Review | Watchmen S01E07 – An Almost Religious Awe

Review | Watchmen S01E07 – An Almost Religious Awe

É muito difícil ser um homem branco nos EUA, nos dias de hoje!

Em uma frase da série original de Watchmen, o Dr. Manhattan define sua relação com os vietnamitas: um terror quase religioso. Se o medo, como bem definiu Adrian Veidt, é o grande instrumento do poder, então ao encarnar o poder divino o Dr. Manhattan é o maior instrumento de controle que jamais existiu. E é a partir dessa perspectiva que todo o sétimo episódio da primeira temporada de Watchmen se desenrola, com ainda mais revelações e toda uma nova compreensão de tudo que está acontecendo até então.

[button-red url=”#” target=”_self” position=””]Aviso de SPOILERS[/button-red]

Os comentários a seguir falam sobre acontecimentos narrados em An Almost Religious Awe, o sétimo episódio da primeira temporada de Watchmen.

S01E07 – An Almost Religious Awe

Antes de continuar a leitura, sugiro que você coloque para tocar “Life on Mars?” de David Bowie. Esse episódio, e qualquer coisa relacionada a ele, clama por cada nota e letra dessa música.

Para quem imaginava que a grande surpresa da temporada seria a revelação da identidade do Justiça Encapuzada (como eu), tomou, uma rasteira de proporções divinas azuis. Sim, esse episódio é inteiramente focado no Dr. Manhattan e, confesso, eu jamais teria imaginado que o personagem seria usado com a ousadia pensada por Damon Lindelof. Olhando em retrospectiva, mais uma vez, tudo faz sentido. O roteiro, como num grande espetáculo de prestidigitação, foi muito bem sucedido em desviar nossa atenção para outros lugares.

Desde a primeira cena, aliás, a prestidigitação se estabelece: vemos, de início, um documentário que tem como personagem Jon Osterman, o filho do relojoeiro, e sua transformação em uma divindade e o único verdadeiro super-ser do universo de Watchmen. Mas logo somos conduzidos para a jovem Angela Abar (aqui, a excelente e cativante Faithe Herman de This is Us), então com 10 anos, em uma locadora de vídeo de Saigon – capital do Vietnã recém declarado mais novo estado dos EUA – em 1986, tentando alugar um filme de blaxploitation de uma heroína com o nome bem sugestivo: Sister Night. Assim, somos levados a crer que o episódio seguirá a estrutura do anterior, agora imergindo nas memórias de infância de Angela Abar, que viria a se tornar a nossa Sister Night.

Porém, todo o pano de fundo da trágica história de Angela, é uma ambientação do clima que dominava o Vietnã do pós-guerra. E o principal fator dessa ambientação é um quase onipresente homem azul com poderes divinos. O Dr. Manhattan deixou feridas profundas entre os vietnamitas, e muitas das tragédias e da formação da jovem que cresceu nos orfanatos de Saigon – aprendendo desde cedo a face obscura de uma justiça inclemente – estão, direta ou indiretamente, relacionadas a esse ser. Aos poucos, de maneira sutil e progressiva, somos convidados a observar como as vidas de Jon Osterman e Angela Abar estão, de uma maneira nada aparente, invariavelmente imbricadas.

Diferente do outro episódio, porém, os flashbacks não tomam a totalidade deste episódio e a narrativa presente se desenvolve em um ritmo cada vez mais frenético. A cada cena somos bombardeados por mais e mais informações e revelações. Há espaço para todos os diálogos expositivos, necessários e até obrigatórios em uma série que planeja dialogar com a linguagem do mundo dos quadrinhos. “Um homem branco usando uma máscara é um herói, um homem negro usando uma máscara é uma ameaça.”, sublinha Laurie Blake, para quem ainda não entendeu a mensagem por trás da origem do Justiça Encapuzada. E ao fazer isso, seguida da revelação de suas suspeitas sobre a Ordem do Ciclope, a Sétima Kavalaria e Judd Crawford e a família Keene, recebe de volta um discurso vilanesco tão secamente surpreendente que nem sua personalidade sarcástica de Comediante estava preparada para receber. Seguem-se mais discursos vilanescos com revelações de grandes planos megalomaníacos, mas que, graças ao ambiente criado pela personagem esplendidamente interpretada por Jean Smart, nos causam mais deleite do que qualquer outra coisa. O mérito pela cena deve ser estendido também ao ótimo James Wolk que dá ao senador Joe Keene Jr. o tom exato de charme e prepotência que um “super-vilão” deveria ter.

