Review | Goliath – 4ª Temporada

Review | Goliath – 4ª Temporada

A série do advogado interpretado por Billy Bob Thorton e criada por David E. Kelly chega ao fim olhando a morte nos olhos. 

Quando começou, em 2016, Goliath de se apresentava basicamente como mais um dos inúmeros dramas de tribunal que pululam nos canais de TV estadunidense. O diferencial era mesmo as presenças de David E. Kelly (experiente e bem-sucedido produtor de séries de advogado para a TV) e Billy Bob Thorton, o oscarizado e excelente ator (também ex de Angelina Jolie, vale sempre lembrar). E foi esse diferencial que sem dúvida marcou as primeiras temporadas da série. 

Merece destaque, sobretudo, o trabalho de Thorton. Protagonista e produtor da série, o ator nos apresenta um personagem que de tão humano (em todos os sentidos, do pior ao mais excepcional) é capaz de provocar a empatia de quase qualquer pessoa. Billy McBride é a um só tempo um advogado genial e um fracassado; um excelente amigo e um pai ausente; um traste e um sedutor; um babaca e um ser humano de uma delicadeza e generosidade ímpares; um alcoólatra parcamente funcional e um verdadeiro gigante quando o desafio assim o exige. Essas nuances e contradições são todos entregues por Billy Bob Thorton com precisão, sutileza e intensidade numa rara demonstração de controle do seu ofício de ator. Há poucos atores como Thorton por aí, e quando o vemos em atividade fica fácil entender como nem mesmo Angelina Jolie resistiu aos encantos dele. 

[button-red url=”#” target=”_self” position=””]Aviso de SPOILERS[/button-red]

Os comentários a seguir falam sobre acontecimentos narrados na quarta temporada de Goliath.

Na quarta temporada, porém, a série mudou radicalmente o tom e por que não dizer a proposta. Deixou de se sustentar principalmente em sua grande estrela, e em tramas na sua maior parte até bem desenvolvidas, e apostou em um roteiro da melhor qualidade. Denso, crítico e duro, o roteiro da quarta e última temporada da série decide encarar e olhar nos olhos a temática da morte. Claro que esse não é o ponto mais evidente da narrativa, mas o subtexto se orienta pela temática da morte, do luto e da dor de forma tão pungente, e com uma direção tão criativa e atenta a expressá-lo, que é impossível não sermos totalmente engolfados por ele. 

A trama principal, a propósito, traz uma importante discussão acerca da epidemia de opióides que devassa os EUA e o mais novo vilão do capitalismo estadunidense à saúde pública depois da indústria do cigarro: as Big Pharma. Encabeçando com maestria o elenco dos vilões temos o sempre excelente (e marombado) J.K. Simmons, contando ainda com o apoio do lendário Bruce Dern (sim, o pai de Laura Dern, aquela que fez um monte de nerdola sair do sério com hiperespecial manobra Holdo). Haley Joel Osment (ele mesmo, o menininho de “Sexto Sentido”) até tenta acompanhar a dupla de veteranos mas, evidentemente, come muita poeira.

A direção e a fotografia merecem ainda um grande reconhecimento de reproduzir uma atmosfera que transita entre o noir e o onírico, nos entregando um delicioso clima que parece variar de Alfred Hitchcock a David Lynch, com diversas gerências ao clássico do já nomeado mestre do suspense.

No final da terceira temporada vimos Billy McBride tomar um tiro de espingarda. A quarta temporada começa muito tempo depois, com Billy já recuperado e reencontrando sua antiga sócia, Patty (Nina Arianda) em São Francisco, para um grande litígio contra uma gigante do ramo de drogas. Após o misterioso sumiço de um dos principais advogados, Billy é “trazido de volta dos mortos” para ajudar a fechar acordos milionários. Mas ao longo de toda a temporada sonhos e estranhos encontros sugerem uma outra coisa: talvez Billy McBride já esteja morto. Essa é, pelo menos, a minha teoria. Na sua última temporada, a série apresenta de forma lúdica, e muito bonita, não apenas a representação da morte de seu protagonista. Toda a temporada é como um longo processo para Billy purgar seus erros e aceitar que sua vida, enfim, chegou a seu propósito.

