Crítica | Deuses do Egito (Gods of Egypt, 2016)

Crítica | Deuses do Egito (Gods of Egypt, 2016)

Os Deuses – do Egito – devem estar loucos! E não há nada de errado nisso.

A melhor forma de se aproveitar Deuses do Egito é, ironicamente, esquecendo que o filme se passa no Egito. Trata-se, na verdade, de uma aventura de fantasia – com ênfase na fantasia – e que deve ter na mitologia egípcia mais uma inspiração referencial.

Não que não haja uma representação muito distante de uma das mitologias mais ricas da humanidade. Na verdade certos elementos centrais estão lá: a traição de Set a Osíris; a luta eterna de Rá contra Apophis (ou Apep, a monstruosa serpente do caos e devora toda a vida e luz); o mito do pós-vida. A história de Hórus, contudo, sucumbe a uma tentativa trôpega de invocar a jornada do herói, que titubeia e se fecha recorrendo a clichês e lugares comuns, e que funcionam apenas, ainda que remotamente, por conta de uma inexplicável relação atávica de apreço que a humanidade insiste em manter com narrativas épicas.

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E é justamente nesse deslocamento do mito original, já rico e bem estabelecido o suficiente em seu simbolismo, que Deuses do Egito viola fundamentos essenciais da narrativa. E assim fazendo, soa falso e exageradamente absurdo. Afinal o mito de Hórus – lembraria Joseph Campbell – é um dos arquétipos essenciais do herói, e se afastar dele com a intensão de criar um Hórus pretensamente mais adequado ao consumo da audiência contemporânea, serve apenas para expor o quão essas narrativas voltadas para a indústria se degeneraram ao se afastarem de suas fontes. E por se tratar de uma degeneração do próprio Hórus, o reflexo exposto manifesta-se apenas como mais distorcido e pálido, e muito por isso, até risível.

Assim o recurso a ideia do super-humano representada no filme pela imensa estatura dos Deuses do Egito, e seu sangue de ouro, soa ainda mais pueril e um tanto quanto histérico mesmo. Não ajuda o Hórus de Nikolaj Coster-Waldau (que deve mesmo se recolher a interpretar Jaime Lannister) ser totalmente desprovido de carisma ao ponto de torcermos do início ao fim pela canastrice do Set de Gerard Butler. Geoffrey Rush, pelo menos, sabe não se levar a sério e encontrar o tom certo para seu Rá, que sempre que surge rouba a cena e de longe protagoniza as cenas mais interessantes do filme. O filme ainda conta com o futuro Pantera Negra, Chadwick Boseman, pagando um miquinho básico como o Deus Toth e a atriz Elodie Yung, a Elektra que estará na segunda vindoura temporada da série Demolidor, como a Deusa do Amor Hathor, par romântico de Hórus, e juntamente com Rá, uma das personagens mais interessantes do filme.

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Apesar de tudo isso ainda consegui me divertir com Deuses do Egito. Justamente por ter esquecido do Egito na história. O filme, na verdade, tenta ser uma espécie de Fúria de Titãs (2010) – não o original, mas a refilmagem – com mitologia egípcia em lugar da grega. Mas, curiosamente, é mais bem sucedido em se aproximar de um dos mais amados clássicos da sessão da tarde – o Fúria de Titãs (1981) de Ray Harryhausen – do que sua refilmagem de 2010 que rompeu com a estrutura de narrativas épicas e tentou transformar um mito clássico em um filme de ação dos mais genéricos. E Deuses do Egito consegue essa aproximação com o Fúria de Titãs de Harryhausen, apesar de um desenho de produção equivocado e efeitos visuais, na maior parte do tempo irregulares, justamente pelo mérito de se ater – ainda que de forma trôpega – a elementos básicos da jornada do herói.

Ao recorrer a uma estrutura narrativa simples, a qual diretor Alex Proyas (Eu, Robô, O CorvoCidade das Sombras) sabe ao menos explorar de forma dinâmica, utilizando bem elisões narrativas, e contando aquilo apenas que interessa para levar a história adiante, o filme acaba sendo assimilado pela audiência com fluidez. E ironicamente, também, é justamente essa característica que permite que o filme seja espalhafatoso e um tanto quanto trash, sem que fique absolutamente ridículo.

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A sensação que tinha, assim, em determinados momentos, era que eu estava assistindo um daqueles clássicos da sessão da tarde com o toque mágico de Harryhausen – até porque a qualidade dos efeitos em certos momentos chega a ser quase a mesma daquele época -, ou então que testemunhava a uma daquelas aventuras muito loucas de DnD que eu jogava em minha adolescência ganhar certa vida na tela grande. Deuses de Egito, ainda que por poucos instantes, me colocou mais uma vez num espaço lúdico e imaginário de vivência de aventuras. E ao menos isso já justifica a sua existência. Por Rá! 😉


Uma fraseVocê tem certeza que não é um Deus? O Deus do Impossível.

Uma cenaA barca de Rá arrasta o sol e passa de um lado a outro do mundo plano, deixando um lado imerso nas trevas, enquanto enfrenta a besta Apophis.

Uma curiosidade: O filme possui quase que exatamente a mesma equipe técnica de Mad Max: Estrada da Fúria. Quase 200 membros da equipe técnica de George Miller trabalharam também nesse “épico do deserto”. Infelizmente, as semelhanças param aí….


Deuses do Egito (Gods of Egypt)

Direção: Alex Proyas
Roteiro: Matt Sazama, Burk Sharpless
Elenco: Brenton Thwaites, Nikolaj Coster-Waldau, Gerard Butler, Chadwick Boseman, Rufus Sewell, Elodie Yung e Geoffrey Rush.
Gênero: Aventura, Fantasia.
Ano: 2016
Duração: 127 min.
Graus de KB: 2- Geoffrey Rush atuou em Lanterna Verde (2011) ao lado de Ritchie Montgomery que esteve em Jayne Mansfield’s Car (2012) com Kevin Bacon.

 

 


 

 

 

Mário Bastos

Quadrinista e escritor frustrado (como vocês bem sabem esses são os "melhores" críticos). Amante de histórias de ficção histórica, ficção científica e fantasia, gostaria de escrever como Neil Gaiman, Grant Morrison, Bernard Cornwell ou Alan Moore, mas tudo que consegue fazer mesmo é mestrar RPG para seus amigos nerds há mais de vinte anos. Nas horas vagas é filósofo e professor.

4 comentários sobre “Crítica | Deuses do Egito (Gods of Egypt, 2016)

  1. Rapaz, a cartela de bingo bombou nesse texto viu. Tinha que colocar as definições no final.
    Pelo que eu vi do trailer acho que você foi até bastante razoável com o filme.
    Esse aí eu não devo encarar, a não ser se for pra consolidar ele com um dos piores do ano na votação final da POCILGA. hahahahahaha

      1. Rapaz, eu ia comentar isso do bingo no texto. Hehehe. Me esmerei. Quem quiser colocar uma nota sobre isso, coloca lá, que fica massa. E sim, eu fui bastante generoso com esse. Memória afetiva do RPG.

  2. tipico filme que se mostra muito grandioso pelos trailers como na verdade não passa de um filminho meia boca… criei várias expectativas com um tal de fúria de titãs e o filme me decepcionou feio…

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