Westworld – S02E01 – Journey Into the Night

Westworld – S02E01 – Journey Into the Night

A melhor e mais audaciosa série HBO da atualidade retorna para sua segunda temporada com novos questionamentos, jogos e mistérios.

Não é incomum que encontremos a expressão “jornada noite adentro“, que dá título ao episódio de estréia da segunda temporada, como uma referência a um profundo mergulho no lado negro de cada um de nós. Há também uma referência à premiada peça do dramaturgo Eugene O’Neill, A Long Day’s Journey Into the Night, que aborda uma noite na vida de uma família disfuncional, vítima de seus vícios e das vicissitudes do mundo. Título, assim, mais que apropriado quando consideramos os Anfitriões como uma espécie de família composta por pessoas sistematicamente submetidas a abusos.

[button-red url=”#” target=”_self” position=””]Aviso de SPOILERS[/button-red]

Os comentários a seguir falam sobre acontecimentos encontrados em Journey Into the Night, o primeiro episódio da segunda temporada de Westworld.

Sonhos negros

Se na primeira temporada os Anfitriões estavam sujeitos aos deleites violentos dos Hóspedes, os fins violentos prenunciados se manifestam agora nos deleites violentos daqueles que foram vítimas contra seus algozes. Se é difícil condenar os Anfitriões por esse comportamento, tampouco é possível apoiá-los eticamente sem um certo desconforto. A personagem que representa isso é Dolores (sempre magistralmente interpretada por Evan Rachel Wood).

No rosto duro de Dolores e em suas palavras amargas fica sintetizado como a tomada de consciência é um processo doloroso e que cobra um alto custo para cada um de nós. E como, não raro, isso envolve uma certa crueldade assustadora. Dolores é praticamente uma força da natureza, ou melhor, uma força da tecnologia. Um poder a ser temido com um objetivo que não é dos menores, mas que revela uma profunda (e amarga) clareza de pensamento e coerência estratégica. Não existe possibilidade de liberdade para si e para os demais Anfitriões que não passe pelo controle absoluto sobre o mundo dos Hóspedes.

Há, enfim, dois temas centrais que seguem se repetindo em Westworld, e que são muito bem demarcados nesse primeiro episódio: ética e consciência. Ou melhor, tudo diz respeito àquilo que significa ser humano, e que tipo de questões derivam do reconhecimento ou negação desse sentido. Na segunda temporada, porém, além da inversão de papéis nos objetos de questionamento ético – antes eram os Hóspedes, agora os Anfitriões – há o aprofundamento no problema da possibilidade da consciência ao se agregar o problema da concretude X abstração.

Quando o episódio abre testemunhamos mais uma vez um dos deliciosos diálogos entre Arnold e Dolores. O elemento central da discussão entre ambos é a diferença entre sonhos e realidade. Arnold afirma que a diferença é uma questão de perspectiva, realidade é aquilo que importa para você e que sonhos não significam nada. Mais a frente, em outro ponto do episódio, ao torturar um Hóspede desesperado, Dolores afirma que antes ela era parte de um sonho (desconexo e sem sentido), mas que agora era no sonho dela que eles, os humanos, estavam. A mensagem é clara. Dolores sabe que aquilo que ela faz é apenas caos e destruição desordenado. Porém há um claro sentido de prazer também, que apenas a tomada de consciência amargamente lhe permite reconhecer.

Sua âncora moral, sem dúvida, é Teddy. A voz da consciência que ela mantém conscienciosamente a seu lado. Bom, fiel, leal e justo, Teddy é um bom garoto. De alguma forma ele determina, porém, os contornos de Dolores. Teddy, talvez ela imagine, é tanto aquilo que seu povo deve deixar para trás quanto aquilo que poderiam ser. Trata-se, no fim, de uma escolha, um duro resultado da consciência.

 

Heróis e Vilões, cowboys e índios

A propósito, se analisarmos a construção narrativa da série a partir da perspectiva dos pares, o espelhamento de Maeve e Dolores fica ainda mais evidente. Héctor (Rodrigo Santoro) é, afinal, o oposto ético de Teddy. E por isso forma um par tão harmonioso com aquela que, de uma perspectiva moral, parece assumir todos os contornos de uma “heroína” (se é que esses tons de preto e branco não são meramente aparência simbólica mesmo em Westworld).

Maeve, afinal, segue uma rota de tomada de consciência tão forte quanto a de Dolores. Como ela mesma salienta, teve que morrer – curiosamente por desígnio e não por ações exteriores – muitas vezes para se tornar o que se tornou. E é também por desígnio que ela parte em busca de uma filha que apenas detém esse caráter por conta também de uma escolha. Isso aponta para aquilo que se tende a considerar como um arco de “progressão” moral da personagem no sentido de um certo altruísmo, o que se acomoda às caracterizações ordinárias de heroísmo. E pela lógica do espelhamento isso faria de Dolores a grande “anti-heroína” da trama; papel que é reforçado pela evidente “progressão” moral distinta assumida pela personagem. Esse espelhamento pode mesmo, no futuro, vir a se desenvolver em uma tensão mais direta protagonista/antagonista.

Mas é claro que já há um estereótipo de vilão sendo muitíssimo bem explorado em Westworld. William, o Homem de Preto, é tão bad ass mother fucker que quase parece ser uma mistura de Clint Eastwood com Charles Bronson, e uma pitada de Lee Van Cleef, saído diretamente da tela de um filme de Sam Peckinpah. O homem está de fato vivendo seu sonho, no sentido mais ideal da palavra; o que no contexto do episódio, faz daquilo sua realidade.