Há várias evidências que apontam para isso, mas a que eu mais gosto é como Billy é apresentado na última sequência do julgamento: sentado ao fundo da sala do tribunal do júri com seu terno preto,  silencioso, rosto inexpressivo como uma máscara mortuária, olhando fixamente para os vivos que falam e avisando “eu ainda estou aqui”. Por fim, quando ele olha para os ponteiros do relógio, e finalmente vê “dez para às oito” ao invés de “sete e cinquenta”; e em seguida, a porta que se abre e sua filha Denise (sua tábua de salvação sempre presente em temporadas prévias e, estranhamente ausente desta) saindo da luz, sorridente, em direção. Sim, Billy McBride está morto. E iremos sentir muita falta dele. 



Goliath – 4ª Temporada

Criado por: David E. Kelley e Jonathan Shapiro
Emissora: Amazon Prime Video
Elenco: Billy Bob Thornton, Nina Arianda, Tania Raymonde, Diana Hopper, J. K. Simmons, Geoffrey Arend, Brandon Scott, Jena Malone, Clara Wong e Bruce Dern
Ano: 2021

Mário Bastos

Quadrinista e escritor frustrado (como vocês bem sabem esses são os "melhores" críticos). Amante de histórias de ficção histórica, ficção científica e fantasia, gostaria de escrever como Neil Gaiman, Grant Morrison, Bernard Cornwell ou Alan Moore, mas tudo que consegue fazer mesmo é mestrar RPG para seus amigos nerds há mais de vinte anos. Nas horas vagas é filósofo e professor.

5 comentários sobre “Review | Goliath – 4ª Temporada

  1. Como o colega acima, não gosto dessa coisa de “estadunidense” (seria como chamar o brasileiro de republicofederativense), mas seu texto é bom e capta bem o gran finale da série.
    Um belo – e muito bem produzido – tratado sobre a morte. Pareceu bem atual o discurso final do Billy, quando testemunhava: “As pessoas precisam dar um basta na farmacêuticas”. Acho que lá pela 45° dose de reforço da panaceia super eficiente e, alguém perceberá que a vida está muito parecida com a arte.

    1. Muito obrigado pelo comentário.

      Com relação sobre a inadequação do termo “estadunidense” em comparação com o Brasil, me parece um tanto quanto falacioso, mas não há espaço mesmo aqui para elencar tantas razões.

      Basta lembrar que se trata de um termo legítimo e usado por parte significativa e relevante principalmente no campo das ciências humanas, e até mesmo do Direito.

      Claro, você não é obrigado a concordar com a terminologia, e pode ser sentir à vontade para usar aquela que vem entender

    2. Muito obrigado pelo comentário! Sempre me alegra interações construtivas dos leitores.

      Quanto ao uso pretensamente inadequado do termo “estadunidense” no texto, me parece que sua argumentação é um tanto quanto falaciosa e falha em considerar alguns elementos até bem basilares em sentido lógico. Mas essa discussão não cabe aqui, e seria infrutífero mesmo sequer iniciá-la.

      Basta dizer que o uso do termo estadunidense é amplamente utilizado por inúmeros teóricos relevantes e respeitados nos mais diversos campos científicos, notadamente no campo das ciências humanas, inclusive no Direito. É evidente que você, nem ninguém, é obrigado a usar esse termo, mas isso não significa que o mesmo seja errado ou proibitivo.

      Infelizmente, há quem acredite que certas coisas são inadequadas por um conhecimento genérico, lastreado no senso comum e não é uma compreensão mais madura e fundamentada dos fenômenos históricos e sociais. Normalmente se comete – como seu colega anterior cometeu – de julgar o conteúdo a partir de um aspecto que não o define ou o exaure, e assume apenas uma perspectiva de julgar o emissor da mensagem o que simplesmente se reduz a uma falácia ad hominem.

      Infelizmente, já estou bastante acostumado com isso, e mais infelizmente ainda, com quem assume esse tipo de posição costuma ser impossível desenvolver um debate meramente racional sobre qualquer questão.

      Abraços, e espero que continue a acompanhar nossos textos!

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