Crítica | Homem-Aranha: Longe de Casa

Crítica | Homem-Aranha: Longe de Casa

A nova incursão da parceria Sony-Marvel no universo do teioso talvez seja um dos melhores filmes do amigão da vizinhança.

Ultimamente uma discussão têm pululado nas redes: qual a melhor das personificações do Homem-Aranha nos cinemas? Na verdade é uma discussão que se resume a Tobey Maguire ou Tom Holland, na medida em que ninguém em sã consciência poderia defender a triste versão de Andrew Garfield.

Para minha geração, não deixa de ser uma questão curiosa. Me lembro de um tempo, nos idos de 1997, quando me empolgava com a possibilidade de finalmente ver um filme do Cabeça de Teia no cinema. Isso, para mim, era o suficiente. MCU? Ninguém sabia que sequer poderia existir. Para deixar as expectativas ainda mais intensas o projeto em curso era dirigido por James “Fucking” Cameron, teria John Malkovich como Norman Osborne (F***!!!) e um jovem que despontava para o sucesso de nome Leonardo DiCaprio como Peter Parker. Pense aí. Diante desse quadro, falar em superar expectativas é no mínimo complicado.

Porém, quando vieram Sam Raimi e Tobey Maguire fui definitivamente conquistado. Raimi tinha conseguido. Ele era um fã e um diretor talentoso e conseguira traduzir para as telonas o Homem-Aranha de Gerry Conway e Todd McFarlane – amalgamados em um só – que eu crescera aprendendo a amar. Em Homem-Aranha 2, Sam Raimi vai além que realiza aquele que talvez seja um dos melhores filmes de super-herói já feitos até hoje. Infelizmente, daí em diante, foi só ladeira abaixo.

Não por acaso recebi com desconfiança a notícia de um novo Homem-Aranha, agora em uma inusitada parceria Marvel-Sony que pretendia incorporar o teioso ao mui rentável MCU. O filme do então desconhecido e inexpressivo Jon Watts veio a ser, contudo, uma grata surpresa. E o ponto alto dessa surpresa sem dúvida foi o jovem e talentoso capitaneado pelo extremamente carismático, “não-casal”, Zendaya e Tom Holland. Embora Zendaya mereça todas as palmas por sua cativante, diferente a adequada personificação de M.J., é impossível negar que Holland é sem dúvida o coração por trás da história. Aliás, no contexto do MCU, é mesmo sua relação com Tony Stark que se apresenta como o elemento narrativo mais instigante do filme e, hoje podemos afirmar, um dos vínculos emocionais mais fortes e que melhor funcionou para a Marvel nos cinemas.

É justamente nessa relação que essa continuação sabiamente aposta. Homem-Aranha: Longe de Casa, tem sido apresentado como uma espécie de epílogo da Saga do Infinito que culminou com o sacrifício final do Homem de Ferro em Vingadores: Ultimato. É uma forma inteligente de se enquadrar a questão, em vários níveis.

Por um lado temos parte de nossa curiosidade acerca do aftermath da batalha com Thanos satisfeita. O filme de Jon Watts dá a abordagem correta, da perspectiva dos estudantes, que têm que lidar com os efeitos do “Blip” – como passa a ser chamado o fenômeno Leftovers style que fez metade da população mundial desaparecer e reaparecer cinco anos depois. Como é de praxe nos roteiros do MCU, a questão é tratada com simplicidade e se resolve em menos de cinco minutos de tela. Uma solução, como sempre, adequada e elegante que não interfere no ritmo da narrativa. Isso integra, definitivamente, o Aranha de Tom Holland ao MCU, o caracterizando como diferente de todos os outros mas sem perder a essência do personagem.

