Crítica | Nós (Us)

Crítica | Nós (Us)

Trabalhar com tensão, suspense e medo não é uma tarefa fácil, muito menos no cinema. É fácil incorrer em fórmulas fáceis sem explorar e compreender com a devida profundidade a questão. Poucos dominaram – e muitos menos hoje dominam – os mecanismos necessários para se realizar um bom filme que poderia ser enquadrado no gênero de horror ou suspense. Um filme ótimo, ou excelente, é ainda mais raro. Assim, assistir um filme como “Nós”, é quase que um achado.

Jordan Peele, diretor, roteirista e produtor do filme, é um caso, também pela sua carreira, inusitado no meio. Egresso da comédia, surpreendeu a todos com o excelente “Corra!”, um filme de difícil definição, com um relevante subtexto político, e definitivamente assustador nos mais diversos níveis. Era grande, assim, a expectativa por sua próxima obra.

Felizmente, em seu trabalho subsequente, Peele não decepciona. Ao contrário, até elevar a qualidade de seu trabalho. Em “Nós” o diretor demonstra uma exímia capacidade de explorar o estranhamento para causar inquietação e desconforto em sua audiência. Essa capacidade, inclusive, se apresenta tanto em uma sensibilidade daquilo que provoca as sensações que se associam ao estranhamento apontado, quanto em sua execução. A câmera de Peele é uma cúmplice brutal implacável do gênio por trás do crime que se encontra em seu roteiro. Essa associação criminosa, como dito de rara e admirável, é a principal responsável por boa tornar todos vítimas – no bom sentido, é claro – de seu cinema.

Em “Nós”, diferente de “Corra!”, o subtexto é menos evidente, porém, não menos importante. Se em “Corra!” a discussão era quase que diretamente o conflito racial nos EUA, agora a problematização se desloca para a sociedade estadunidense em sentido mais amplo sem, porém, perder o enfoque racial. Embora se amplie, ainda, a exploração não é menos profunda. Certas questões, inclusive, que parecem enquadrar a relação conflituosa entre os próprios negros nos EUA, apenas um negro como Peele teria legitimidade para tratar com tanta contundência. Em tempos de Green Book, ganhando Oscar de melhor filme, isso assume outro relevo, vulto e significância.

Porém o mérito não é apenas de Peele. Seu elenco em tela é fantástico. Winston Duke se apresenta como um excelente ator de suporte e um exemplo para toda Hollywood de como ser fazer alívio cômico com competência no cinema. As crianças, que fazem os filhos do casal, são melhores que qualquer ator do elenco de Stranger Things (sim, acredite). A expressividade de Shahadi Wright Joseph, particularmente, é espantosa considerando a dificuldade, até mesmo para adultos, de se entregar uma performance tão convincente diante de uma situação tão bizarra como o enredo de “Nós” propõe.

Mas, indiscutivelmente, o filme pertence a Lupita Nyong’o. A atriz domina o filme completamente, executando dois papéis dificílimos que, em vários níveis, definem a experiência cinematográfica que “Nós” se propõe a provocar. E, sem dúvida, o filme seria muito menor sem ela.

Nós”, sem dúvida, é uma obra de destaque da sétima arte na contemporaneidade. Algo que merece ser visto, ou melhor, experimentado diversas vezes. E como em toda grande obra, suas lacunas serão, progressivamente, preenchidas das mais diversas formas por sua audiência que, inevitavelmente, se verá agrilhoada do princípio ao fim da exibição (e talvez até mesmo além).


Uma frase: – Jason: “Tem uma família na entrada da garagem.”

Uma cena: A chegada da família misteriosa na casa dos Wilson.

Uma curiosidade: Lupita Nyong’o e Winston Duke estrelaram anteriormente Pantera Negra (2018).


Nós (Us)

Direção: Jordan Peele
Roteiro:
Jordan Peele
Elenco: Lupita Nyong’o, Winston Duke, Elisabeth Moss, Tim Heidecker, Shahadi Wright Joseph e Evan Alex
Gênero: Horror, Thriller
Ano: 2018
Duração: 107 minutos

Mário Bastos

Quadrinista e escritor frustrado (como vocês bem sabem esses são os "melhores" críticos). Amante de histórias de ficção histórica, ficção científica e fantasia, gostaria de escrever como Neil Gaiman, Grant Morrison, Bernard Cornwell ou Alan Moore, mas tudo que consegue fazer mesmo é mestrar RPG para seus amigos nerds há mais de vinte anos. Nas horas vagas é filósofo e professor.

2 comentários sobre “Crítica | Nós (Us)

  1. Passei maior parte do tempo com o coração palpitando e saí do cinema com a cabeça fervilhando. São tantas interpretações possíveis para o filme que dá vontade de assistir várias vezes. Lupita tá realmente incrível.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *