Crítica | Malévola: A Dona do Mal

Crítica | Malévola: A Dona do Mal

A subversão da construção maniqueísta dos contos de fadas é muito mais do que apropriada para as releituras atuais dessas histórias. É um recurso que humaniza os personagens e proporciona maior identificação com a vida real. Foi essa a receita de sucesso que desmistificou a jornada de uma das maiores vilãs da Disney em 2014: Malévola. O grande trunfo à época estava em apresentar a narrativa clássica da animação de 1959 do ponto de vista da antagonista. Nada mais havendo a se explorar, ali tínhamos uma obra que se encerrava em si mesma. Ao insistir em criar a sequência Malévola: A Dona do Mal, a Disney arrisca corajosamente e falha terrivelmente.

Os problemas já começam pela desconexão entre o título do longa – A Dona do Mal – e o roteiro executado. Há uma contradição evidente, que se torna incômoda e patética durante todo o filme. Malévola (Angelina Jolie) não é mais a criatura que se contrapõe ao bem na história de Aurora (Elle Fanning). Desta vez, as duas estão lado a lado, do início ao fim, lutando juntas pela paz entre os reinos dos Moors e o vizinho dos humanos. Para os fãs da animação que ficaram satisfeitos com o primeiro filme, essa aliança soa exagerada, pouco crível e acima do aceitável para o cânone sob o qual se estabeleceu a narrativa original.

[button-red url=”#” target=”_self” position=””]Aviso de SPOILERS[/button-red]

Os comentários a seguir falam sobre acontecimentos narrados no filme Malévola: A Dona do Mal.

Ironicamente, um dos poucos acertos da sequência de Malévola está na escolha da nova vilã, a Rainha Ingrith (Michelle Pfeiffer), que motivada por um trauma do passado resolve lutar pela extinção de todos os seres mágicos, considerados por ela muito poderosos frente aos humanos, constituindo-se numa ameaça permanente à Humanidade. Por falar em criaturas fantásticas, outro ponto alto do longa é a expansão apropriada do universo com a apresentação do ninho dos seres das trevas, que reúne espécies semelhantes à Malévola. Apesar de poderosos e fortes, foram vítimas de uma política de extermínio no passado e agora vivem marginalizados. É uma pertinente metáfora sobre racismo.

Aliás, a história de Malévola 2 também faz uma referência quase que explícita à política armamentista, uma vez que a Rainha Ingrith é defensora da produção em massa de armas letais para armar seu exército e também seus súditos. Segundo ela, é urgente e necessário que todos tenham armamento para se defender da “ameaça” imposta pelos seres mágicos – argumento semelhante ao utilizado pelo atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e também pelo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, cujos governos têm fomentado e reacendido o debate sobre a política de armas na sociedade.

No papel de vilã, Michelle Pfeiffer está bastante confortável e rouba a cena em muitos momentos, deixando Angelina Jolie e Elle Fanning como meras coadjuvantes da própria história. A explicação é simples: além da experiência da atriz, a personagem está muito mais bem desenhada como antagonista no roteiro. Já a Malévola de Angelina Jolie está completamente perdida e descaracterizada. Ela parece não muito bem definida, sem personalidade, nesta sequência. Ora parece ameaçadora e temível, ora é sensível e amorosa, transitando de forma desconcertada entre o humor e o drama, num nível que beira o caricato.

Por fim, há que se lamentar os inúmeros clichês sobre feminilidade no longa. Malévola excessivamente maquiada e com figurinos que não fazem sentido para situações de combate ou de fragilidade. Aurora segue deslumbrada, ingênua e superficial. A conclusão é a de que apesar de revisitar o clássico da Disney para atualizá-lo com uma nova versão de personagens femininas empoderadas, o filme reforça a existência de um lugar de submissão para a mulher na sociedade patriarcal. De forma infeliz, inclusive, a vitória final é atribuída ao príncipe Philip (Harris Dickinson) que nada fez durante quase toda a história. Sem falar na bizarra festa de casamento realizada logo a após uma sequência sangrenta de guerra entre os dois reinos, quando todos deveriam estar chorando por seus mortos.


Uma frase: “Os seres humanos são hilários”.

Uma cena: Quando Malévola conhece o ninho dos seres das trevas.

Uma curiosidade: O filme é lançado no sexagésimo aniversário do original A Bela Adormecida (1959).


Malévola: A Dona do Mal (Maleficent: Mistress of Evil)

Direção: Joachim Rønning
Roteiro:
Linda Woolverton
Elenco: Angelina Jolie, Elle Fanning, Harris Dickinson, Michelle Pfeiffer, Sam Riley e Chiwetel Ejiofor
Gênero: Aventura, Fantasia
Ano: 2019
Duração: 119 minutos

Bianca Nascimento

Filha dos anos 80, a Não Traumatizada, Mãe de Plantas, Rainha de Memes, Rainha dos Gifs e dos Primeiros Funks Melody, Quebradora de Correntes da Internet, Senhora dos Sete Chopes, Khaleesi das Leituras Incompletas, a Primeira de Seu Nome.

Um comentário em “Crítica | Malévola: A Dona do Mal

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *