Crítica | Game of Thrones – 6×08: No One

Crítica | Game of Thrones – 6×08: No One

Para encontrar a si próprio, é preciso esquecer quem se é, e mergulhar espontaneamente nas trevas da escuridão.

É inegável que o afastamento da obra literária acabou trazendo consequências à adaptação da HBO para a TV da obra de George R. R. Martin. A falta de referência dos livros comprometeu o resultado final de boa parte dessa temporada, tirando dela todo um tom que era típico e marcante de Game of Thrones: o realismo e a verossimilhança.

Não um realismo com relação a seus temas e narrativas; evidente que isso seria uma categorização improvável em uma série na qual dragões cospem fogo e exércitos de mortos vivos lutam contra gigantes. Mas o realismo e a verossimilhança residiam justamente na sutil capacidade de Martin de tecer tramas e desenvolver narrativas que, aos olhos de qualquer um, se desenrolavam de uma forma pouco linear, intricada e muitas vezes inusitada, marcada com uma dureza crua, a qual parecia ser típica da vida, simplesmente.

[button-red url=”#” target=”_self” position=””]Aviso de SPOILERS[/button-red]

Os comentários a seguir falam sobre acontecimentos narrados em No One, o oitavo episódio da sexta temporada de Game of Thrones.

#GoT (S06E08) – No One

Ao assistirmos a um episódio de Game of Thrones, por mais desalentador que ele fosse – como se dá quando Ned Stark é decapitado – pensamos algo como “uau… que brutal!! Mas é assim mesmo né?”. E esse sem dúvida sempre foi um dos grandes atrativos da série. Na sexta temporada, porém, aparentemente por conta da falta da narrativa sinuosa imposta por Martin a seus personagens – que são sempre pintados com cores mais vivas do que o mero preto e branco, o bem e o mal – a série adquiriu um tom mais simplório e seus personagens perderam vivacidade e profundidade. Em grande medida, Game of Thrones aparentava ter deixado de ser Game of Thrones.

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É certo que isso foi compensado com um ritmo muito mais próximo das narrativas audiovisuais do que a obra de Martin permitia entregar. Houve ganhos, é fato, em matéria de objetividade. Todavia, a série começava a desagradar muitos fãs que se sentiam um tanto quanto traídos, como que assistindo a algo cada vez mais diverso daquilo que haviam aprendido a apreciar.

Assim, é bastante satisfatório ver um episódio nessa sexta temporada que se aproxima mais da essência da série literária criada por Martin e que ganhou nas primeiras temporadas na HBO uma versão bastante fiel da atmosfera que o autor imprimia em sua obra literária. Sabe-se que há muitas diferenças entre o livro e a TV, e isso é natural, até por conta dos formatos, mas o fascínio de Game of Thrones sempre esteve justamente em seus tons de cinza entre os personagens, e seu tom cinzento e mortal no desenrolar da história; característica essa que nos deixava com a respiração suspensa durante cada cinquenta minutos de episódio, e elevava os raros momentos de vitória dos protagonistas a um patamar ainda maior de empolgação.

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Finalmente em “No One”, o oitavo episódio da sexta temporada de Game of Thrones, a atmosfera que todos tanto apreciam na série criada por Martin se apresenta com forte presença.

A garota chama-se Arya Stark

Sem muitos rodeios, é evidente que o título do episódio é uma referência direta ao arco de Arya Stark. Desde o princípio a destemida Arya sempre fora uma das personagens mais amadas do público. A sua separação de Sandor Clegane – outro de quem falaremos mais adiante -, e consequente ida a Braavos pareciam encaminhá-la a um dos arcos mais empolgantes da série, com seu treinamento pelos Homens sem Rosto de Jaqen H’ghar.

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Infelizmente, uma vez inserida no arco, a trama de Arya parecia perder seu momentum e se tornou um tanto quanto insípida e deslocada da narrativa maior. Na verdade, a única coisa que nos fazia querer acompanhar aquela trama era o fato de se estar contando um história de Arya. Todavia, não apenas na narrativa, mas também metalinguisticamente falando, Arya parece cada vez mais deixar de ser Arya.

