Review | Watchmen S01E03 – She Was Killed by Space Junk

Review | Watchmen S01E03 – She Was Killed by Space Junk

“Haha. Boa piada. Todos riem. Rufem as caixas. Cortinas…”

O terceiro episódio da primeira temporada da série de TV Watchmen da HBO que adapta a aclamada obra de Alan Moore e Dave Gibbons é, indiscutivelmente, o melhor até agora, e uma das mais divertidas horas de entretenimento dos últimos tempos.

[button-red url=”#” target=”_self” position=””]Aviso de SPOILERS[/button-red]

Os comentários a seguir falam sobre acontecimentos narrados em She Was Killed by Space Junk, o terceiro episódio da primeira temporada de Watchmen.

#Watchmen (S01E03) – She Was Killed by Space Junk

Se nos dois primeiros episódios fomos apresentados a uma espetacular personagem como a Irmã Noite com uma performance magistral de Regina King, desta vez conhecemos sua “oponente à altura”. Bem na verdade a personagem já é conhecida. Ou pelo menos, a conhecíamos quando ela ainda era uma jovem, inexperiente e objetificada vigilante, amante de um gigante azul com poderes divinos e de um inventor que gostava de se fantasiar de coruja para combater criminosos com suas geringonças à noite.

Sim, estamos diante da segunda Silk Spectre, inicialmente conhecida como Laurie Juspeczyk e que hoje assumiu o nome do pai que ela descobriu quem era apenas após o assassinato do mesmo, se tornando, trinta anos depois, a agente especial do FBI Laurie Blake (responsável por caçar e trazer vigilantes à justiça). E assim como o pai, bem, ela é uma comediante. Toda a estrutura do episódio é construída a partir de uma piada contada por Laurie a ninguém menos que seu ex-namorado com poderes divinos que há trinta anos vive em Marte. Para se comunicar com ele, ela recorre a uma das – aparentemente diversas – cabines azuis de telefone especiais (impossível não associar com um certo outro Doutor), espalhadas pelo mundo, que utilizam um satélite especial – desenvolvido por Lady Trieu, a mulher que adquiriu o império de Adrian Veidt – apenas para discar diretamente à “secretária eletrônica” do Doutor Manhattan, em Marte.

Se essa história parece se cheia de premissas absurdas, talvez você não esteja familiarizado com a obra original que a série adapta. Nesse episódio, afinal, pela primeira vez a série mergulha com considerável intensidade na mitologia do riquíssimo universo criado por Alan Moore. Dessa vez a personagem que conduz a narrativa é um elo direto com o passado, e para entender a piada melhor, talvez seja preciso conhecer melhor também a sua preparação. Mas se você não leu a obra original (ou assistiu ao filme de Zack Snyder, o que seria já uma alternativa razoável) nem pretende ter contato com a mesma, não se desespere: talvez a piada não seja tão boa para você, porém, ela é contada com tamanha maestria que é difícil não ficar vidrado na tela durante uma hora inteira sem piscar.

O episódio é ainda recheado de novas informações e sugere que a trama tende a se tornar progressivamente maior em escala. Adrian Veidt finalmente revela seu nome, e descobrimos que ele se encontra em um cativeiro, possivelmente tramando para fugir do mesmo, e sendo guardado por um misterioso carcereiro mascarado que lhe escreve respeitosas missivas e se apresenta com o sugestivo nome de Game Warden. Os Russos também parecem estar fazendo algum tipo de pesquisa relacionada a um reator de partículas. Lady Trieu assumiu o império de Veidt e, aparentemente, segue revolucionando o mundo com tecnologia, tendo criado uma imensa e misteriosa estrutura apresentada até então apenas como “Relógio do Milênio“. Tic-toc-tic-toc-tic-toc. Parece que a contagem regressiva para o fim do mundo prossegue, a agora com precisão atômica. E a tensão permeia cada segundo da exibição e nos consome.

Claro, o excelente roteiro de Damon Lindelof e Lila Byock tem uma imensa parcela de responsabilidade nisso. Na mesma medida a direção de Stephen Williams. Porém, nada disso seria tão bom sem a sempre espetacular Jean Smart na pele da agente especial Laurie Blake. Lembra quando eu disse que Regina King e a sua Irmã Noite haviam encontrado uma oponente à altura? Pois bem, é exatamente a isso que me refiro. Smart entrega suas falas com alguém que têm um domínio absoluto de seu ofício, temperado por décadas de experiência na TV. Seu tom e expressão carregam um cinismo e um amargor preciso. Em cada expressão, olhar e respiração somos convencidos que estamos diante de um ser humano autêntico que é capaz de nos apresentar com a estranheza necessária todo o sentido de absurdo daquele mundo. Como uma boa personagem investigadora de um noir, Jean Smart faz sua Laurie Blake entregar diálogo expositivo atrás de diálogo expositivo, ajudando a explicar aquele cenário estranho e complexo para quem ainda não o absorveu muito bem, com tanto carisma e naturalidade que sequer nos damos conta nossa inteligência está sendo legitimamente insultada por bons cerca de sessenta minutos. Um insulto delicioso que opera em um nível de ironia quase que metalinguístico entregue com maestria por uma das melhores atrizes em atividade na TV. E se você não sabe quem é Jean Smart, bem, sinto lhe informar que você não tem acompanhado o que há de melhor nos últimos anos da produção televisiva dos EUA.

A propósito, falando em mulheres e objetificação, em mais um aceno para os autores da obra original, Lindelof esfrega na cara de todos o quanto a personagem da Silk Spectre II ali apresentada é o testemunho de uma época na qual o machismo estrutural sequer era um problema discutido. Por mais revolucionária que fosse Watchmen na década de 80, assim como não tinha personagens negros, as mulheres que apareciam na obra eram, também, objetos em diversos sentidos. Já a Laurie Blake de trinta anos depois, quando adentra o palco, assume imediatamente os holofotes. Sabe aquelas narrativas nas quais a “burrice” da protagonista nos irrita profundamente, pois afinal, sua experiência deveria contar como algo relevante? Bem, isso não se repete aqui. Laurie Blake, afinal, nasceu e foi criada em meio a vigilantes mascarados, ela mesma atuou como um, e ajudou a desvendar o mistério do homicídio de seu pai que encobria uma macabra conspiração para salvar o mundo planejada pelo homem mais inteligente do mundo. Trinta anos de mais experiência apenas a aprimoraram. A filha do Comediante em pouco tempo junta pistas e faz deduções que mesmo a Irmã Noite demorou um pouco para fazer. Ela também conta ótimas piadas, tem um vibrador na forma de pênis azul imenso, e não tem puritanismo em se aproveitar da mal contida fascinação de um agente federal groupie para satisfazer algumas necessidades básicas.

Espero, verdadeiramente, que a tensão entre as excelentes personagens de Regina King e Jean Smart seja explorada ao longo da série. O primeiro confronto entre ambas não deixa dúvidas de que algum tipo delicioso de rivalidade se estabeleceu ali, em uma proporção que nenhuma das personagens estaria acostumada. Temos a honra de viver num mundo no qual podemos assistir duas mulheres fantásticas, belíssimas e maduras, chutando bundas, enfrentando supremacistas brancos e desvendando conspirações de escala global na TV. Se a Watchmen original veio para prenunciar novos e necessários tempos para a indústria de quadrinhos, quem sabe a série de TV não venha para prenunciar novos e necessários tempos para a TV. Vamos torcer para que essa não seja apenas uma piada de mau gosto.



Série: Watchmen
Temporada:
Episódio: 03
Título: She Was Killed by Space Junk
Roteiro: Damon Lindelof e Lila Byock
Direção: Stephen Williams
Elenco: Regina King, Don Johnson, Tim Blake Nelson, Yahya Abdul-Mateen II, Andrew Howard, Jacob Ming-Trent, Tom Mison, Sara Vickers, Dylan Schombing, Louis Gossett Jr., Jeremy Irons, Jean Smart, Adelaide Clemens, Hong Chau e James Wolk

Mário Bastos

Quadrinista e escritor frustrado (como vocês bem sabem esses são os "melhores" críticos). Amante de histórias de ficção histórica, ficção científica e fantasia, gostaria de escrever como Neil Gaiman, Grant Morrison, Bernard Cornwell ou Alan Moore, mas tudo que consegue fazer mesmo é mestrar RPG para seus amigos nerds há mais de vinte anos. Nas horas vagas é filósofo e professor.

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