Crítica | Ataque dos Cães

Crítica | Ataque dos Cães

A figura do cowboy é mítica dentro da história do cinema americano e diversos filmes já abordaram esse tipo de personagem, sempre representando o “glamour” masculino. É claro que em outras obras esse papel foi desmitificado, mas “Ataque dos Cães”, novo trabalho da diretora Jane Campion faz um belíssimo estudo de personagem que conta com uma incrível atuação de Benedict Cumberbatch.

Cumberbatch interpreta Phil Burbank, um vaqueiro (melhor usar a palavra em português) que cuida da fazenda da família. Ele apresenta as principais características de um “machão”, onde sempre trata de maneira rude as pessoas ao seu redor e faz pouco caso daqueles que são “diferentes”. É curioso notar inicialmente a relação dele com o irmão George (Jesse Plemons), onde apesar de serem dois homens adultos, dividem o mesmo quarto como se ainda fossem crianças. A única forma que Phil parece ter de demonstrar algum sentimento por ele é através de alguma ofensa, especialmente ao chamá-lo de “gorducho”.

O conflito da narrativa se aprofunda quando George resolve se casar com Rose (Kirsten Dunst), uma viúva que tem um filho já adulto chamado Peter (Kodi Smit-McPhee). Obviamente que Phil não aprova a união, chamando-a de interesseira, e fará de tudo para atormentar a vida da mulher. Contudo, é na relação entre Phil e Peter que surge o ponto mais interessante em “Ataque dos Cães”. Inicialmente Phil também faz ofensas a Peter, criticando o seu jeito delicado de ser, mas depois ele resolve ensinar o garoto a ser um vaqueiro de verdade.

A partir desse ponto é que a obra de Jane Campion apresenta seus maiores trunfos. É curioso notar como os personagens principais do filme não são aquilo que aparentam ser em sua superfície. O roteiro, escrito pela própria Campion, desenvolve os papéis de maneira multidimensional, criando um ótimo estudo de personagens. 

Phil Burbank faz de tudo para parecer um “machão”, chegando até ao ponto de fazer questão de não tomar banho para manter seu cheiro masculino. E esse comportamento nocivo é a forma que “Ataque dos Cães” apresenta para criticar a masculinidade tóxica de maneira brilhante. Na verdade tudo que Phil faz, especialmente a sua homofobia, é para esconder a sua real natureza. Ele é um homem culto, que estudou em uma universidade, mas como um mecanismo de autodefesa ele prefere manter a pose e atormentar todos ao seu redor, para manter sua superioridade e dominação.

A performance de Benedict Cumberbatch é excepcional e ele desenvolve Phil com todas as suas camadas e sutilezas, criando um personagem fascinante. É interessante ver os detalhes da sua atuação, como na cena na qual ele na beira de um rio se suja de lama, para tentar se sentir realmente “sujo”, mas logo em seguida entra no rio para se limpar. Esse tipo de nuance determina o tom da narrativa.

Outro elemento que contribui muito bem para a tonalidade da história é a trilha sonora de Jonny Greenwood, que mistura temas dissonantes com melancolia, ajudando a ilustrar bem a natureza do protagonista e suas contradições.

A questão é que “Ataque dos Cães” muitas vezes é tão sutil, que nem sempre é fácil conseguir captar todas as nuances da narrativa. Muitas vezes o ritmo é mais arrastado e a trama demora um pouco para mostrar a sua real intenção. Mas no final fica claro os objetivos de Jane Campion que usa o gênero faroeste para contar uma história extremamente atual. As atuações fazem toda a diferença e transformam a obra em uma das mais interessantes de 2021.


Uma frase: – Phil Burbank (olhando para as flores de papel): “Bem bem. Não são lindas? Eu me pergunto, que mocinha fez isso?” 

Uma cena: Quando Rose está ensaiando no piano e é “atormentada” por Phil. 

Uma curiosidade: Kirsten Dunst e Benedict Cumberbatch estavam tão interessados ​​em seus personagens que não se falaram durante as filmagens. 


Ataque dos Cães (The Power of the Dog)

Direção: Jane Campion
Roteiro: Jane Campion
Elenco: Benedict Cumberbatch, Kirsten Dunst, Jesse Plemons, Kodi Smit-McPhee, Thomasin McKenzie, Genevieve Lemon, Keith Carradine e Frances Conroy
Gênero: Drama, Romance, Faroeste
Ano: 2021
Duração: 126 minutos

Ramon Prates

Analista de sistemas nascido em Salvador (BA) em 1980, mas atualmente morando em Brasília (DF). Cinema é sem dúvidas o meu hobby favorito. Assisto a filmes desde pequeno influenciado principalmente por meus pais e meu avô materno. Em seguida vem a música, principalmente rock e pop.

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