Enfim, nesse episódio, o arco de Arya em Braavos pareceu se encerrar. Ainda assim, o fechamento se deu de maneira um tanto quanto forçada, dando continuidade às soluções questionáveis que os roteiristas optaram por abordar a partir do episódio prévio. Havia até algumas teorias interessantes na internet de que na verdade a “Criança Abandonada” – a rival de Arya, interpretada pela atriz Faye Marsay – fosse a própria Arya com outro rosto, e que a “caça a si mesma” era uma parte de seu intricado treinamento. Seria genial se fosse assim. Mas não foi.

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O que houve foi uma resolução que, apesar de agradar aos fãs de Arya – como é meu caso – desagradou de maneira geral por não ter muito a cara de Game of Thrones. Desde o episódio que apresentou uma Arya exageradamente distraída – considerando tudo que havia passado, seu treinamento e sua consciência de que estava sendo caçada – até as situações desse episódio, que mostraram uma rival que, ao invés de agir com pragmatismo e matar sua adversária de maneira inclemente e traiçoeira, perdia seu tempo conversando.

No fim das contas, a sequência se encerrou de uma maneira que poeticamente foi satisfatória e fez sentido no plano geral de desenvolvimento da personagem. Ainda assim, não é fácil afastar a sensação de que Martin teria feito opções melhores e levado Arya até o mesmo destino de uma maneira muito mais verossímil e instigante.

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Um Lannister sempre paga seus débitos

Mas o que reteve mesmo o clima característico de Game of Thrones, nesse episódio, foram as linhas narrativas envolvendo os dois irmãos e amantes da casa Lannister.

Em Porto Real, Cersei percebe que não há segurança para ela, enquanto o Alto Pardal ainda tiver poder sobre seu filho. A tentativa da fé militante de levar a rainha mãe à força de volta para o Alto Septão rendeu uma das cenas mais sangrentas dessa temporada: Gregor Clegane arrancando a cabeça de um membro da fé militante apenas com as próprias mãos. Nada mais digno de Game of Thrones do que isso.

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Ainda assim, apesar de conseguir evitar o que poderia ter sido um novo aprisionamento, Cersei sofreu uma grande derrota. Seu julgamento por combate foi frustrado. Melhor dizendo, Tommen, manipulado pelo Alto Pardal, declara extinta a tradição do julgamento por combate, em uma das melhores reviravoltas da temporada, deixando Cersei totalmente à mercê do julgamento religioso e colocando-a em rota de colisão direta com o Alto Pardal. É difícil prever o que ocorrerá no próximo episódio, mas é certo que Cersei tomará medidas para não ser mais uma vez humilhada ou mesmo punida mais severamente pelos fanáticos religiosos que tomaram sua cidade, seu reino e seu filho.

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De outro lado, em Correrio, Jaime Lannister consegue uma vitória importante, mas apenas depois de reconhecer a si mesmo enquanto um homem que, para estar de volta aos braços de sua amada, não poupa esforços e não possui qualquer escrúpulo.

Após se encontrar com Brienne e lembrar dolorosamente daquilo que poderia ter se tornado, se não fosse tão doentiamente dominado por seu amor por Cersei, Jaime enfim abre mão dessa sombra do que não foi e decide conscientemente abraçar toda sua veleidade. E não por acaso, é justamente no momento que ele se percebe enquanto o bastardo inescrupuloso que é, que ele sucede em sua missão.

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Após ameaçar Edmure Tully com a morte do filho, ainda bebê, deste, Jaime consegue forçar o senhor por direito de Correrio a trair seu próprio tio, o Blackfish. Edmure pede entrada aos homens de Correrio que não veem outra alternativa senão obedecer a seu lorde por direito, e em seguida, uma vez lá dentro, entrega a fortaleza de volta aos Frey e a aos Lannister.

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Brienne, que havia mais cedo tentado – lembrar Jaime de quem ele poderia ser e – negociar com Blackfish para que ele movesse suas tropas de dentro do castelo, deixando-o para os Frey e os Lannister, e seguisse para ajudar Sansa a tomar Winterfell, fracassara em convencer o velho Tully a ir ao auxílio dos últimos Stark. Após a tomada do castelo, restou à valorosa Brienne apenas fugir pelo rio, em uma das mais singelas, marcantes e sinceras cenas da temporada, na qual Jaime a observa fugir de longe, em silêncio, sem alertar aos seus guardas; em seguida acenando para Brienne, que responde com outro aceno melancólico.

