Review | Death Stranding

Review | Death Stranding

Antes de entrarmos na análise do jogo propriamente dita, algo precisa ser dito sobre Hideo Kojima (criador, designer e escritor do game): é um dos poucos auteurs de verdade da indústria mainstream dos games. Obviamente que dá pra nadar de braçada em jogos independentes autorais, mas no mercado triplo-A, de grandes investimentos e orçamentos, este tipo de controle artístico da obra vem se tornando cada vez mais raro. E é por isso que, acima de tudo, um lançamento como Death Stranding, independente de seus erros e acertos, deve ser celebrado.

E é possível sentir o DNA de Kojima em cada mecânica, cada menu e cada cutscene do jogo. Quem já jogou um jogo da série Metal Gear (Solid), sua franquia mais famosa, conhece os trejeitos e maneirismos do designer japonês e por mais que a ambientação e jogabilidade de Death Stranding sejam completamente alheias à saga dos Snake (Naked/Solid) reconhecerá com facilidade, e em pouco tempo, a vibe Kojima de ser.

O que é Death Stranding?

O jogo situa-se em uma América fictícia e pós-apocalíptica. Um evento cataclísmico, cujo nome deu título ao game, permitiu a passagem de entidades sobrenaturais do mundo dos mortos para os vivos, além de criar diversas distorções no clima e passagem do tempo. Essas entidades, conhecidas como BTs (Beached Things, ou Entidades da Praia, na versão em português brasileiro) estão perdidas em zonas de chuva temporal e tem como única meta arrastar os vivos para o mundo do além. 

Por outro lado, quando alguém morre neste universo, seja de causas naturais ou não, essa pessoa se transforma em um BT e durante este processo causa uma obliteração, deixando uma cratera em um raio de quilômetros a seu redor. Devido a isto, a população do ex-Estados Unidos da América precisou se isolar cada vez mais uns de outros, com medo dos BTs, das obliterações e chuvas temporais, e as poucas cidades que sobraram se tornaram verdadeiras fortalezas sem contato com o resto do país. Aos poucos, a humanidade estava caminhando para sua completa e total extinção.

Eis que surge o protagonista, Sam Porter Bridges. Sam é um portador, uma pessoa cuja função é levar encomendas de um ponto ao outro (alguém disse carteiro?), e é quase uma lenda na sua profissão – apesar de ter desaparecido por alguns anos e retornado só recentemente. Além disso, Sam tem duas peculiaridades: possui DOOMS, uma habilidade que algumas pessoas desse mundo tem e que permite sentir a presença de BTs na região; e é um “repatriado”, que é o termo que se dá àqueles (raros) indivíduos que conseguem ir ao mundo dos mortos e retornar.

E é por essas habilidade que Sam Porter recebe uma missão muito nobre: conectar, todas as cidades, casas e demais pontos do país por uma rede quiral e “unir as pessoas novamente” em uma nova nação, as Cidades Unidas da América. E é aí que começa um dos meus problemas com o jogo: a total falta de sutileza na mensagem que ele tenta passar.

Sim, e é esta mesmo que você está pensando: se isolar é ruim, as pessoas devem se unir e ajudar umas as outras. É claro que a trama envolve outras questões, mas a principal, nua e crua, é essa. Que inclusive se resume em uma mecânica (uma das mais importantes do game), através de um modo multiplayer assíncrono.

Mecânicas

Como a base do game é a exploração, onde Sam percorre longas distâncias para entregar seus pacotes, essas jornadas não são simples. Há muitos obstáculos, alguns naturais como montanhas, rios, cavernas, neve etc. Há também regiões infestadas de BTs, além de outros locais onde há confronto com outros seres humanos. 

Transpor todos essas adversidades é desafiador, mas existe um elemento onipresente que ajuda bastante o jogador: quanto mais você conecta as cidades pela rede quiral, mais conectado você fica a jogadores (reais) na rede do PlayStation (PSN). Com isso, com muita frequência você encontra equipamentos, edificações e suprimentos deixados (muitas vezes deliberadamente) por outros jogadores, como uma escada em uma parede rochosa outrora intransponível, ou um abrigo em uma região de chuva temporal pesada. 

