar de assistir a Spencer percebi que o meu receio era completamente infundado. Essa é uma experiência magnífica e diferenciada. E claro, conta com uma atuação brilhante de Kristen Stewart.

Na concepção de uma cinebiografia, o diretor e os roteiristas precisam optar basicamente entre duas abordagens principais: fazer um relato episódico de vários momentos da vida do biografado ou focar em um curto período de tempo. Particularmente, sinto que a segunda opção rende trabalhos mais bem acabados e memoráveis. É o caso de Spencer. O diretor Pablo Larraín e o roteirista Steven Knight escolheram três dias durante o natal para contar essa história. E sempre a partir da perspectiva da Diana.

As coisas começam em um ritmo mais lento. Vemos sequências um pouco mais longas que mostram vários caminhões chegando na propriedade de Sandringham e levando suprimentos para a cozinha. Os chefes e assistentes então se preparam para cozinhar os banquetes dos próximos dias. Enquanto isso, Diana dirige sozinha tentando chegar até o local. Já nesse início percebemos algumas simbologias e sentimos a atmosfera que Larraín está construindo. Aquele faisão morto que os caminhões passam próximos não é algo à toa.

Logo ao entrar na mansão Diana é solicitada a se pesar. Nada bom para quem sofre de alguns distúrbios alimentares. Desde quando ela coloca seus pés em Sandringham ela é consumida das mais variadas formas. E nós conseguimos nos colocar no lugar dela e compartilhar todas as suas angústias.

As tradições da família real e sua notória frieza são cada vez mais insuportáveis para Diana. As liberdades individuais dela são praticamente abolidas ali dentro. Toda hora alguém bate na sua porta para avisar que faltam tantos minutos para o próximo compromisso. As cortinas do quarto foram costuradas para ela não aparecer no jornal do dia seguinte. Além disso tudo, há o bendito colar de pérolas que Charles deu para ela que é igual ao que ele deu para a amante.

Eis aí um dos muitos simbolismos que já mencionei. Alguns são mais sutis e outros escancarados, mas todos são eficientes ao transmitir as mensagens do filme. O colar é só mais uma das coisas que a sufocam e a prendem a esse destino recheado de crises de ansiedade, desesperança e idas ao banheiro.

Há uma pegada que pende para o suspense e terror com a ambientação que remete ao hotel Overlook de O Iluminado e também com as referências a Ana Bolena, que foi casada com Henrique VIII e foi decapitada por suposta traição.

Para piorar, não é que há um quadro enorme de Henrique VIII na sala de jantar que simboliza de maneira inequívoca toda a opressão que Diana enfrenta?

Spencer talvez não funcionasse tão bem se a atuação de Kristen Stewart não alcançasse tamanho nível de excelência. Como os outros membros da família real não possuem tanta importância no filme, era essencial que ela se destacasse. E assim o fez. A atriz foi elogiada por diversos ex-funcionários que trabalharam com Diana por ter conseguido basicamente se transformar nela. O sotaque, o visual, o caminhar e as expressões estão todos aqui.

Apesar do clima perturbador e tenso na maior parte do tempo, há eventuais respiros quando notamos que alguns funcionários ali realmente se importam com ela. Outro refúgio para Diana é no bom relacionamento com os filhos, algo que lhe oferece momentos de paz e felicidade.

Diana claramente precisava de ajuda naquela época e saber do destino dela deixa o desfecho do filme agridoce como poucas coisas que vi esse ano.

Como é dito no começo de Spencer, essa é uma fábula de uma tragédia real. Aqui não veremos um retrato fiel de coisas que aconteceram, mas sim uma interpretação do que poderia ter ocorrido, inclusive num âmbito psicológico.

Spencer é uma cinebiografia que se destaca por fugir do padrão e por oferecer uma atuação que será comentada por muitos anos.


Uma frase: “Agora me deixe. Eu quero me masturbar. Pode falar isso para todo mundo.”

Uma cena: A inesperada revelação de Maggie.

Uma curiosidade: O antigo guarda-costas de Diana disse que a atuação de Kristen Stewart captou com perfeição os trejeitos dela e foi a que mais se aproximou da realidade


Spencer

Direção: Pablo Larraín
Roteiro: Steven Knight
Elenco: Kristen Stewart, Timothy Spall, Jack Nielsen, Freedie Spry, Jack Farthing, Stella Gonet, Sally Hawkins, Amy Manson
Gênero: Biografia, Drama
Ano: 2021
Duração: 117 minutos
IMDb

Bruno Brauns

Fã de sci-fi que gosta de expor suas opiniões por aí! Oinc!

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