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A cena marca a despedida de Jaime daquilo que ele poderia ter sido; do cavaleiro honrado que nenhum homem em Westeros conseguiu ser, além de uma forte e destemida mulher, que ele, se pudesse escolher, escolheria amar com todas as suas forças.

O Duende e o Cão

Não poderíamos deixar de falar do terceiro irmão Lannister e de outro homem sem honra que reencontra a si próprio.

Tyrion Lannister, por alguns instantes, aproveita os louros da glória enquanto desfruta da paz que conseguiu conquistar para Mereen. Mas essa paz logo se apresenta em toda a sua precariedade quando os Mestres da Baía dos escravos surgem com seus navios para atacar a cidade. Tyrion pode entender muito sobre poder, mas ele não é o poder. O poder não é outro senão o Rei, ou nesse caso, a Rainha: assim, cabe a Daenarys Stormborn retornar em toda a sua majestade e com o poder de seus dragões restabelecer o controle de sua cidade.

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Quanto ao Cão, bem, ele sem dúvida é um dos principais responsáveis por fazer esse episódio ser aquilo que é: um autêntico e genuíno episódio de Game of Thrones. Sandor Clegane segue em sua implacável busca por “justiça” (ou vingança) e logo fica claro que o talento para matar do cão é de fato rivalizado por poucos.

Seu caminho, como era de se esperar, o leva a reencontrar com Thoros de Myr, Beric Dondarrion e a Irmandade sem Bandeiras. Eles reconhecem o dom da Sandor Clegane para a morte e insistem em recrutá-lo para sua Irmandade. O Cão não é mais o mesmo de outro momento e parece que em algum nível de fato se vê mudado. O mais novo e menos cruel dos irmãos Clegane enfim, decide se juntar ao bando liderado pelo ressurreto Dondarrion. A que caminhos isso irá leva-lo, bem, apenas R’hllor deve saber. Mas com certeza o destino que o Senhor da Luz reserva para o habilidoso guerreiro não será tímido em sangue e violência.

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No próximo episódio veremos a batalha épica entre os bastardos de Game of Thrones, em um típico episódio da nona temporada. Daqueles onde tudo pode mesmo acontecer e onde há pouca chance de esperança para o Norte e para os Stark.


Série: Game of Thrones
Temporada: 6ª
Episódio: 08
Título: No One
Roteiro: David Benioff  e D.B. Weiss
Direção: Mark Mylod
Elenco: Nikolaj Coster-WaldauLena Headey, Peter Dinklage,  Faye MarsayTobias MenziesMaisie Williams, Hafþór Júlíus Björnsson,Gwendoline ChristieJerome FlynnClive RussellRory McCannPaul KayeFaye Marsay  e Tom Wlaschiha.
Graus de KB: 2 – Rory McCann atuou em Fúria de Titãs (2010) ao lado de Elizabeth McGovern , que esteve em Ela Vai Ter um Bebê (1988) ao lado de Kevin Bacon
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Mário Bastos

Quadrinista e escritor frustrado (como vocês bem sabem esses são os "melhores" críticos). Amante de histórias de ficção histórica, ficção científica e fantasia, gostaria de escrever como Neil Gaiman, Grant Morrison, Bernard Cornwell ou Alan Moore, mas tudo que consegue fazer mesmo é mestrar RPG para seus amigos nerds há mais de vinte anos. Nas horas vagas é filósofo e professor.

8 comentários sobre “Crítica | Game of Thrones – 6×08: No One

  1. Veleidade, bingo.
    Mário parece curtir bastante uma das partes que mais me incomoda: Jamie Lannister.
    Acho que a série subestima seus espectadores, é como se os produtores pensassem “é televisão, nós PRECISAMOS ter um vilão facilmente identificável”. Isso mata uma das coisas que eu achei mais genial em GoT: na primeira temporada (e primeiro livro) Jamie era claramente um sujeito sem honra, incestuoso, um cara que quebrou um juramento e matou o rei que jurou defender. Aí na segunda temporada vemos que não é bem assim, ele é um ser humano com camadas, a traição ao rei teve uma razão de ser e matá-lo foi uma decisão até honrada, de certa forma. Quem diria, o tal Jamie não é tão vilão assim!
    Mas agora esqueceram todo esse desenvolvimento e querem torná-lo um vilão de novela mexicana, do tipo que fica enrolando o bigode com os dedos. O romance com Cersei nem faz mais sentido, o Jamie com camadas já teria sacado que Cersei é uma filha da puta venenosa, mas não, a série precisa de um vilão 100% malvado, porque acham que o expectador é burro e não vai compreender se eles mostrarem apenas seres humanos com virtudes e defeitos.

    1. Concordo com tudo que você disse, Lionel. Eu de fato gosto muito de Jaime, e esse “retrocesso” dele se deu de uma forma abrupta. Acho que é resultado da falta que os livros fazem. Uma pena.

      1. Mais ou menos, Mário. Mesmo quando ainda tinham o suporte do livro, os produtores gostavam de caracterizar Jamie como o “vilãozão”: por exemplo, lá na terceira temporada Jamie chega a MATAR um parente para escapar do cárcere de Robb/Catelyn. Porra, logo Jamie que é um cara que põe a família acima de tudo, matar um parente para escapar?!
        (e de forma meio inútil, porque o plano teria dado o mesmo resultado se o tal parente apenas tivesse fingido estar morto, vale lembrar)
        Outro exemplo de que a série acredita PRECISAR de um vilão facilmente identificável é o tal “chefe” dos white walkers. Talvez eu queime a língua, mas nos livros eles parecem ser muito mais uma força da natureza do que um grupo organizado e sob uma liderança específica.

        1. Rapaz, é mesmo. Nem lembrava desse Lannister, coitado. Mas ainda assim com todo o esforço dos produtores, não consigo enxergar Jaime como um vilão. Gosto dele. Gosto também do Hound. Adoro esses “heróis” improváveis.

          Sobre o Night King, tenho a sensação que você está certo também.

          1. Acho que vocês estão exagerando em relação a Jaime Lannister. Nos livros ele não se mostra alguém bom, mas alguém que, se não é o vilão que todos achavam que era, é capaz de ações desonrosas para conseguir o que quer.

            No livro, se bem me lembro (tem tempo que li), ele faz isso aí mesmo. Convence Edmure a entregar Riverrun,usando esse mesmo tipo de argumento.
            Edmure dá um pequeno troco quando deixa Blackfish escapar pelo rio (como Brienne faz na série) antes de entregar a fortaleza.

    2. A falta do alicerce dos livros está cada vez mais sendo sentida, pelo menos por mim. Eu tinha desistido dos livros (li até o 4) por conta da falta de tempo em ler bíblias como aquelas, mas alguns arcos da série como o de Arya, por exemplo, estão muito mal construídos.

      O exemplo de Jamie como Lionel falou, putz, é realmente triste que na TV estejam esquecendo de tudo o que tornou esse personagem memorável.

      Bom, para algo está servindo, me deu vontade de voltar a ler os tratados de Tordesilhas escritos por Tio George. Agora, mais que nunca, espero pelo livro 6!

  2. Achei esse o episódio mais fraco da temporada.

    A história de Arya se resolveu porcamente (sorry 😉 De todas as formas que pensei, foi a resolução mais fraca. Não consigo imaginar acontecendo dessa forma no livro.

    Ainda não consigo ver a que bem a história de Clegane tem servido. É certo que no livro ele também não morreu e está no septo que Brienne encontra em suas andanças. Mas lá parecia ter um sentido de redenção. Aqui, nq série, até agora parece ser apenas relembrar que ele é bom de briga e é durão.

    Blackfish morrer por nada… Se era para eliminar mais um personagem rapidamente, podia deixar ele fazer uma ponta na batalha dos bastardos.

    Cersei tá repetitiva. Cersei & Montanha tá tipo Calvin & Hobbes. Coitada. Um filho psicopata e outro bobão. E limaram a única filha inteligente e decente.

    Só a história de Jaime se salvou nesse episódio.

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