“But the film is a saddening bore
‘Cause I wrote it ten times or more
It’s about to be writ again
As I ask you to focus on”

Mas há muitas outras coisas. Agente Petey (Dustin Ingram) descobre que Looking Glass (Tim Blake Nelson) sobreviveu ao ataque da Sétima Kavalaria. Bian (Jolie Hoang-Rappapor), é na verdade um clone da mãe de Lady Trieu (Hong Chau) e não sua filha. Há um elefante na sala e nem a legendária memória dele pode nos ajudar a compreender inteiramente ainda o que está acontecendo. O certo, contudo, é que a memória – ou a aparente falta dela – é uma outra chave do episódio. Afinal, como bem lembra Lady Trieu, amnésias totais são fenômenos extremamente raros que costumam acontecer com mais frequência em novelas. O que nos leva a Cal Abar (Yahya Abdul-Mateen II). O marido de Angela Abar perdeu sua memória por completo em Saigon, anos atrás, em um acidente de carro. E quando Angela enfim descobre que as ligações feitas para o Dr. Manhattan através das cabines Trieu não vão para Marte, mas para o banco de dados de Lady Trieu, ela explica que não haveria mesmo sentido em enviar as mensagens para o planeta vermelho, já que o homem azul não está lá, mas sim na Terra, mais precisamente em Tulsa, vivendo disfarçado como um humano, exatamente como Will Reeves havia sugerido a sua neta, em tom jocoso, alguns episódios antes. Confrontada com essa informação, Angela Abar não demonstra qualquer curiosidade ou interesse.

É só então que nos damos conta de que a atitude da Irmã Noite tem muito de dissimulação. É sua mais poderosa máscara. E talvez sua maior habilidade. Afinal, em harmonia com tudo que a série vem propondo desde o início, o homem azul não está disfarçado como um simples homem em Tulsa. Ele está se disfarçando como um homem negro. E um homem (supremacista) branco tem um plano megalomaníaco para se tornar ele mesmo um homem azul, matando o outro e tomando seu lugar, se tornando mais do que o homem mais poderoso do mundo, mas o ser mais poderoso do universo e assim, reequilibrando a balança pois, enfim, ser um homem branco hoje em dia é cada vez mais difícil.

O final do episódio é definitivamente impactante. E nos força a compreender toda o comportamento e personalidade de Angela Abar de outra perspectiva. O episódio, afinal, foi sobre ela. Mas também foi sobre seu marido, Cal Abar, ou melhor, Jon Osterman, ou melhor, o Doutor Manhattan. A Sétima Kavalaria (ou Ordem do Ciclope) e o senador Joe Keene Jr, têm um plano para matá-lo e tomar os poderes dele. E imaginem, como bem sublinhou Laurie, que tipo de “equilíbrio” um supremacista branco “restabeleceria” com o poder ser um Deus. É, portanto, também muito eloquente, a fala da Irmã Noite: nós estamos completamente fodidos.

“Oh man, wonder if he’ll ever know
He’s in the best selling show
Is there life on Mars?”



Série: Watchmen
Temporada:
Episódio: 07
Título: An Almost Religious Awe
Roteiro: Stacy Osei-Kuffour e Claire Kiechel
Direção: David Semel
Elenco: Regina King, Don Johnson, Tim Blake Nelson, Yahya Abdul-Mateen II, Andrew Howard, Jacob Ming-Trent, Tom Mison, Sara Vickers, Dylan Schombing, Louis Gossett Jr., Jeremy Irons, Jean Smart, Adelaide Clemens, Hong Chau e James Wolk

Mário Bastos

Quadrinista e escritor frustrado (como vocês bem sabem esses são os "melhores" críticos). Amante de histórias de ficção histórica, ficção científica e fantasia, gostaria de escrever como Neil Gaiman, Grant Morrison, Bernard Cornwell ou Alan Moore, mas tudo que consegue fazer mesmo é mestrar RPG para seus amigos nerds há mais de vinte anos. Nas horas vagas é filósofo e professor.

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