Crítica | Morto Não Fala

Crítica | Morto Não Fala

Morto Não Fala é mais uma prova da incrível diversidade do cinema brasileiro e que prova ser possível fazer filmes de terror no país com elementos próprios da nossa cultura, mas sem deixar de utilizar temas universais. O diretor Dennison Ramalho mostra que é capaz de construir uma ótima ambientação de suspense e tensão sem deixar o drama de lado. O cineasta explora bem o gênero e usa os principais recursos e simbolismos para contar uma boa história.

O filme conta a história de Stênio (Daniel de Oliveira), um homem que tem o dom de ouvir os mortos e que não poderia trabalhar em um lugar mais “apropriado”: um necrotério. Ele poderia usar sua habilidade para muitas coisas, mas prefere não usar por medo de atrair alguma desgraça. No entanto, quando descobre algo pessoal esquece do risco.

Stênio descobre que sua mulher Odete (Fabiula Nascimento) o está traindo com outro homem e fica furioso. O relacionamento deles não estava bem e isso se refletia também na relação com seus dois filhos. O homem resolve então usar sua habilidade para se livrar do amante, mas sua esposa é morta junto e volta do mundo dos mortos em busca de vingança.

Bom, até aí não temos nada que deixe claro que estamos diante de um filme brasileiro. Mas é na construção da narrativa, nos detalhes e na dinâmica dos personagens é que encontramos os elementos da nossa cultura e realidade que transformam Morto Não Fala em uma obra extremamente brasileira.

Um dos elementos que chama a atenção é o próprio ambiente de trabalho de Stênio, um necrotério que não apresenta grandes condições e que sofre em alguns momentos pelo excesso de “trabalho” para poucos funcionários. A realidade do protagonista também não é das melhores, morando em uma casa humilde e trabalhando no turno da noite para poder sustentar a família. E temos também os problemas sociais que cercam o personagem como a criminalidade, principalmente o tráfico de drogas.

Ou seja, além de enfrentar os problemas da vida real, Stênio terá que lidar com algo sobrenatural. A vingança da sua falecida esposa se transforma em um transtorno psicológico que reflete na maneira como o personagem de comporta. Será que ele está enlouquecendo ou a assombração é real? A vida dele segue, ele tem que cuidar dos filhos, mas seu estado mental alterado influência de maneira negativa, fazendo com que as crianças comecem a ter medo do próprio pai.

Ainda temos a personagem Lara, interpretada por Bianca Comparato, que é filha do amante de Odete. A jovem surge para ajudar Stênio enquanto também lida com a morte do pai. A moça é muito religiosa e a religião surge como mais um tema que diz muito sobre o Brasil. Em muitos momentos do filme ouvimos ou vemos algum programa religioso com algum pastor dando algum sermão, ou tentando exorcizar alguém.

Dessa forma Morto Não Fala acrescenta mais um tema importante e muito abordado no gênero do terror, mas o utiliza de forma bem brasileira. Afinal de contas a religião faz parte do dia a dia da nossa cultura e que se reflete em programas de rádio e televisão. O diretor Dennison Ramalho explora todos esses simbolismos de forma muito eficaz.

O filme também é muito competente em sua parte técnica, algo fundamental para se construir uma trama envolvendo assombrações e pessoas mortas. Os efeitos visuais são eficientes ao misturar maquiagem e computação gráfica, criando efeitos verossímeis, principalmente nas cenas onde vemos o protagonista trabalhando realizando necropsia em cadáveres. Mas o elemento que mais chama a atenção é o som. O trabalho do desenho de som é muito bom, principalmente em aumentar o volume nos momentos certos, seja utilizando a trilha sonora ou algum barulho, como o da caixa onde os corpos são guardados se abrindo rapidamente.Tudo isso é importante para criar o clima de suspense e tensão, que se transformam em susto, mas sem apelar para sustos fáceis.

O elenco também merece destaque, principalmente Daniel de Oliveira. O ator constrói Stênio muito bem, mostrando o seu lado apático diante da mulher e que muda radicalmente ao descobrir a traição, onde ele está disposto a tudo para resolver a situação, mas sem lembrar que a desgraça pode surgir ao ouvir os mortos. Já Fabiula Nascimento mostra o lado “bitch” de Odete, insatisfeita com o casamento, mas que mesmo depois de morta não vai deixar o marido em paz, mesmo que para isso tenha que amedrontar também os próprios filhos. E fechando o ciclo temos Lara de Bianca Comparato, que tem o lado religioso e prestativo, mas que muda totalmente quando está possuída.

Em síntese, Morto Não Fala é um filme “comum” que explora muito bem os principais elementos dos filmes de terror, mas que ao explorar sua brasilidade mostra o seu diferencial. O cinema do gênero não é novidade no Brasil, já que temos Zé do Caixão, por exemplo, desde os anos 1960 explorando os medos relacionados a nossa cultura. Mas até hoje o público tem “medo” e preconceito em lidar com o horror nacional, sempre preferindo obras estrangeiras, principalmente as americanas. O cineasta Dennison Ramalho mostra que é possível explorar o gênero de forma autêntica e brasileira, mas sem deixar de abordar temas universais como a traição.


Uma frase: – Stênio: “Se eu conto aqui o que vocês me contam, daí, pode me trazer desgraça.”

Uma cena: A cena que encerra o filme.

Uma curiosidade: O filme foi selecionado para a mostra Première Brasil: Longas Ficcionais da 20ª edição do Festival do Rio e para a mostra Longas do 9ª Cinefantasy – Festival Internacional de Cinema Fantástico.


Morto Não Fala

Direção: Dennison Ramalho
Roteiro:
Dennison Ramalho e Cláudia Jouvin
Elenco: Bianca Comparato, Daniel de Oliveira, Fabiula Nascimento e Marco Ricca
Gênero: Horror, Mistério, Thriller
Ano: 2019
Duração: 110 minutos

Ramon Prates

Analista de sistemas nascido em Salvador (BA) em 1980, mas atualmente morando em Brasília (DF). Cinema é sem dúvidas o meu hobby favorito. Assisto a filmes desde pequeno influenciado principalmente por meus pais e meu avô materno. Em seguida vem a música, principalmente rock e pop.

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