Crítica | Spotlight – Segredos Revelados (2015)

Crítica | Spotlight – Segredos Revelados (2015)

Quando a inocência é a principal vítima, todos nós somos culpados.

É difícil não buscar uma relação entre a personagem de Liev Schreiber na série de TV que ele protagoniza, Ray Donovan e o seu papel em Spotlight – Segredos Revelados (2015).  Afinal ambas as tramas lidam com elementos como abuso infantil pelo clero, as consequências judicias e psíquicas que isso pode acarretar em toda uma comunidade e a cidade de Boston, uma das mais católicas dos EUA. Na mesma medida, outros de idade mais avançada, podem se lembrar do papel de Michael Keaton em O Jornal (The Paper, 1994) de Ron Howard, no qual ele interpretava Henry Hackett, o editor de um jornal em Nova York.

Mas quando, logo nos primeiros minutos, se percebe que não há qualquer semelhança entre Ray Donovan e Marty Baron (personagem de Schreiber em Spotlight), ou entre Henry Hackett e ‘Robby’ Robinson (personagem de Michael Keaton), fica também claro que a película tem mais a oferecer do que aparenta.

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Sob os holofotes

O filme conta uma história real da Spotlight, uma equipe de jornalismo investigativo especial do Boston Globe, um dos mais tradicionais jornais de Boston e dos EUA, que em 2001 se deparou com uma das maiores histórias do jornalismo do país. Talvez, dada as suas repercussões que ainda se sentem até hoje no Vaticano, uma das maiores histórias do mundo.

A série de matérias da Spotlight que ganhou o prêmio Pulitzer (o maior prêmio do jornalismo nos EUA) expôs um horroroso esquema de acobertamento de abuso sexual infantil cometido sistematicamente pelo clero em Boston, implementado ao longo de décadas pela Arquidiocese com apoio de advogados, membros da alta sociedade e com ramificações que poderiam chegar até mesmo ao Trono de São Pedro, em Roma. E não há qualquer exagero aqui.

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Dada a dimensão da história, era de se esperar mais uma biopic que simplesmente se escorasse em uma espantosa história real e se desenvolvesse sem muito destaque. Mas não é o caso. O diretor e roteirista Tom McCarthy prova nesse filme que não é só mais um rostinho bonito diante das câmeras (ele começou sua carreira como ator) e que merece respeito atrás delas.

Por trás da notícia

Não é fácil desenvolver tão bem uma narrativa que mostre, de maneira clara e sem apelar para o didatismo, o processo de construção uma peça investigativa jornalística, cheia dos jargões e considerando desafios mais típicos da área. E o diretor é muito bem-sucedido nesse ponto, lembrando em alguns momentos o estilo narrativo de Sydney Pollack.

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Merece destaque também a capacidade de McCarthy em conduzir uma história que tem uma essência tão dolorida e delicada com muita sutileza e candura, sem recorrer a manobras emotivas baratas, tão típicas no cinema que lida com dramas humanos. A emoção ele passa da forma certa. Através de seus atores. Todos muito bem dirigidos, sem exceção, desde de os principais até os menores coadjuvantes.

Spotlight conta com uma grande elenco, repleto de estrelas, que recebem cada um deles seu tempo de tela e espaço apropriado dentro da história, sem excessos, sem faltas. Mas quem brilha mesmo é Mark Rufallo que entrega uma interpretação fantástica e marcante que dá o tom do filme, mostrando todo o seu talento e domínio de cena.

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Talvez haja apenas um certo exagero em Spotlight que é a forma como duas instituições são retratadas, de forma um tanto quanto exageradas e sem muitas nuances. De um lado temos a Igreja Católica, poderosa e influente, quase que invencível. Invencibilidade essa que apenas se amplia no ambiente de Boston, a outra instituição, retratada por sua vez como uma espécie de monólito da fé católica, irascível e infensa a qualquer questionamento à igreja. Mas não é nada que prejudique. Em um filme desse tipo, principalmente que trata de um assunto tão complicado, é preciso que se façam certas simplificações para que a história se desenvolva com mais fluidez.