Além disso, eventuais cargas que você perder no trajeto podem ser achadas e entregues por outros jogadores, que garantirá pontos (ou “curtidas”) para ambos. Isso acaba sendo muito estimulante, e muitas vezes você fará ações pensando não só no seu jogo, mas de um eventual player anônimo que poderá estar encontrando as mesmas dificuldades que você encontrou. É fácil se deixar largando plaquinhas mostrando o caminho para os outros, ou lembrando de soltar a ponta de uma corda ladeira abaixo, para o próximo que vier. Esse tipo de modo multijogador não é muita novidade (Dark Souls popularizou o multiplayer assíncrono, recentemente), mas é integrado ao core do jogo de forma nunca antes vista.

Servindo de escada

As outras mecânicas incluem gerenciar a carga, pois muitas vezes Sam transportará objetos grandes e pesados tendo dificuldade até para manter o equilíbrio (o jogo tem comandos até para se recuperar de um tropeção!), além de um stealth básico (embora diferente do que Kojima estava habituado a fazer nos Metal Gear) e um sistema de combate que não é excelente, mas também não atrapalha.

Se você está se perguntando se não é muito chato esse negócio de ficar andando de um lado para o outro entregando cargas eu te digo – às vezes, é sim. Mas dentro da proposta não vejo como poderia ter sido feito de forma diferente. É muito louvável que Kojima fez o jogo que queria, e o fez da melhor forma que poderia fazer, e do jeito que dava pra ele fazer. 

Convenhamos, tirar todo esse conceito de um jogo cuja base é toda um fetch quest gigantesco, é como tirar leite de pedra. E transformar isso em uma coisa que vai manter o jogador interessado por todas as suas cinquenta e poucas horas de duração é quase um milagre. Sim, os momentos entediantes existem, mas felizmente não são muitos, e o jogo compensa com muitas mecânicas divertidas e visuais de tirar o fôlego.

A Trama

Sobre a trama, mais uma vez, é muito Kojimística – embora aqui ela demore muito mais a engrenar do que nos trabalhos anteriores do autor. Toda a bizarrice esperada está lá, os personagens peculiares e os plot twists atrás de plot twists. Vejam, por exemplo: Sam tem um “parceiro” de viagem – um bebê dentro de um pote, que embora seja tratado por alguns personagens como um “equipamento” – já que está lá para ajudar Porter a detectar os BTs – tem todo um carisma próprio, e por mais estranho que seja esse conceito, o jogador acaba se afetuando à criaturinha (que por sinal, é muito mais importante para o desfecho do que possa parecer).

Além disso, todas as maluquices acabam fazendo um (certo) sentido no fim das contas, e o final do jogo (com quase três horas de cutscenes) é muito bem amarradinho. E se você se preocupa com essa duração das cutscenes lembre-se – ninguém, nessa indústria, sabe fazê-las tão bem quanto Hideo Kojima – um cinéfilo declarado (e possivelmente cineasta frustrado). O jogo ainda conta com um elenco de estrelas – Norman Reedus (The Walking Dead) no papel principal, e grandes nomes como Mads Mikkelsen (Casino Royale, a série de TV Hanibbal etc), Guilhermo del Toro (sim, o diretor!) e Lindsay Wagner (do seriado dos anos 70, “A Mulher Biônica”).

Avaliação

Mesmo com alguns percalços, no final das contas, Death Stranding é uma experiência bastante satisfatória, embora difícil e potencialmente intransponível para alguns. É um jogo bastante diferente e que exige certa dose de paciência, mas muito recompensador. É uma dose de ar fresco em um universo em que grandes estúdios lançam basicamente novas versões do mesmo jogo todo ano. Espero que Kojima continue seguindo essa linha e inspire mais outros grandes estúdios a arriscarem mais em jogos poucos usuais


Classificação:


Death Stranding

Plataformas: Playstation 4
Produtora: Sony Interactive Entertainment e 505 Games
Desenvolvedora: Kojima Productions
Diretor e Designer: Hideo Kojima
Ano: 2019

Dario Lima

Dario Lima, além de ser faixa branca em todas as artes marciais e modalidades de combate conhecidas pelo homem, é também formado em Cinema. Mas sua verdadeira paixão são os joguinhos eletrônicos, desde que ganhou um Atari de presente do pai em uma época longínqua em que Menudo tocava nas rádios, Chevette era carro de playboy e McGyver passava na TV nas manhãs de domingo. Escreve sobre games na POCILGA e de vez em quando perturba os outros em algum episódio do Varacast.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *