Review | The Crown – 4ª Temporada

Review | The Crown – 4ª Temporada

Peter Morgan é provavelmente um dos maiores dramaturgos da sua geração. Sua capacidade e tecer dramas pessoais apostando em uma suave tensão entre conflitos e fragilidades de seus personagens, conduzidos por diálogos que transitam entre um familiar mundano e uma precisa teatralidade, formam um conjunto raro na dramaturgia de qualquer tempo. Isso, associado a seu profundo conhecimento da família real, faz dele o autor ideal para fazer audiências – para além dos britânicos – serem capazes de se relacionar com pessoas tão frias e distantes quanto os membros da Casa de Windsor.

Essa habilidade de Morgan já havia se tornado evidente no excelente “A Rainha” (The Queen), e na série da Netflix, The Crown, encontrou sua melhor forma. Embora o texto de Morgan seja sem dúvida a espinha dorsal da série, sem dúvida há muito mais a se destacar em The Crown: design de produção, fotografia, direção, figurino, enfim, os mais diversos aspectos de uma obra audiovisual que chamam a atenção pela alta qualidade, detalhismo, beleza e cuidado em um nível que poderia ser facilmente classificado como cinematográfico. Mas de todos elementos é sem dúvida o trabalho do elenco que se destaca.

Na quarta temporada de The Crown, focada nos turbulentos anos do tatcherismo – o arco da temporada coincide precisamente com o período da Dama de Ferro como Primeira-Ministra – quem brilha são duas as grandes estrelas. De um lado uma sempre maravilhosa Olivia Colman cada vez mais à vontade – e infelizmente se despedindo – em seu papel como a monarca da nação. Do outro lado, uma surpreendente Gillian Anderson dando vida e uma inusitada humanidade à uma das personagens políticas mais marcantes do século XX, Margaret Tatcher.

A trama principal de Morgan para a temporada mais uma vez acerta ao escolher explorar as diferenças entre classes, valores políticos e sociais, através da contraposição entre estado e governo e do papel de uma Rainha em uma Monarquia Constitucional em uma modernidade corroída pelos valores do capitalismo. E nenhuma relação poderia expressar essa tensão do que o antagonismo com Tatcher, o grande ícone feminino do neoliberalismo no século XX. Assim, Colman e Anderson são, sem dúvida, aquilo que atrai definitivamente nosso olhar. Quando ambas entram em confronto, o embate é marcado por gestos comedidos, olhares e expressões contidas, palavras calculadas e silêncios que gritam alto. A presença de ambas em tela é tão poderosa, que o também ótimo trabalho de Josh O’Connor e Emma Corrin – como o casal real Charles e Diana – chega a ficar eclipsado e até desinteressante em alguns momentos.

Há ainda espaço para tramas mais episódicas que aproveitam bem o talento de Helena Boham-Carter e do ótimo Tom Brooke, em dois episódios cheios de sentimento e humanidade; mas, mais uma vez, é a relação entre a Rainha e a Dama de Ferro que é mesmo a força motriz da temporada – e talvez o melhor momento até aqui de um já excelente seriado. O oitavo episódio da temporada, “48 contra 1”, aliás, é a perfeita síntese de tudo aquilo que a temporada propõe a comentar.

The Crown consegue um feito raro: nos apresentar o mundo da família real, de forma interessante e envolvente, com uma qualidade rara e uma fluidez narrativa que, enquanto não abre mão de um necessário comentário político, nos faz assistir de uma sentada a temporada inteira.



The Crown – 4ª Temporada

Criado por: Peter Morgan
Emissora: Netflix
Elenco: Olivia Colman, Tobias Menzies, Helena Bonham Carter, Gillian Anderson, Josh O’Connor, Emma Corrin, Marion Bailey, Erin Doherty, Stephen Boxer e Emerald Fennell
Ano: 2020

Mário Bastos

Quadrinista e escritor frustrado (como vocês bem sabem esses são os "melhores" críticos). Amante de histórias de ficção histórica, ficção científica e fantasia, gostaria de escrever como Neil Gaiman, Grant Morrison, Bernard Cornwell ou Alan Moore, mas tudo que consegue fazer mesmo é mestrar RPG para seus amigos nerds há mais de vinte anos. Nas horas vagas é filósofo e professor.

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