Mensagem preservada

O mais importante é que McCarthy faz tudo isso sem em momento algum se perder na sua história. Ao contrário, ele conduz a película com mão firme e clareza, sabendo exatamente a história que precisa contar e seu viés: a famosa bigger picture. Um sistema viciado e anacrônico que cria distorções e vítimas que durante décadas, séculos, permaneceram anônimas; que violenta não apenas pessoas, mas comunidades inteiras, e não apenas em seu corpo, mas nas suas relações mais profundas com a espiritualidade.

Ao fim e ao cabo, o que sobressai é uma dura mensagem exposta com a força da luz de um desconcertante holofote: quando se trata do abuso de inocentes, todos nós somos culpados, por nosso silêncio e nossa omissão.



Título Original: Spotlight
Título Nacional: Spotlight – Segredos Revelados
Gênero: Biografia / Drama / História
Ano: 2015
Duração: 128 min
Diretor: Tom McCarthy
Roteiro: Josh Singer, Tom McCarthy
Elenco: Mark RuffaloMichael KeatonRachel McAdamsLiev SchreiberJohn SlatteryBrian d’Arcy JamesStanley TucciJamey Sheridan e Billy Crudup.
Graus de KB: 1 – Mark Ruffalo esteve em Em Carne Viva (2003)  com Kevin Bacon.

 



 


Mário Bastos

Quadrinista e escritor frustrado (como vocês bem sabem esses são os "melhores" críticos). Amante de histórias de ficção histórica, ficção científica e fantasia, gostaria de escrever como Neil Gaiman, Grant Morrison, Bernard Cornwell ou Alan Moore, mas tudo que consegue fazer mesmo é mestrar RPG para seus amigos nerds há mais de vinte anos. Nas horas vagas é filósofo e professor.

13 comentários sobre “Crítica | Spotlight – Segredos Revelados (2015)

  1. Infelizmente, a distribuição de “Spotlight” nos cinemas brasileiros foi péssima! Espero que o longa tenha a oportunidade de chegar na minha cidade. Quero muito assistir!

    1. Poxa, Kamila, que pena. Sempre é assim com filmes que não são mainstream. Tem que aguardar sala de arte. Tomara que mais cedo ou mais tarde chegue aí onde você vive, abração.

  2. Mais um ótimo filme para começar bem o ano. Gostei de ver Keaton mantendo o bom nível (não tão impressionante como em Birdman), mas também considero Ruffalo o grande destaque em termos de atuação aqui.

    Foi simplesmente fascinante acompanhar o árduo trabalho desta equipe de jornalistas, algo filmado de maneira realista por Tom McCarthy, diretor que consigo imaginar evoluindo cada vez mais.

    Spotlight ainda serve como um lembrete dessa atrocidade cometida por membros da igreja católica. Ao final do filme, o letreiro mostra cidades em que padres foram acusados de molestar menores… consegui ver uma menção a Mariana – MG. Eis aqui o relato: http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,nova-denuncia-de-pedofilia-contra-padre-de-mg,20020413p16652

  3. Caramba,

    minhas expectativas estavam nas alturas e o filme me decepcionou bastante. Achei apenas ok, legal, acima da média mas nem de longe a altura da história. O que a equipe do Spotlight fez foi algo inacreditável, eles até ganharam um Pulitzer.

    O poder que a Igreja Católica de Boston tinha dentro do estado era algo quase feudal, dentro das mais importantes insituições e com um poder – incluindo espiritual em relação a população – que não tinha precedentes em nenhuma outra parte dos EUA. O que o Boston Globe fez foi colocar bombas em alicerces que foram construídos a séculos. A repercussão disso é forte até hoje!!!
    Já o filme não mostra o impacto disso é uma aula de jornalismo sim mas não dá aquela pitada de dificuldade e temor, não mostra como era importante e as barreiras concretas que eles encontraram. Uma pena… pra mim, a Grande Aposta saiu na frente com folga.

    1. Eu achei que mostra sim o “temor” já que o personagem de Keaton é o tempo todo “avisado” pra não continuar com aquilo, que a igreja fazia muita coisa boa. Acho que o filme hoje tem um contexto ainda maior por se passar na época em que os jornais estavam perdendo espaço para a Internet, então isso faz a reportagem ainda ser mais relevante. Quando rola o 11 de Setembro mesmo é foda, e mesmo assim continuaram. Enfim, mais do que eu achei no link: http://turminhadoramon.blogspot.com.br/2016/01/spotlight-segredos-revelados-spotlight.html

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