Por outro lado, a trama aposta, também de maneira inteligente, no desenvolvimento da relação mentor-pupilo com contornos paternais entre o Homem de Ferro e Peter Parker. Se há um imenso questionamento de fundo acerca do vácuo deixado pela personalidade de Tony Stark e dos Vingadores no mundo pós-Blip, há, de maneira bastante apropriada, de uma perspectiva mais intimista, o questionamento acerca do vazio deixado na vida do Homem-Aranha e se ele está a altura de se tornar “o próximo Homem de Ferro”. E esse, sem dúvida, é o mote principal do filme.

Surpreendentemente, merece destaque, Homem Aranha: Longe de casa, não se resume a isso. Há uma série de subtextos que mobilizam desde as protocolares questões da adolescência e romance, para um extremamente relevante e oportuna crítica contemporânea acerca da construção da verdade na sociedade da (des) informação. Ao lado de um bom roteiro que desenvolve muito bem os personagens – com um desfecho verdadeiramente surpreendente para os padrões do MCU, que tira os personagens radicalmente de suas zonas de conforto – temos ótimas atuações de todo o elenco de apoio com destaque especial para Jake Gyllenhall que rouba a cena com sua excelente versão de Quentin Beck, o Mysterio. Ainda temos ótimas sequência de ação que exploram muito bem a notória agilidade do teioso. Os efeitos visuais são bastante competentes e, algumas sequências lembram até mesmo a estética de Into the Spiderverse, que surpreendeu a todos.

Homem-Aranha: Longe de casa, entretanto, aparenta ser dois filmes distintos. Talvez, dada a proposta da trama, isso seja proposital. Se for o caso, isso apenas fala mais em favor de Jon Watts enquanto realizador cinematográfico. O fato é que é apenas a partir das segunda metade do filme que temos a sensação de estar assistindo a um autêntico filme do Homem-Aranha.

E autêntico, nesse ponto, no nível estabelecido por Sam Raimi e Tobey Maguire. Talvez Homem-Aranha: Longe de casa não seja melhor que Homem-Aranha 2, de Sam Raimi, mas sem dúvida é muito melhor do que os seus antecessores (inclusas aí as tragédias protagonizadas por Andrew Garfield) e talvez tão bom quanto, ou até melhor, do que o primeiro Homem-Aranha de Raimi. Facilmente um dos grandes filmes do MCU, na linha de trabalhos como Homem-Formiga e a Vespa, e talvez até melhor. E essa última realização, talvez, seja uma das melhores desse filme. Unir, talvez definitivamente, o MCU com o universo do Homem-Aranha da Sony, de maneira que para nós é difícil apontar diferenças que não estejam apenas nos créditos finais dos produtores.


Uma frase: – “Eu adoro Led Zeppelin!”

Uma cena: Todas as sequências de “alucinação” do Homem-Aranha lembram o que há de melhor nos quadrinhos do teioso.

Uma curiosidade: A mala de viagem que Peter Parker usa no filme tem as iniciais do nome de seu falecido tio Ben, “BFP”, que significa Benjamin Franklin Parker.


Homem-Aranha: Longe de Casa (Spider-Man: Far From Home)

Direção: Jon Watts
Roteiro:
Chris McKenna e Erik Sommers
Elenco: Tom Holland, Samuel L. Jackson, Zendaya, Cobie Smulders, Jon Favreau, J. B. Smoove, Jacob Batalon, Martin Starr, Marisa Tomei e Jake Gyllenhaal
Gênero: Ação, Aventura, Sci-Fi
Ano: 2019
Duração: 129 minutos

Mário Bastos

Quadrinista e escritor frustrado (como vocês bem sabem esses são os "melhores" críticos). Amante de histórias de ficção histórica, ficção científica e fantasia, gostaria de escrever como Neil Gaiman, Grant Morrison, Bernard Cornwell ou Alan Moore, mas tudo que consegue fazer mesmo é mestrar RPG para seus amigos nerds há mais de vinte anos. Nas horas vagas é filósofo e professor.

2 comentários sobre “Crítica | Homem-Aranha: Longe de Casa

    1. Vá ver Kamila! Não ter visto os outros, não atrapalha em nada. Esse filme é, na verdade, uma continuação direta de Ultimato.

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