Review | Dr. Who (S09E04): Before the Flood

Review | Dr. Who (S09E04): Before the Flood

Afinal, quem compôs a 5ª Sinfonia de Beethoven?

São episódios como Before the Flood que fazem qualquer nerd amante de ficção científica e viagem no tempo lembrar o motivo pelo qual é impossível não se amar Dr. Who. Você consegue lembrar da sensação que teve quando assistiu a de Back to the Future – Part II[i] pela primeira vez? E como seus amigos insistiam que não haviam entendido nada da história, mas você sabia que havia entendido algo sim, apesar de não saber precisamente definir como? Pois é. É por aí.

Enfim – já que falamos de viagem no tempo – se avançarmos para um futuro próximo não há dúvida que nós whovians estaremos nos referindo a Before the Flood como um dos episódios clássicos da série. Um clássico instantâneo, sem sombra de dúvidas. Como a 5ª Sinfonia de Beethoven rifada em uma guitarra elétrica por um Time Lord rompendo a quarta barreira. São episódios como esse que mexem com aquela criança eternamente presa dentro de você, sempre em busca de perguntas; o fazem voltar, assistir a algumas cenas repetidas vezes, até que se possa ter ao menos uma dimensão superficial do que aconteceu.

Fantasmas das enchentes passadas… e futuras…

No quarto episódio da nona temporada de Dr.Who o Doutor volta no tempo para tentar desvendar o mistério por trás da estranha inscrição gravada na parede interna de uma nave espacial, encontrada por um grupo de pesquisadores presos em uma estação mineradora submersa em um lago artificial na Escócia do século XXII. A inscrição tem alguma relação com um fenômeno que “sequestra” as almas dos mortos na estação e os transforma em “fantasmas” que na verdade funcionam como transmissores eletromagnéticos de uma mensagem subespacial. É meus caros. Dr. Who é isso. E o curioso é que essa sequer é a parte mais interessante desse episódio. Para dizer a verdade esse breve resumo mais define o episódio prévio.

Para esse episódio, se você quiser exibir um pretenso conhecimento pseudo-científico para seus amigos nerds menos afeitos à teses científicas, você vai querer saber o que é mais ou menos um bootstrap paradox ou causal loop. Como disse em Back to the Future – Part II os roteiristas a todo o momento brincam como isso. Na minha opinião as melhores histórias de viagem no tempo, afinal, enveredam pelos tortuosos caminhos do paradoxo da predestinação. Há para mim um apelo ontológico filosófico muito particular que me faz amar ainda mais histórias como essa. Você sabe, coisas de filósofo[ii].

Dr.Who-Before-the-Flood03To be, or not to be…

O Rei Pescador, Bob Dylan e tudo que houve antes da enchente…

Há diversos elementos de forte simbolismo evocados ao longo desse episódio. O Rei Pescador[iii], como ameaça eminente – aliás um vilão bem bad-ass e assustador, como a há muito não se via na série – se relaciona diretamente com o disco de Bob Dylan, homônimo a esse episódio, que por sua vez também evoca temas de forte caráter religioso como na música All Along the Watchtower – já amada por fãs de Battlestar Galactica – e o próprio nome do álbum que faz referência à saga bíblica de Noé. São elementos que ajudam a compor um cenário de gravidade e transcendentalidade que o episódio exige, mas acabam funcionando mesmo como elementos de composição; nada triviais é verdade, importantes, cheios de significância e significado, mas ainda assim, quando colocados em contraste com o cerne da história que é, acima de tudo metalinguística, são mais composição do que essência.

Dr.Who-Before-the-Flood02Corey Taylor? É Você?

A essência de Before the Flood não é outra senão a própria ideia de viagem no tempo e suas implicações. Aquilo que ocorre antes da enchente e que transcende o tempo e se mistura e se entreleça em algo que parece não fazer parte de tempo algum, e também de todos os momentos existentes. Nesse episódio a história que será contada é menos do mistério e mais das circunstâncias que levaram à construção do mistério. Um momento raro e corajoso que muito poucas séries que trabalham com viagem no tempo buscam explorar. Afinal, se eu tenho uma máquina no tempo, e me vejo diante de um problema aparentemente sem solução, ora bolas, por que diabos não apenas voltar um pouco mais no tempo e simplesmente observar o desenrolar dos eventos, ou, tanto melhor, influenciar os eventos que virão a me motivar a voltar no tempo para fazer essa observação. O problema é: se eu resolvo o problema porquê voltei no tempo para resolvê-lo, porquê no fim das contas eu voltaria no tempo para resolver o problema que jamais existiu? Em outras palavras: quem diabos compôs a 5ª Sinfonia de Beethoven?

Confuso com o parágrafo acima? Tudo bem. Era de se esperar. É exatamente essa a sensação que se tem ao assistir ao episódio dessa semana de Dr. Who. Assista-o, e fique um pouquinho mais confuso. E se delicie com a sensação de atordoamento e fascínio ao fim dele. Depois volte e o assista mais uma vez. E o debata com seus amigos. E volte, e assista de novo. E desenvolva teorias e ouça novas teorias, – afinal, o Doutor volta no tempo e fica preso dentro de sua própria linha do tempo, e isso sempre deve trazer consequências, não é mesmo? – e depois espere para que esse episódio seja discutido em alguma série nerd como The Big Bang Theory daqui a alguns anos. Sim. É um clássico. Eu já disse. Vou repetir. De novo. Não gostou? Sinto muito.

Não há muito mais que falar sobre esse episódio. Se eu falar perde a graça. Vá lá, procure o episódio, e assista. E depois responda: Quem diabos afinal compôs a 5ª sinfonia de Beethoven? Tã-nã-nã-nã!!!

[i] A propósito de Back to the Future, fique ligado em nosso especial de comemoração dos 30 anos da saga, daqui a alguns dias!

[ii] Enfim, não há nada mais metafísico do que o tempo e o espaço, e o ser e a consciência manipulando e sendo manipulados por esses objetos metafísicos. Dr. Who, sem dúvida alguma, se destaca por esse aspecto metafísico mais do que a maioria. Kant seria fã da série, aposto com você. Hume implicaria bastante, mas assistiria do mesmo jeito. Eu com certeza amo. Muito por conta disso, como já disse.

[iii] Para quem curte Slipknot, o vocalista da banda, Corey Taylor, também faz uma participação especial no episódio, não como a voz do Fisher King, como havia sido previamente divulgado, mas fazendo o tenebroso grito do aterrorizante alienígena.



Posters-TheMagicianApprenticeSérie: Dr. Who
Temporada:
Episódio: 04
Título: Before the Flood
Roteiro: Toby Whithouse
Direção: Daniel O’Hara
Elenco: Peter Capaldi, Jenna Coleman, Arsher Ali, Colin McFarlane, Sophie Leigh Stone. Peter Serafinowicz.
Exibição original: 10 de Outubro de 2015 – BBC One

 

 


Mário Bastos

Quadrinista e escritor frustrado (como vocês bem sabem esses são os "melhores" críticos). Amante de histórias de ficção histórica, ficção científica e fantasia, gostaria de escrever como Neil Gaiman, Grant Morrison, Bernard Cornwell ou Alan Moore, mas tudo que consegue fazer mesmo é mestrar RPG para seus amigos nerds há mais de vinte anos. Nas horas vagas é filósofo e professor.

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