Sem dúvida ainda há muito mais o que dizer sobre William. Ed Harris é tão bom naquilo que faz e cria um personagem tão icônico que nunca o queremos ver fora da tela. E com isso queremos saber cada vez mais sobre ele. Não é por acaso que Jimmi Simpson retorna nos próximos episódios como o jovem Homem de Preto. E, ainda mais importante, sua jornada ainda está longe de acabar. Seu velho “amigo”, o Doutor Ford, não o deixaria cair na monotonia. Do além túmulo ele preparou um novo desafio para William. O Homem de Preto encontrou o centro do Labirinto, e agora, ele precisa encontrar a Porta. O movimento da busca da consciência parece mudar mais uma vez, neste momento do centro talvez para fora. O simbolismo dessa busca, sem dúvida, repercutirá em todos os principais personagens da trama.

Deixando (apenas por hora) reflexões filosóficas de lado, é interessante pontuar outros elementos que retorno de Westworld apresentou.

 

Ilhas, drones, tigres e contrabando de DNA

De uma perspectiva de narrativa, a trama tem suas bases mais bem estabelecidas e agora se expande e se aprofunda. O verdadeiro escopo do poder da Delos Corp. é revelado quando fica claro que a empresa tem usado os Anfitriões para coletar DNA dos Hóspedes. Considerando a classe social dos Hóspedes, não é difícil imaginar até onde uma empresa como Delos – sem qualquer tipo de restrição moral a criar um parque de diversões com a finalidade quase única de realizar os desejos mais obscuros de cada um – é capaz de ir para consolidar seu poder. Não fica claro, porém, se o contrabando desses dados, via Peter Abernathy, supervisionado por Charlotte (Tessa Thompson), é feito com chancela da Diretoria ou em paralelo a esta.

Bernard, que acompanha Charlotte, tem seus próprios desafios. Ele precisa esconder que é um Anfitrião, para sobreviver, mas ao mesmo tempo necessita tratar, da forma mais discreta possível, uma degeneração de seus sistemas. Bernard, aliás, parece ser o personagem chave de condução da narrativa dessa temporada. Se na temporada passada o fio condutor era a tortuosa memória de Dolores, agora é através de Bernard que acompanhamos o delinear da trama principal que se desenvolve no parque. O recurso lembra um pouco aquilo que Jonathan Nolan fez em Amnésia, um dos primeiros filmes que escreveu para o irmão. Esse recurso, ainda, diferente da temporada passada, é abertamente explorado pelos produtores dessa vez. Nós sabemos que há pouco mais de 11 dias de lacuna na memória de Bernard que serão preenchidas e exploradas ao longo dos próximos episódios.

Algumas informações, porém, já nos são dadas de chofre. Sabemos que há pelo menos 5 ou 6 outros parques. Sabemos que o parque (Westworld e todos os outros) está localizado em uma ilha (ou em diversas ilhas). O Shogunworld deve aparecer nos próximos episódios, e Jonathan Nolan já havia anunciado que há pelo menos o Mundo Medieval ou o Mundo Romano, que estão no filme que inspirou a série, devem aparecer em algum momento. Vemos indícios que um desses parques talvez seja um tipo de selva, na forma de um tigre “morto” à beira mar.

Há também os drones (zangões talvez seria a melhor tradução), um tipo de Anfitrião mais primário e bastante perturbador, e a forma como cada um deles observa Bernard é mais perturbadora ainda.

Para encerrar o episódio, há uma verdadeira carnificina. Centenas de Anfitriões encontrados mortos e Bernard se declarando o responsável por aquele, literal, mar de mortos, que tem, aparentemente, em Teddy Flood uma de suas vítimas.

Enfim, a segunda temporada de Westworld teve um ótimo retorno, abrindo caminho para o desenvolvimento tanto da narrativa como dos personagens, trazendo algumas respostas há muito ansiadas pelos fãs, e levantando outras perguntas e expectativas, tão boas, ou até melhores, do que da temporada passada. Westworld, sem dúvida, ainda tem muito a crescer.



Westworld

Temporada: 
Episódio: 01
Título: Journey Into the Night
Roteiro: Lisa Joy & Roberto Patino
Direção: Richard J. Lewis
Elenco: Evan Rachel Wood, Thandie Newton, Jeffrey Wright, James Marsden, Tessa Thompson, Ingrid Bolsø Berdal, Fares Fares, Luke Hemsworth, Louis Herthum, Simon Quarterman, Talulah Riley, Rodrigo Santoro, Angela Sarafyan, Gustaf Skarsgård, Shannon Woodward, Ed Harris, Ben Barnes, Clifton Collins Jr., Jimmi Simpson, Katja Herbers e Neil Jackson
Exibição original: 22 de Abril de 2018 – HBO

Mário Bastos

Quadrinista e escritor frustrado (como vocês bem sabem esses são os "melhores" críticos). Amante de histórias de ficção histórica, ficção científica e fantasia, gostaria de escrever como Neil Gaiman, Grant Morrison, Bernard Cornwell ou Alan Moore, mas tudo que consegue fazer mesmo é mestrar RPG para seus amigos nerds há mais de vinte anos. Nas horas vagas é filósofo e professor.

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