Crítica | Raia 4

Crítica | Raia 4

A cena de abertura de “Raia 4”, do diretor Emiliano Cunha, diz muito sobre o filme. Nela vemos a protagonista Amanda sozinha embaixo d’água dentro uma piscina pensando na vida e esse lugar silencioso e calmo parece ser onde ela consegue encontrar a paz. Ela é uma pré-adolescente que acaba de completar 13 anos, uma idade de transição onde a pessoa não é mais criança, mas também ainda não é adulta. A jovem é uma atleta de natação que treina regularmente para competições pensando em se tornar uma profissional, enquanto vive uma vida típica de uma garota de classe média.

O problema de “Raia 4” é que o roteiro, escrito pelo próprio Emiliano Cunha, é muito apático com a narrativa. A trama é desenvolvida de maneira lenta e contemplativa, focando em detalhes e apresentado de maneira minimalista. O ritmo irregular emula o dia a dia da protagonista, como um ciclo de que se repete, alternando entre treinos e pequenos conflitos de Amanda com seus pais e com colegas da equipe de natação. A apatia da história se reflete na personagem principal, então fica complicado para o público se identificar com as questões dela, já que o filme parece com medo de se aprofundar no drama dela. Dessa forma o filme falha em criar um enredo minimamente interessante.

Olhando nas entrelinhas o espectador consegue absorver algumas das ideias apresentadas pelo diretor. Isso funciona graças a parte técnica, que é o grande destaque de “Raia 4”. A fotografia é muito bonita e as cenas embaixo d’água são belíssimas, captando a solidão e tranquilidade da protagonista, mostrando que esse é o único lugar onde ela se sente à vontade. Os movimentos e enquadramentos de câmera são muito bons, e um plano que se passa dentro de um cinema é muito bem construído onde o espectador acompanha o deslocamento do ponto de vista indo da tela da sala girando até encontrar Amanda.

Esse momento mostra que o diretor evoca um pouco de metalinguagem para mostrar sua protagonista assistindo um filme de terror, enxergando um pouco da sua própria vida ali, um “terror da vida real”, e isso eventualmente se reflete na narrativa. A ideia de Emiliano Cunha em transitar entre os gêneros, mas se mantendo basicamente no drama, é interessante. Contudo, a já citada apatia impede que esse artifício seja bem aproveitado na trama.

Ou seja, parece que o diretor está mais interessado em criar simbolismos dentro da história do que realmente criar uma narrativa que pareça verossímil e interessante. Isso se reflete nas atuações que são irregulares e têm dificuldade em aparentar naturalidade. Ou seja, a artificialidade do roteiro preocupada mais com simbolismos prejudica o elenco, resultando em performances sintéticas. Os jovens pelo menos convencem como atletas, já que eles são nadadores na vida real.

No entanto, a pior falha do filme é na construção do conflito entre Amanda e Priscila, uma colega da equipe de natação. Inicialmente parece ser uma competitividade natural entre atletas, onde uma quer ser melhor do que a outra, mas depois surge uma tensão amorosa entre as duas. Só que esse “conflito” é tão minimalista, que é até difícil conseguir captar os sinais passados pelo diretor. Esse deveria ser o motor narrativo de “Raia 4”, mas se transforma em sua maior decepção.

Em síntese, “Raia 4” apresenta uma ótima parte técnica com imagens belíssimas embaixo d’água, mas falha em criar uma história minimamente interessante com conflitos atraentes. Uma pena, já que a premissa da narrativa tinha potencial para ser explorada de maneira mais cativante para o espectador. 


Uma frase: “Como é que tu tá se sentindo com 13?”

Uma cena: A abertura do filme que mostra a protagonista no fundo de uma piscina.

Uma curiosidade: O filme ganhou 3 prêmios no Festival de Gramado de 2019: Júri da Crítica, Fotografia (assinada por Edu Rabin) e Melhor longa gaúcho. 


Raia 4

Direção: Emiliano Cunha
Roteiro: Emiliano Cunha
Elenco: Brídia Moni, Kethelen Guadagnini, Arlete Cunha, Fernanda Carvalho Leite, José Henrique Ligabue, Fernanda Chicolet e Rafael Sieg
Gênero: Drama
Ano: 2019
Duração: 92 minutos

Ramon Prates

Analista de sistemas nascido em Salvador (BA) em 1980, mas atualmente morando em Brasília (DF). Cinema é sem dúvidas o meu hobby favorito. Assisto a filmes desde pequeno influenciado principalmente por meus pais e meu avô materno. Em seguida vem a música, principalmente rock e pop.

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