Reflexões de uma mulher ‘Radioativa’

Reflexões de uma mulher ‘Radioativa’

Você provavelmente nunca ouviu falar de Marja Sklodowska, mas com certeza conhece seu legado. Conhecida mundialmente como Marie Curie, essa ganhadora do Nobel de Química e Física é retratada no novo filme da NetflixRadioactive.

Marie Curie foi uma das maiores cientistas do século XIX, e ainda hoje é considerada umas das mulheres mais brilhantes da história. Nascida em Varsóvia, na Polônia, ainda jovem foi para Paris se dedicar ao ambiente científico o qual tanto se reconhecia – inclusive porque a Universidade de Varsóvia não aceitava mulheres. Lá conheceu Pierre Curie, com quem manteve um relacionamento profissional enquanto trabalhava no laboratório de Schutzenberger, na Escola Municipal de Paris.

Impressionado com a inteligência, sagacidade, temperamento forte e persistência de Marie, Pierre se viu apaixonado e por conta das diversas afinidades que tinham os dois começaram a cultivar uma amizade que posteriormente viria a resultar em um casamento. Assim então surgiu o nome Marie Curie, graças ao sobrenome adotado de seu marido.

O filme da Netflix, lançado em 2019 e somente agora liberado no Brasil, retrata a biografia de Marie Curie através de uma visão científica e moderna. “Radioactive” traz ao espectador um pouco sobre a descoberta dos elementos radioativos pelo casal Curie, assim como a vida pessoal da nossa protagonista. Alguns elementos usados na trama lembram mais um documentário que um filme, mas esse ponto não chega a afetar negativamente a obra, uma vez que biografias sempre são complicadas de se transpor para a tela devido ao tamanho do conteúdo e o limite de tempo que se tem.

Transições temporais deixam o filme mais confuso para aqueles que esperam uma história linear, mas são coerentes com as descobertas ao longo do filme. À medida que novos elementos e aplicações são descobertos, cenas do momento futuro são projetadas enfatizando a utilização e repercussões (negativas e positivas) dessas descobertas – como por exemplo a utilização de bombas nucleares na Segunda Guerra Mundial e a utilização da radioterapia para tratamento do Câncer.

A maior parte dos termos técnicos e cenas em laboratório são auto-explicativas e passam sempre por um diálogo expositivo na tentativa de ser didático. Na época, Marie e Pierre trabalharam juntos na descoberta de dois elementos químicos radioativos – Polônio e Rádio, através de processos complexos de separação, dissoluções e sublimações. Uma descoberta de tamanho impacto na sociedade científica da época que gerou dois Nobel – um Nobel de Física em conjunto com o marido em 1903 e um Nobel de Química em 1911. Curie foi a única pessoa do mundo a receber dois prêmios da academia e se tornou a primeira mulher a ser premiada.

O filme “Radioactive” da Netflix ganha pontos por trazer a discussão da radioatividade às telas, bem como homenagear a cientista brilhante que Marie Curie foi, e continua sendo através do seu legado. No entanto, peca ao insinuar sempre o lado negativo das descobertas e enfatizar bem mais nas consequências mundiais da utilização errônea da radioatividade.

Senta que lá vem a história…

Você provavelmente deve estar se perguntando várias coisas após assistir o filme “Radioactive” da Netflix, então vem comigo para entender algumas coisas!

1) Que diabos é Pechblenda?

Ao longo do filme, vemos o casal Curie tratar química e fisicamente uma tal de “Penchblenda” para encontrar os elementos radioativos que estão à procura. Essa “Penchblenda” nada mais é que um minério, da família da Uranita. Esse minério é hoje a maior fonte de Urânio para fins energéticos e também é utilizado como reagente químico, como coloração de porcelanas e vidros etc.

À época, o casal Curie conseguiu 1 tonelada de Penchblenda com a ajuda do governo austríaco proveniente das minas de Joachimsthal. Após os processos de tratamento químico e físico desse minério, foi encontrado finalmente a razão pela qual o minério se mostrava mais ativo que o próprio elemento urânio isolado: a presença de outros elementos radioativos. Dessa forma, Marie e Pierre conseguiram isolar os elementos Polônio (extraído em soluções ácidas diluídas e com o maior nível de emissões radioativas dos outros elementos), assim como o Rádio (elemento com altos níveis de emissão Gama – muito utilizada em esterilização de alimentos, 1 milhão de vezes mais radioativo que o Urânio).

2) Que luz verde é aquela do vidrinho?

Todo elemento químico tem uma emissão de cor consequente de uma agitação dos elétrons nas camadas mais externas quando excitadas/submetidas a algum tipo de estímulo por exemplo, em testes de chama, em uma reação química – luminescência característica de cada substância. No entanto, elementos radioativos tem luminescência própria e espontânea, sendo apresentado no filme pela cor verde fluorescente dentro do vidrinho que Marie Curie inclusive dorme ao lado. Afinal uma descoberta nova dessas, em vista do pouco conhecimento da época, realmente era como um filho para ela, daí justificando-se o amor e o cuidado dela com sua obra prima, sem os cuidados que hoje sabemos que são necessários quando manipulando-se esses elementos.

3) A radiação é do mal mesmo?

Claro que não! Como qualquer descoberta do mundo científico, as coisas podem ser usadas para o bem e para o mal. A história da radioatividade tem muito mais intenções positivas que negativas, no entanto o ser humano tem a capacidade de transformar coisas magníficas e com um grande potencial para ajudar a humanidade em formas de fazer sofrer. Assim aconteceu com a segunda guerra mundial com a produção de bombas nucleares. No entanto, o uso das propriedades radioativas hoje em dia são inúmeras e positivas. Temos os tratamentos contra o Câncer, processos de esterilização de produtos de higiene e cosméticos, muito usado na indústria alimentícia para prolongar a vida útil dos produtos, utilizado na agricultura para evitar a destruição das plantações por pragas, restauração de obras de arte e, ultimamente até procedimentos que foram estudados para combater a COVID-19. Então obviamente que é necessário um cuidado absurdo quando lidamos com algo na área da radioatividade, no entanto não devemos categorizar ele como algo negativo.

E você, o que achou do filme?


Radioactive

Direção: Marjane Satrapi
Roteiro: Jack Thorne
Elenco: Rosamund Pike, Sam Riley, Aneurin Barnard e Anya Taylor-Joy
Gênero: Biografia, Drama, Romance
Ano: 2019
Duração: 109 minutos

Tássya Macedo Queiroz

Uma porquinha radioativa mestre em energia nuclear na Rússia, que adora química, Harry Potter e Minions, além de amar escrever, se arriscando como crítica de cinema após um tempo se dedicando como band aid de um certo porcolunista da POCILGA.

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